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Feridas da guerra em Gaza podem não sarar, diz pesquisadora

15:10 | Set. 25, 2014
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Após última ofensiva israelense, especialista americana diz duvidar que enclave possa ser reerguido. Casas e fábricas foram devastadas, assim como a classe média, que sustentava a população mais pobre. "Desta vez, tudo é diferente." Talvez a Faixa de Gaza não possa ser reerguida, pois pode ser que as feridas da última guerra não sarem, afirma Sara Roy, do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Harvard. Após a recente operação israelense Margem de Proteção, não há esperança para os 1,8 milhão de habitantes da estreita zona costeira de que a situação melhore em breve, diz a pesquisadora americana. Por esse motivo, pela primeira vez na história recente, teve início um verdadeiro êxodo. Centenas de palestinos já fugiram da Faixa de Gaza, diz a especialista. Eles foram transportados através de túneis sob a fronteira com o Egito e, dali, levados de barco pelo Mar Mediterrâneo. "As pessoas estão fugindo das condições insuportáveis em Gaza", afirma Roy. Ainda na semana passada, um navio com 500 passageiros a bordo afundou na costa da ilha de Malta, e muitos deles eram palestinos da Faixa de Gaza. "Isso nunca havia acontecido antes", diz a pesquisadora. "Mesmo nos tempos mais difíceis, as pessoas não cogitavam abandonar a Faixa de Gaza." Agora, palestinos de todas as classes sociais e grupos políticos estão partindo. Mesmo membros do Hamas ou da Jihad Islâmica estão enviando seus filhos para o exterior, para lhes possibilitar algum futuro, relata Roy. Destruição da classe média A pesquisadora americana conhece a Faixa de Gaza como poucos estrangeiros. Há mais de 30 anos ela estuda a economia e a sociedade do enclave palestino. Roy já publicou diversos artigos e livros sobre o assunto, entre eles, uma obra de referência sobre a economia da Faixa de Gaza e um livro sobre o Hamas. A convite da Fundação Heinrich Böll, Roy foi a Berlim participar de um painel de discussão sobre a situação em Gaza. No entanto, seus interlocutores, Issam Younis, do Centro Mezan de Direitos Humanos, e a blogueira Asmaa al-Ghoul não conseguiram chegar à capital alemã. Eles não conseguiram deixar a Faixa de Gaza, já que o Egito fechou novamente as fronteiras. Roy esteve em Gaza em maio deste ano, poucas semanas antes do início da ofensiva militar israelense. Já naquela época, o desespero era palpável, relata. Depois de quase oito anos de bloqueio, a economia chegara ao fundo do poço, e a taxa de desemprego girava em torno de 40%. Entre os jovens, esse número chegava a mais de 60%, afirma Roy, acrescentando que a guerra piorou ainda mais a situação. Agora, de acordo com estimativas, a taxa de desemprego ultrapassa os 50%. Ao menos 175 fábricas teriam sido destruídas durante os combates, entre elas, empresas de médio porte, como a única produtora de asfalto de Gaza, o único moinho de farinha e uma fábrica de biscoitos. Com a destruição de suas firmas e residências, os empresários que davam trabalho a milhares de pessoas, garantindo assim a sobrevivência de outras dezenas de milhares, empobreceram e agora dependem de ajuda humanitária. "A classe média foi em grande parte destruída", diz Roy. E, segundo a pesquisadora, isso quebrou a espinha dorsal da economia da Faixa de Gaza. Roy diz ainda que a guerra eliminou diferenças de classes, porém, igualou as pessoas com base no menor denominador comum, o da pobreza. Depois da guerra, há muito poucas pessoas ricas em Gaza, e a estrutura social que garantia a sobrevivência econômica e social da população carente, não existe mais, afirma a especialista. Custo da reconstrução Segundo estimativas da Autoridade Palestina, a reconstrução de Gaza deverá custar 7,8 bilhões de dólares. Bairros inteiros têm de ser reerguidos. A infraestrutura, o abastecimento de água, a canalização de esgoto, usinas e redes elétricas têm de ser recuperadas. Entretanto, para Roy, essa estimativa é muito baixa. Ela chega a duvidar se um dia a Faixa de Gaza poderá ser reconstruída. "A pergunta é: o que deve ser reconstruído? Somente os danos de 2014 ou também os das operações militares dos anos 2000, 2003, 2005, 2006 e assim por diante?" Até hoje, os resquícios da Operação Chumbo Fundido, realizada na virada do ano de 2008/2009, ainda não foram eliminados, afirma a pesquisadora. Ela diz que a destruição da última guerra atingiu uma Faixa de Gaza já completamente enfraquecida, com uma população física e economicamente debilitada. Na opinião de Roy, não é possível, de forma alguma, que Israel continue a destruir a infraestrutura em ofensivas regulares, e, depois, a comunidade internacional reconstrua a Faixa de Gaza. O governo alemão também tem responsabilidade. "A Alemanha e a União Europeia devem se questionar: 'queremos continuar a ser parte do problema e um dos motivos por que essa região continua a afundar? Ou queremos começar a ser parte da solução?'." Para Roy, a comunidade internacional deve pressionar por uma solução política do conflito no Oriente Médio. Isso inclui a suspensão do bloqueio, porque somente quando pessoas e mercadorias puderem circular livremente, a Faixa de Gaza terá uma chance de se recuperar. "Os palestinos se tornaram um problema humanitário", considera a pesquisadora. A maioria da população depende de ajuda alimentar e esmolas. Cerca de 450 mil pessoas não têm acesso à água potável. Ao menos 370 mil crianças foram severamente traumatizadas. Entretanto, enquanto a questão da Faixa de Gaza não for resolvida politicamente, tais problemas não podem ser resolvidos com novas injeções financeiras, com conferências de doadores ou com ajuda à reconstrução. "As pessoas na Faixa de Gaza não precisam de ajuda humanitária, elas precisam de liberdade", conclui Roy.

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