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Desejo de mudança dos protestos não se reflete no novo Congresso

17:55 | Out. 07, 2014
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Fragmentado e sem lideranças, movimento que foi às ruas em 2013 não consegue traduzir demandas em votos. Câmara e Senado terão nomes novos, mas velha divisão de poderes permanecerá. Quando foram às ruas em meados do ano passado, os brasileiros pediam, sobretudo, mudanças na forma de se fazer política no país. E uma chance direta para a renovação foi a eleição. O Congresso Nacional escolhido, no entanto, reflete pouco o desejo dos manifestantes, que acabou se perdendo na falta de lideranças e em demandas vagas. Dos 513 deputados federais que ocuparão a Câmara nos próximos anos, 290 deles foram reeleitos (56,5%) e 25 (4,9%) já passaram pela Casa em outras legislaturas. As demais 198 cadeiras (38,6%) serão preenchidas por estreantes. O índice de renovação nesta eleição foi menor do que em 2010, quando chegou a 46,4% a média histórica é de entre 40% e 50%. Já no Senado Federal havia 27 cadeiras vagas. Dez pertenciam a senadores que tentaram a reeleição, e metade deles conseguiu mais um mandato. "Houve uma grande leva de candidatos novos eleitos. Mas eles, em geral, representam a política estabelecida. Não se pode dizer que expressam mudanças de fundo. Além disso, muitos brasileiros querem mudanças, mas não há consenso sobre quais elas seriam", afirma o sociólogo Marcelo Siqueira Ridenti, da Unicamp. Para o cientista político José Álvaro Moisés, da USP, a renovação pedida nas manifestações de 2013 não conseguiu se expressar em votos. Entre os motivos, segundo ele, estão a falta de propostas concretas de um movimento fragmentado e sem lideranças, e a ausência de um diálogo entre políticos e sociedade. "Se não existem novas lideranças, os eleitores não sabem como concretizar aquilo que apareceu como proposta nas manifestações. Sem canais institucionais para colocar os interesses dentro do sistema político, o protesto emerge como se fosse cogumelos que aparecem depois da chuva e logo depois desaparecem", analisa Moisés. "Voto de protesto" A eleição registrou um aumento no número de votos para legendas que se apresentavam como alternativa, como o Partido Verde e o PSOL, mas esse crescimento não foi suficiente para apresentar uma mudança real. "Há certa apresentação nas eleições de um voto de protesto, mas esse voto de protesto não foi suficiente para passar uma maioria ainda conservadora no Congresso Nacional", afirma o cientista político Rodrigo Stumpf González, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Apesar de terem perdido bancada, o PT e o PMDB foram as legendas que elegeram o maior número de deputados federais. O PT ocupará 70 cadeiras, seguido pelo PMDB, com 66, e pelo PSDB, com 54. No Senado, o PMDB ficou com o maior número de cadeiras (cinco), seguido pelo PSDB e o PDT (cada um com quatro). Dessa maneira, após a eleição, o PMDB permanece com a maior bancada no Senado, com 18 representantes, seguido por PT, com 12, e PSDB, com dez. "Se há um descontentamento da população com determinada postura política que vem desde a década de 1990, mas os partidos mais tradicionais são os que formaram as maiores bancadas, então, há um descompasso entre o que a população que foi às ruas gostaria e o que aconteceu no último domingo", afirma o historiador Virgílio Caixeta Arraes, da UNB. Nomes controversos Além da pouca renovação partidária, há também uma concentração de poder. Muitos parentes de nomes conhecidos na política nacional conseguiram vagas para o Congresso. Entre os deputados federais, 82 dos eleitos são herdeiros de políticos tradicionais. "Uma parte da população acredita que a experiência desses parlamentares pode trazer mais benefícios do que apostar em novos nomes", diz Arraes. "Num país burocratizado como o Brasil, de tamanho continental e onde boa parte da população não tem acesso à internet e à participação efetiva na vida política, os políticos que já tem mandado têm uma vantagem muito grande", completa o especialista da UNB. A eleição também foi marcada pela vitória de candidatos controversos. No Senado, o ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) conseguiu ser reeleito. Na Câmara, Celso Russomano (PRB-SP), cujo nome esteve envolvido em escândalos de corrupção, foi o deputado mais votado do país. Nomes com candidatura indeferida devido à Ficha Limpa, mas que tentam reverter a decisão por meio de recursos junto ao Supremo Tribunal Federal e por isso tiveram seu nome incluído nas urnas, também arrebataram votos. Paulo Maluf (PP-SP), por exemplo, ficou entre os dez mais votados de São Paulo. Entre os campeões de voto estão candidatos com posturas conservadoras e contra a concessão de direitos às minorias, como Marco Feliciano (PSC-SP), Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Luis Carlos Heinze (PP-RS). "As eleições demonstram que temos ainda uma população com um pensamento conservador e que votou candidatos que fazem um discurso muitas vezes não só conservador, mas contra o reconhecimento de direitos. Um exemplo disso é o deputado Bolsonaro, campeão de votos e defensor do regime militar", disse González.

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