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Medidas contra ebola levam isolamento e pânico a países africanos

15:28 | Ago. 19, 2014
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Pressionados, governos tomam série de decisões drásticas, como proibição de voos com regiões atingidas e fechamento de fronteiras. Medidas aumentam tensão da população e, segundo especialistas, têm pouco efeito prático. Ao infectar cerca de 2.200 pessoas e levar à morte de mais de 1.200 delas, a epidemia de ebola instalou o pânico na população e vem deixando as autoridades de vários países africanos atordoadas. A fim de evitar a disseminação do vírus, alguns já começam a se isolar. A companhia aérea queniana Kenya Airways cancelou seus voos para Libéria e Serra Leoa a partir desta terça-feira, mesmo dia em que Camarões fechou sua fronteira com a Nigéria. A Costa do Marfim proibiu que navios vindos dos países atingidos pela epidemia cruzem suas águas. E a Nigéria estipulou que apenas passageiros apresentando temperaturas corpóreas normais, ou seja, sem febre, estão autorizadas a embarcar em voos no país. "A restrição imposta ao tráfego aéreo revela a impotência das autoridades locais em conter o avanço da doença", avalia Dieter Häussinger, diretor do Instituto Hirsch de Medicina Tropical, em Düsseldorf. Ele avalia que a verificação da temperatura do corpo dos passageiros é questionável, pois o método não diferencia alguém infectado pelo ebola de alguém que tem apenas uma simples gripe. "O que acontece com pacientes febris que não têm ebola? Também precisam ficar de quarentena?" Sem efeito prático Thomas Jelinek, diretor do Centro para Viagem e Medicina Tropical de Berlim, acredita que as medidas anunciadas pela Nigéria são apenas paliativas. Há 12 anos, diante da pandemia de Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave), houve um controle parecido, lembra Jelinek, mas os resultados foram poucos. "Não podemos nos enganar achando que por meio dessas medidas realmente alcançaremos um grande nível de segurança", alerta o especialista. Até agora, quatro pessoas morreram de ebola na Nigéria. Todos os casos estão ligados ao liberiano que desembarcou doente em Lagos no fim de julho e morreu pouco depois, durante a quarentena. Desde então, a verificação de temperatura de passageiros está sendo feita também em voos domésticos. A maior parte dos viajantes, porém, cruza o país de ônibus. Devido à grande quantidade de passageiros e a pouca infraestrutura, o controle nas estradas acaba sendo precário. "A atenção está toda voltada para os voos. Mal se percebe o que acontece nos ônibus", critica Jelinek. "O governo precisa tomar medidas, sejam elas quais forem, e essas medidas têm que ser visíveis." Quênia teme isolamento O Quênia parece agora estar adotando uma estratégia parecida: suspender voos para Libéria e Serra Leoa e não permitir a entrada no país de pessoas vindas de áreas atingidas pelo vírus letal. Jelinek interpreta essas medidas preventivas como uma tentativa de não deixar o país isolado diante de uma eventual entrada da doença. Há poucos dias, a OMS afirmou que o Quênia apresenta alto risco de ser atingido pela epidemia. O aeroporto da capital Nairóbi é um dos mais importantes pontos de conexão de voos com destino a distintos países do continente africano. A partir desta quarta-feira (20/08) a companhia aérea sul-coreana Krean Air vai cancelar seus voos para o Quênia embora ainda não haja casos confirmados de ebola no país. "No momento existe uma reação exagerada em âmbito internacional que o perigo real do vírus não justifica", avalia Jelinek. Outras doenças, como a tuberculose, têm o risco de contágio muito maior, uma vez que o vírus não é transmitido apenas por fluidos corporais, mas também pelo ar. E, enquanto o número de infectados pelo ebola ainda está na casa dos mil, a tuberculose afeta milhões de pessoas, causando inúmeras mortes. Desconfiança da população As medidas de isolamento adotadas pelos governos africanos só devem deixar a população ainda mais apreensiva, acredita Häussinger. O importante agora, diz ele, é esclarecer a situação às pessoas, para que elas possam cooperar com as equipes que estão atuando nas áreas afetadas. Mas em muitos lugares isso praticamente não é possível, afirma Jelinek. A desconfiança com a medicina ocidental é grande. Em muitos locais reina o mito de que as "supostas" equipes de ajuda são, na verdade, responsáveis por terem levado o vírus para a África Ocidental. Em Moróvia, capital da Libéria, um grupo invadiu uma área isolada de um hospital na noite de sábado e liberou pacientes que estavam na quarentena. "Não há ebola na Nigéria", gritavam os manifestantes. Segundo eles, os relatórios sobre a epidemia estavam sendo usados pela presidente Ellen Johnson Sirleaf apenas para obter ajuda internacional. É preciso esfriar um pouco a situação, opina Jelinek: "E isso também inclui evitar, desde o início, a aplicação de medidas de controle sem sentido, como a aferição de temperaturas corporais em aeroportos."

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