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Entre medo e esperança, palestinos tentam reconstruir vida durante trégua

16:38 | Ago. 06, 2014
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Tipo Notícia
Com cessar-fogo, moradores de Gaza se arriscam a voltar ao lugar onde viveram em busca de pertences. Maioria encontra apenas destruição e, em hospitais e abrigos, vítimas que levarão para sempre marcas da guerra. Com o cessar-fogo na Faixa de Gaza, iniciado na terça-feira (06/08), muitos palestinos decidiram se arriscar e retornar às suas casas. Vasculhando pilhas de destroços, eles tentam encontrar resquícios da vida que um dia levaram. Objetos de casa, colchão, alguns cobertores e uns poucos brinquedos quase nada restou que ainda possa ser utilizado. Em meio aos escombros, Aische recolhe algumas panelas e uma bacia de plástico que, como por milagre, resistiram aos bombardeios. Na parede da cozinha totalmente destruída está fincado um foguete israelense de cerca de um metro, que não chegou a explodir. "Era uma manhã de domingo quando a região foi bombardeada e toda a casa estremeceu", conta Aische. A família fugiu, inicialmente, para o hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza, e de lá para a escola da agência da ONU de assistência a refugiados palestinos (UNRWA). "Graças a Deus minha família sobreviveu. Mas meu tio e dois primos ainda estão soterrados sob os escombros", recorda. Não sobrou muita coisa depois da bomba jogada por Israel sobre o bairro de Shujaiyyah, em Gaza. Ruas inteiras viraram ruínas. Pedaços de concreto, vigas de ferro retorcido e pedras se amontoam. O cheiro de decomposição espalhou-se por todos os lugares muitos corpos ainda se encontram debaixo dos escombros. Não é mais possível viver ali. A maioria dos moradores do bairro encontrou refúgio nas escolas da ONU mais a oeste da Faixa de Gaza. Sono em turnos Os refugiados já vivem há três semanas na escola, em um espaço extremamente apertado, sem saber quando poderão deixar o local. Eles não têm mais casa. Pequenos aposentos foram separados por cobertores pendurados, para que as famílias possam ter um pouco de privacidade, inclusive para dormir. Raida, moradora de Shujaiyyah, conta que não há espaço suficiente para as famílias maiores. "Aqui vivem 15 pessoas, neste cantinho apertado. Dormimos em turnos. Metade da família dorme à noite e a outra metade, de dia", conta. O tempo ela passa alimentando esperanças. "Nós ouvimos as notícias e esperamos para ver o que vai acontecer", relata Raida, ao lado da irmã e da prima, três belas jovens que tomam conta dos irmãos menores e dos próprios filhos. "Pela manhã, a escola nos traz água. Então tomamos banho e lavamos as roupas. Não há muito o que fazer aqui", afirmam elas. As crianças correm, alegres, pelo pátio da escola. Em uma barraca próxima, um ambulante vende limonada em copos pequenos. No canto do pátio ficam três grandes pias de metal e várias torneiras é ali que os refugiados podem pegar água. Ali perto estão os poucos vasos sanitários, e as longas filas para usá-los. Cerca de 3 mil pessoas vivem na escola. Mil já foram embora. Algumas delas foram em busca de um novo lar. Outras tentam reconstruir a antiga residência. Órfãos sobreviventes Com o fim das batalhas, as coisas ficaram mais calmas no hospital Al-Shifa. A maioria dos pacientes que deu entrada nas últimas semanas não está mais ali: ou porque morreu, ou porque foi transferido para outras unidades. Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) estão três pacientes graves uma menina e dois meninos com diversas fraturas pelo corpo e ferimentos internos causados pelas explosões. A menina de apenas cinco anos apresenta uma séria lesão cerebral. Toda a família dela morreu ela é a única sobrevivente. Ela mexe as pernas de maneira inquietante, abre os olhos e em seguida, os fecha. Os médicos não sabem ainda se ela ficará com sequelas permanentes. O médico Ghassan Abu Sitta veio de Beirute ajudar nos trabalhos no Al-Shifa. Cirurgião plástico, Sitta é especialista em ferimentos de guerra. Ele já havia estado no hospital antes, durante a última guerra em Gaza, entre 2008 e 2009, quando ajudou vítimas das granadas de fósforo branco jogadas por Israel à época. Naquela guerra também foram usados largamente explosivos de metal denso (Dime), que costumam provocar amputações. "Desde que cheguei aqui, há cerca de dez dias, realizei entre cinco e seis operações por dia", conta Sitta. Cerca de 80% de seus pacientes ficarão com algum tipo de deficiência ou sofrerão de alguma deformidade para o resto de suas vidas. "São crianças, meninos, meninas, pessoas amputadas ou com profundas queimaduras. Atendi um menininho de oito anos que perdeu os dois olhos e metade do rosto", relata. Sitta, que é palestino e pai de três filhos, diz que a guerra deixou muitas crianças entre mortos e feridos. Ele se mostra ainda mais comovido com o caso daquelas que acabaram sendo único sobrevivente da família: "O que vai ser de uma criança de oito anos que perdeu a visão e ficou órfã? Quem vai cuidar delas?"

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