Disputa sobre resultado de eleições presidenciais ameaça estabilidade no Afeganistão
Ex-chanceler Abdullah rejeita contagem preliminar do segundo turno e se declara vencedor sobre Ashraf Ghani. Washington expressa preocupação. Segundo observadores, discórdia pode levar até a um golpe de Estado.
O ex-ministro afegão do Exterior Abdullah Abdullah declarou-se nesta terça-feira (08/07) vencedor do segundo turno das eleições presidenciais, embora a contagem preliminar dos votos indique exatamente o contrário, conferindo clara vitória ao candidato Ashraf Ghani. Abdullah rejeitou as apurações como "resultado de fraude eleitoral".
Em Cabul, diante de milhares de adeptos reunidos, comentou: "Estamos orgulhosos, nós respeitamos o voto do povo, nós vencemos." Os seguidores de Abullah exigem a formação de um governo paralelo, porém ele os aconselhou a ainda esperar alguns dias, até que tenha conversado com representantes da comunidade internacional.
Diante da disputa em torno do resultado eleitoral, o secretário de Estado americano, John Kerry, advertiu sobre o perigo de uma tomada de poder ilícita. "Com grande preocupação, tomei conhecimento de protestos no Afeganistão e insinuações sobre um governo paralelo", declarou através de comunicado divulgado pela embaixada americana em Cabul.
Segundo os resultados parciais do escrutínio realizado em meados de junho, cerca de 56% dos eleitores afegãos votaram em Ghani, enquanto Abdullah ficou com os 44% restantes. No primeiro turno, em 5 de abril, Abdullah ficara na frente. Ambos os candidatos prometeram combater a corrupção, melhorar a educação e impulsionar a economia.
No segundo turno, a participação eleitoral subiu de 6,5 milhões para 8,1 milhões de eleitores, afirmou Yusuf Nuristani, chefe da comissão eleitoral independente em Cabul. Contudo, ele enfatiza tratar-se de apurações preliminares: "Os resultados estão sujeitos a alterações, o novo presidente ainda não está definido."
Acusações de fraude
Desde que as urnas fecharam em meados de junho e teve início a contagem dos votos, Abdullah tem feito acusações de fraude. Além disso, divulgou gravações de telefonemas supostamente interceptados entre a equipe de campanha do adversário Ashraf Ghani e membros da comissão eleitoral, as quais provariam conivência.
Nesta segunda-feira, Abdullah já declarara não aceitar o resultado eleitoral. Por sua vez, Ashraf Ghani falou de uma eleição justa, apelando para que o cronograma seja respeitado. Na esteira das alegações de fraude, o anúncio dos primeiros resultados eleitorais foi adiado repetidas vezes, de 2 para 7 de julho.
Na própria segunda-feira, a divulgação também foi adiada, da manhã para a noite. Antes, ainda houvera negociações entre os dois candidatos à presidência, ficando acordado que, após o anúncio dos resultados preliminares, serão recontados os votos de 7 mil locais de votação.
Processo eleitoral bloqueado
No final de junho, a comissão eleitoral anunciara a intenção de verificar 2 mil dos 23 mil locais de votação. No entanto, os observadores eleitorais da União Europeia estão céticos quanto à revisão das apurações. "Em nossa avaliação, essa revisão está sendo feita rápido demais", criticou Thijs Berman, chefe da equipe da UE no Afeganistão, em entrevista à Deutsche Welle.
"Os auditores não estão examinando cada urna com o rigor necessário. a coisa transcorre de forma muito superficial, segundo relatam nossos observadores em Cabul. Estou preocupado com o que está acontecendo nas províncias onde não temos nenhum observador", observou Berman. Tanto a comissão eleitoral quanto a comissão de apelação afegãs rechaçam, contudo, qualquer ingerência no processo eleitoral.
Abdul Sattar Sadat, presidente da comissão de apelação, declarou em coletiva de imprensa no último domingo que as duas comissões teriam a situação sob controle. "A eleição agora já passou e está claro que houve fraude. Ambos as comissões devem agora separar os votos válidos dos adulterados, mas não deve haver nenhuma ingerência."
E, no entanto, de início o processo eleitoral transcorrer bem. Apesar de fortes ameaças por parte dos talibãs, cerca de 6,5 milhões de eleitores participaram de um primeiro turno relativamente bem-sucedido. Isso fez com que muitos afegãos esperassem um resultado pacífico e democrático, também no segundo turno.
Segundo Kate Clark, do think tank independente Afghanistan Analysts Network, é importante que o processo eleitoral chegue ao fim em 2 de agosto, conforme planejado. Ela explica que o Afeganistão está diante de problemas graves que não podem ser adiados: por exemplo, a guerra na província de Helmand, no sul do país, a estagnação econômica, a retirada das tropas internacionais e também o acordo de segurança ainda não assinado com os EUA. "Ao mesmo tempo também é importante que haja um consenso, pois sua ausência seria fatal para ambos os candidatos."
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