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Negócios dão a tônica da visita de presidente chinês ao Brasil

10:43 | Jul. 15, 2014
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Xi Jinping participa da sexta cúpula do Brics em Fortaleza, antes de fazer um giro latino-americano. Líder quer estreitar relações econômicas com Brasil com a assinatura de uma série de acordos comerciais. Não passou despercebida a ausência do presidente chinês, Xi Jinping, na final da Copa do Mundo no domingo, apesar do convite da presidente Dilma Rousseff a todos os participantes da 6ª Cúpula do Brics, que se realiza desde a segunda-feira (14/07) em Fortaleza. O jogo proporcionou um pouco de diversão às vésperas de quatro dias de intensas negociações entre os líderes das cinco maiores economias emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Para Xi, que também embarca numa série de visitas de Estado a países latino-americanos, incluindo o Brasil, a Argentina, Venezuela e Cuba, a viagem oferece uma oportunidade única para fortalecer os laços econômicos com essa região rica em recursos. E é fácil ver por que: em 2013, só o comércio entre o Brasil e a China correspondeu a 83,3 bilhões de dólares. A China é o principal parceiro comercial do Brasil, tanto em termos de importações como de exportações. No ano passado, 41,2% de todas as exportações brasileiras foram para a China, enquanto 34,2% dos bens importados pelo Brasil partiram da China. Desequilíbrio incomoda brasileiros À primeira vista, pode-se pensar que o Brasil é quem está se beneficiando do crescimento da China, mais do que o contrário. Contudo os percentuais enganam, pois, nessa relação desigual, quem lucra é a China. João Castro Neves, diretor para a América Latina do Eurasia Group, explica que parte do desequilíbrio se deve ao fato de o Brasil vender matérias-primas para a China, como minério de ferro, petróleo e soja, em troca de produtos "made in China" que, por sua vez, estimulam a criação de postos de trabalho na República Popular. "O Brasil exporta bens primários, e a China exporta produtos manufaturados. Então, essa é uma típica relação norte-sul, que é muito assimétrica." Tal desequilíbrio incomoda os industriais brasileiros, e suscita na imprensa do país numerosas críticas de que a China "matou a competitividade brasileira". Ao longo dos últimos dez anos, os laços entre as duas nações floresceram, enquanto a economia do Brasil decolava e Pequim se tornava seu maior parceiro comercial. Alguns anos atrás, as revistas econômicas passaram a elogiar o modelo econômico chinês como o caminho que o maior país da América Latina deveria tomar. Otimismo deu lugar a realismo Mas Neves aponta que esse otimismo excessivo deu lugar ao realismo, quando o motor de crescimento da China começou a arrefecer, devido à desaceleração econômica global que se seguiu à crise financeira de 2008. Por sua vez, o crescimento do Brasil diminuiu substancialmente nos últimos dois a três anos. "Os brasileiros estão começando a olhar para a China através de uma lente mais realista e pragmática. Ela é um parceiro importante, é claro, mas o Brasil não pode colocar todos os seus ovos na cesta da China", argumenta Neves, acrescentando que Brasília não pode se envolver com Pequim em detrimento dos laços com a Europa e os Estados Unidos. O chefe de Estado chinês está interessado em aprofundar a relação bilateral durante sua viagem ao Brasil, assinando uma série de acordos comerciais. Na última quinta-feira, o ministro brasileiro da Indústria, Fernando da Mata Pimentel, anunciou que a China compraria aviões da multinacional brasileira Embraer, terceira maior fabricante de aviões do mundo. O acordo, no entanto, não é livre de controvérsia. A Embraer tem feito negócios na China há tempos, mas ainda sem ver o retorno de seu investimento. "Quando a Embraer foi para a China, vários anos atrás, ela achava que iria fazer dinheiro imediatamente. Mas ao longo dos anos, não ganhou muito. Na verdade, correm boatos de que alguns dos aviões que a empresa brasileira fabrica na China teriam sido copiados por uma companhia chinesa." Mesmo agora, as expectativas parecem ser exageradas. Fontes do governo afirmam que apenas cerca de 25 aeronaves serão exportadas, em vez das 60 anunciadas inicialmente. Mas Neves também destaca que há outras empresas brasileiras na China, pequenas e médias, que não geram tantas manchetes. "Acho que esse diálogo intergovernamental é parte de uma estratégia coerente do governo brasileiro para apoiar essas empresas na China, e que vê o país não só como um mercado importante, mas também como plataforma para se posicionar em outros mercados asiáticos." Infraestrutura necessita de investimentos Ao mesmo tempo, o Brasil também está ansioso para atrair investimentos chineses, em particular para sua rede ferroviária pouco desenvolvida. O quinto maior país do mundo tem cerca de 27.882 quilômetros de ferrovias número pálido diante dos 224.792 quilômetros dos EUA ou com os 103.144 quilômetros da China. Trata-se de um mercado repleto de possibilidades e "isso é algo de que os chineses parecem estar bastante cientes", diz Xie Wenze, economista e especialista em América Latina da Academia Chinesa de Ciências Sociais. "A América Latina precisa de investimentos para o seu desenvolvimento, e a China sempre necessita de muitos recursos, por isso as visitas ao Brasil, Argentina e Venezuela." "A China agora quer uma mudança estrutural na relação, já que sua demanda por matérias-primas, como o minério de ferro do Brasil, poderia se reduzir", acrescenta o especialista. "O comércio, por si, só não vai fazer a relação progredir. Por isso, agora os chineses também vão aumentar o investimento e a cooperação financeira. E essa será uma das ênfases desta viagem." Embora a viagem de Xi seja, inegavelmente, uma grande oportunidade para os empresários chineses, há alertas do lado brasileiro. "Um grande volume de investimentos chineses na infraestrutura brasileira pode ameaçar a segurança nacional", argumenta Adriano Pires, professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele apela ao governo brasileiro para que crie um regime transparente para regular os investimentos estrangeiros. Interesses coletivos Embora se conte que as questões políticas desempenharão um papel secundário nesta visita, elas não são irrelevantes. E é aqui que a China parece precisar um pouco mais do Brasil. "O Brics é uma forma de ajudar a China a legitimar sua política externa, uma vez que a cúpula ajuda a atenuar as preocupações quanto ao avanço chinês no mundo", diz Neves. Xie Wenze ressalta que "a China não tem quaisquer conflitos de interesses com a maioria dos países latino-americanos, o que também é uma vantagem". Perante esse cenário, o Brasil pode ser o parceiro mais importante, já que é o país mais democrático do grupo. Mas Neves considera a relação difícil, já que, ao que tudo indica, os países do Brics só concordam quanto aquilo que não querem: instituições financeiras em que as potências ocidentais tenham mais influência do que eles como o FMI e o Banco Mundial. No entanto, quando se trata da reforma do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia e a China estão felizes em estarem lá sozinhas. Por esse motivo, o foco é quase sempre nas relações comerciais, completa Xie Wenze. "Há três pilares sobre os quais basear o fortalecimento das relações: comércio, investimento e finanças", e a base da cooperação entre a China e América Latina é o "desenvolvimento sustentável, integrando os interesses de todas as nações e acentuando a importância internacional da China". Por isso, frisa Neves, "as autoridades brasileiras ainda veem sua relação com a China como uma possibilidade de adicionar um elemento potencial de poder econômico frente aos dois parceiros já existentes, os Estados Unidos e a Europa".

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