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Japão muda Constituição pacifista para ampliar ação militar no exterior

09:33 | Jul. 02, 2014
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Governo aprova reinterpretação que permite envio de tropas para auxiliar forças armadas de nações aliadas em caso de incidente militar. Oposição popular à mudança é forte. Manifestações contra os planos do governo de modificar a Constituição e ampliar a atuação militar do país no cenário internacional abalaram o Japão conhecido pela morosidade de sua população para se engajar em protestos. Na noite desta segunda-feira (30/07), mais de 10 mil pessoas se reuniram perto do gabinete do primeiro-ministro Shinzo Abe, em Tóquio, entoando slogans como "ouça a voz do povo" e "não destrua a Constituição". Estima-se que duas mil pessoas ainda estavam lá na manhã seguinte. O protesto teve o apoio de sindicatos trabalhistas, grupos de direitos humanos e organizações civis. As manifestações foram pacíficas, mas os japoneses ficaram chocados com as imagens de um homem, vestido de terno, que subiu numa ponte próxima à estação Shinjuku, no último domingo, falando à multidão com um megafone. Ele fazia críticas aos planos do governo de transformar radicalmente a política de segurança do país. De repente, derramou duas garrafas cheias de gasolina sobre si mesmo e ateou fogo a suas roupas, indo parar no hospital em estado grave. Entretanto, nenhum desses incidentes conseguiu dissuadir o governo. Os partidos da coalizão governista concordaram nesta terça-feira que os termos da Constituição serão reinterpretados para permitir que tropas japonesas protejam e prestem assistência às forças armadas de nações aliadas, em caso de incidente militar, além de permitir que Tóquio envie soldados a zonas de combate para ajudar em operações militares. De acordo com a nova interpretação, o Japão poderá exercer o chamado direito de autodefesa coletiva se "a existência do país estiver ameaçada e existir um perigo claro de que os direitos do povo à vida, à liberdade e à busca de felicidade se vejam anulados". Falta ainda a aprovação do Parlamento. Impacto limitado dos protestos O primeiro-ministro afirmou que é a favor de um papel mais ativo do Japão nas operações de paz internacionais, assim como em zonas de conflito. Segundo Abe, essa postura é compatível com o poderio econômico do país. No entanto, a oposição à mudança é forte. Uma pesquisa recente do jornal Mainichi aponta que 58% da população é contra o levantamento das restrições constitucionais ao direito de autodefesa coletiva. Além disso, 71% dos entrevistados afirmaram temer que o Japão se envolva num conflito armado após a aprovação das mudanças. "As pessoas que passaram pela Segunda Guerra são as que se opõem com mais veemência a essa mudança. Abe não vivenciou o conflito, mas é quem está tomando essa decisão", observa Chie Matsumoto, ativista de um sindicato trabalhista. "Ouço alguns jovens dizendo que o Japão precisa estar apto a se defender melhor das ameaças, como as da China e da Coreia do Norte. Mas esse é um passo perigoso, veja o que aconteceu da última vez em que o Japão enviou tropas para o exterior", alerta. As últimas forças japonesas que se envolveram em conflitos na Ásia entregaram as armas em 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial, que custou milhões de vidas e devastou grande parte da região. Um dos mais ferrenhos defensores da Constituição de teor pacifista introduzida após a Segunda Guerra e na qual o Japão se compromete a jamais se envolver em conflitos armados é o partido político New Komeito. A agremiação atraiu a maioria de seus membros de grupos budistas e é aliada ao partido do governo, o Partido Liberal Democrático (PLD). Entretanto até o New Komeito rendeu-se à pressão dos parceiros no governo para aceitar as mudanças na Constituição. "Eles eram a nossa última esperança para deter Abe e seu gabinete", diz Matsumoto. "Mas cederam ao PLD, e seus apoiadores devem estar se sentindo traídos." Enquanto o partido insiste, em nível nacional, que incluiu algumas cláusulas no acordo final com o PLD que visam proteger a Constituição, nenhuma de suas sedes regionais endossou as mudanças. Algumas exigem até mesmo a saída do New Komeito da coalizão governista. Vizinhos em alerta Os países vizinhos do Japão, que nas primeiras décadas do século 20 foram vítimas dos excessos do Exército Imperial Japonês, também demonstraram preocupação. Na Coreia do Sul, protestos foram realizados em frente à embaixada japonesa. O governo da China apelou aos japoneses para permanecerem no "caminho do desenvolvimento pacífico" e evitar pôr em risco a paz e a estabilidade regionais. Os manifestantes afirmam que o Japão almeja reviver seu passado militarista, e reclamar a Península da Coreia como sua colônia. Declarações semelhantes foram feitas na imprensa estatal da Coreia do Norte e da China. Já os Estados Unidos expressaram apoio à iniciativa de Abe. "O Japão tem [...] todo o direito de se equipar da forma que achar necessário", afirmou nesta segunda-feira Jen Psaki, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA. "Nós os encorajamos a fazê-lo de modo transparente, e estaremos em contato com eles sobre essas questões importantes." Apesar dos protestos no Japão, os analistas não acreditam que a oposição interna será suficiente para deter a iniciativa do governo, que goza, de modo geral, de grande apoio nas pesquisas de opinião pública, e tem tido êxito ao revigorar a economia do país. "Obviamente, parece haver uma oposição significativa, mas não como a de 1960, quando o tratado de segurança entre o Japão e os Estados Unidos foi renovado", aponta Jun Okumura, do Instituto Meiji para Assuntos Globais. "Naquela época, as lembranças da guerra ainda estavam bastante vivas na memória da população; grande parte dos japoneses havia atravessado aquele conflito e havia uma aversão enraizada à ideia de que o Japão pudesse novamente se envolver em qualquer tipo de atividade militar", lembra o especialista. "Eu diria que o ódio da população vai se apagar rapidamente e não deixará uma impressão duradoura no governo apesar de que Abe deve estar ciente de que um incidente negativo envolvendo tropas japonesas poderá deixar o país em águas turbulentas", alerta Okumura.

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