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Surto de ebola pode ajudar no desenvolvimento de novas drogas

12:33 | Ago. 06, 2014
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Empresa diz ter desenvolvido "soro secreto" que ajudou na recuperação de americano infectado por vírus. Enquanto isso, pesquisadores buscam drogas e vacinas eficazes, mas sofrem com falta de financiamento. O momento parece ser oportuno para as empresas de biotecnologia que trabalham no desenvolvimento de drogas e vacinas contra o ebola. Boa parte das pesquisas recentes sobre o vírus tem sido prejudicada pela falta de financiamento. Agora, porém, a recente epidemia no oeste da África pode ser a oportunidade de empresas farmacêuticas buscarem uma maior visibilidade para seus projetos, já que o ebola permanece sem cura. A empresa Mapp Biopharmaceutical, de San Diego, nos EUA, afirma ter criado o "soro secreto" que teria, supostamente, curado o médico americano Kent Brantly e ajudado na recuperação da missionária Nancy Writebol. Ambos foram tratados na Libéria onde foram infectados antes de serem transferidos para o Hospital Universitário Emory, em Atlanta. A droga consumida pelos americanos teria sido a ZMapp, que ainda não passou por testes em humanos. De acordo com um comunicado divulgado no website da empresa, a "ZMapp é composta de três anticorpos monoclonais "humanizados" produzidos em plantas" mais especificamente em plantas do gênero Nicotiana. A Zmapp foi identificada como uma candidata à droga em janeiro deste ano, diz o comunicado. Em março de 2014, a Mapp Biopharmaceutical foi uma das farmacêuticas que recebeu milhões de dólares em subsídios dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA para aprofundar as pesquisas sobre o ebola. Outras empresas, porém, sofrem com a falta de financiamento. Há muitos pesquisadores trabalhando em projetos envolvendo potenciais drogas e vacinas contra o ebola que lutam para conseguir fazer testes em humanos. Entre eles estão pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e do Centro de Pesquisas New Iberia, nos EUA, que já testaram, com sucesso, uma vacina contra o ebola em chimpanzés mantidos em cativeiro. "É segura e imunogênica", afirmaram os pesquisadores na revista científica PNAS. Em outras palavras, a vacina induz respostas imunológicas que protegem os primatas do vírus do ebola. "Se alguém me desse dinheiro e eu conseguisse a permissão das pessoas na área, eu poderia vacinar chimpanzés e gorilas selvagens amanhã", diz Peter Walsh, pesquisador e principal autor do artigo publicado na PNAS. Walsh também é presidente da ONG Apes Incorporated, que luta pela preservação de espécies de macacos na África. Assim como nos humanos, o ebola também é fatal para os macacos. Portanto, além da ameaça da caça e da perda de habitat natural, o vírus representa mais um perigo para os gorilas e chimpanzés ameaçados de extinção na África. Macacos e gorilas A vacina é composta por uma proteína de revestimento que envolve o vírus do ebola. Não se trata de um vírus funcional, e, portanto, ele não pode causar infecção. "Nós sabíamos que era seguro antes mesmo de usarmos", disse Walsh. "A necessidade de passar por uma fase de testes de vacina era só para mostrar às pessoas que têm medo de vacinação." A desvantagem da vacina é que a proteína do vírus não se replicar no organismo assim como o vírus vivo. Desse modo, seriam necessárias várias doses até que um chimpanzé conseguisse adquirir proteção suficiente o que complica o processo de vacinação na vida selvagem. Walsh espera que a vacina também funcione em gorilas, mas a substância ainda precisa ser testada. "Eu protegi macacos contra a infecção do ebola. A reação imune dos chimpanzés foi bastante semelhante à que os macacos tiveram. Então, meu palpite é que não causaria nenhum problema de saúde para os gorilas, que teriam também uma resposta parecida." Potencial aplicação em humanos Walsh acredita que a vacina também poderia funcionar em pessoas. Para aplicá-la, no entanto, é preciso ter uma licença. Para consegui-la, é preciso ter feito extensos testes clínicos em humanos, que podem ser bastante caros. Com frequência, as grandes empresas farmacêuticas financiam os testes clínicos, o que pode ser um problema. "Nenhuma empresa farmacêutica vai lucrar ao desenvolver uma vacina contra o ebola, que afeta principalmente moradores de vilarejos africanos", diz Walsh. Segundo o pesquisador, muitas das vacinas contra o ebola em desenvolvimento funcionam bem em macacos, mas nenhuma delas vem sendo testada em humanos. "Se esta fosse uma doença em países desenvolvidos, haveria um mercado comercial para o produto, e uma dessas vacinas já estaria licenciada e à disposição do consumidor, sem dúvida. O dinheiro estaria lá." De acordo com o banco de dados Pharmprojects, nenhuma empresa farmacêutica está atualmente trabalhando em testes clínicos de vacina contra o ebola. No entanto, o órgão mostra que diversas empresas nos EUA e na Europa estão desenvolvendo projetos de vacina contra o vírus todos em fase pré-clínica, que costuma envolver menos custos. "O governo dos EUA pagará pela pesquisa de vacinas, especialmente naquelas contra ameaças terroristas e o ebola é uma ameaça de bioterrorismo", afirma Walsh. O governo, porém, não financiará testes clínicos por causa dos custos altos, aponta. Falta de licença Há, no entanto, pelo menos uma vacina que poderia ser usada em humanos. Oficialmente, ela foi testada apenas em macacos, mas já provou ser eficaz em humanos. Em 2009, uma pesquisadora do Instituto Bernhard Nocht, em Hamburgo, acidentalmente se picou com uma seringa infectada por ebola. Ela foi tratada com uma vacina americana com uma substância não licenciada que havia sido testada apenas em macacos. A vacina consistia num vírus enfraquecido de estomatite vesicular que infecta bois, cavalos e porcos. A substância foi geneticamente modificada para conter uma porção da proteína do vírus ebola. Após o tratamento, a pesquisadora se recuperou. O fim de testes com chimpanzés? Há também outro fator que pode ajudar no desenvolvimento de vacinas contra o ebola no futuro. "Até onde sabemos, nosso estudo foi o primeiro teste de vacinas feito em chimpanzés em cativeiro", escreveram os cientistas na PNAS. "Pode ter sido o último." Os EUA são o único país que permite testes biomédicos em chimpanzés em cativeiro. No restante do mundo, a prática é proibida. A legislação americana, entretanto, caminha atualmente para o fim desse tipo de pesquisa, o que significa que testes nesses tipos de primata podem se tornar ilegais também no país. Para Walsh, isso seria um grande erro, não apenas para pacientes humanos que precisam de drogas e vacinas, mas também para a preservação dos animais. "Você tenta fazer algo bom para os chimpanzés em cativeiro, mas, com isso, acaba fazendo algo muito ruim para os chimpanzés selvagens." Entretanto, segundo Walsh, autoridades florestais jamais permitiriam o uso de uma substância em animais selvagens protegidos que não tivesse sido testada previamente em cativeiro. O pesquisador ainda espera arrecadar o dinheiro necessário para vacinar os gorilas e chimpanzés africanos contra o ebola. É provável que ele consiga, muito antes de testes clínicos com a mesma vacina serem realizados em humanos.

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