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Casos de violência revelam vulnerabilidade das mulheres na Índia

14:31 | Mai. 30, 2014
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Apesar dos avanços sociais e econômicos alcançados pelo país nos últimos anos, cultura de repressão e desvalorização da mulher ainda persiste. Segundo especialistas, impunidade contribui para repetição de crimes. A polícia da Índia anunciou nesta sexta-feira (30/05) a prisão de três homens acusados de terem espancado a mãe de uma das meninas violentadas e mortas no estado de Uttar Pradesh, norte do país. Segundo os investigadores, a mulher foi atacada por ter se recusado a retirar a queixa contra um dos suspeitos pelo estupro de sua filha e de uma prima. As meninas tinham 14 e 16 anos, e seus corpos foram encontrados pendurados em uma árvore na última quarta-feira. A polícia prendeu o pai, o irmão e o primo do suspeito de 18 anos, que já se encontrava detido. Eles seguiram a mulher quando ela saía de casa, na cidade de Etawah, em Uttar Pradesh, e a atacaram brutalmente. Ela se encontra em estado crítico em um hospital, com dezenas de fraturas e feridas internas. A situação despertou a indignação entre a população da vila de Katra, onde as primas adolescentes foram mortas. Após a descoberta dos corpos, moradores bloquearam ruas e ameaçaram autoridades as quais eles acusam terem demorado demais para ir atrás do paradeiro das meninas. O caso reflete o complicado papel exercido pela mulher na sociedade indiana. "A mulher sempre foi considerada propriedade do homem. Só o homem é tido como uma criatura racional. Mulheres são tidas como irracionais", explica a pesquisadora Renate Syed, especialista em cultura indiana da Universidade Ludwig-Maximilian, de Munique. "Nós ainda encontramos na Índia mulheres proibidas de construir sua própria identidade. Elas são vistas apenas como filha ou esposa de um homem. Assim, elas têm retirada sua autonomia." Sociedade em transformação A sociedade indiana encontra-se em um acelerado processo de modernização. Nos últimos anos, o país tem registrado um importante crescimento econômico de até 10% ao ano. Importante potência nuclear e com relevante influência regional, a economia emergente pleiteia, assim como o Brasil, um assento no exclusivo Conselho de Segurança ONU. Há muito tempo a Índia não é mais considerada um país subdesenvolvido o que fica claro quando se observam metrópoles como Nova Délhi, Mumbai, Chennai ou Calcutá. No entanto, os excelentes especialistas em telecomunicações, em tecnologia de informação, e os notáveis cientistas, elogiáveis no exterior, ainda são minoria dois terços da população indiana vivem nos campos e tiram seu sustento da agricultura. E, no interior, não raro moradores ficam sem energia elétrica e água corrente. Muitos se sentem excluídos do recente boom. Especialistas veem com preocupação o alargamento do já grande abismo entre pobres e ricos. Para eles, a sociedade indiana está diante de uma prova de fogo. "A frustração na população é cada vez maior", avalia a feminista Urvashi Bhutalia, de Nova Délhi. Mas esse não é o único motivo que mantém a violência contra a mulher tão entranhada na sociedade. "Qualquer um pode ver que a Justiça não funciona direito. Parte da polícia é corrupta. E frequentemente ela não é cobrada em suas responsabilidades", diz Urvashi. As ativistas acusam a polícia de, em casos de abuso sexual, tentar proteger o agressor especialmente quando se trata de uma personalidade influente. Nestes casos, cabe a mulher provar o abuso. Em um sistema jurídico extremamente sobrecarregado. Existem, ainda, outros motivos pelos quais as mulheres são discriminadas na Índia. Em um casamento segundo o costume hindu, a família da noiva deve oferecer um valioso dote à família do noivo. Embora esse costume seja oficialmente proibido há décadas, a tradição permanece viva afinal, as famílias das noivas não querem passar pelo constrangimento de não pagar o dote. O nascimento de uma filha significa um grande ônus no futuro. Em algumas regiões do país, sobretudo em estados do norte como Punjab e Haryana, vem crescendo assustadoramente o número de abortos cometidos por grávidas que esperam bebês do sexo feminino. A prática é proibida no país mas não impede que continue acontecendo. Baixa instrução A discriminação contra as mulheres começa cedo. Estudos mostram que as mães amamentam meninos por mais tempo do que amamentam as meninas. Em famílias com muitos filhos, o investimento na educação das garotas quase sempre é desfavorecido em favor dos garotos. Quando se casa, a mulher se muda para a casa da família do marido e acaba se distanciando da própria família. Por isso, é importante que a educação dos filhos receba maior atenção, a fim de que eles consigam dar aos pais, na velhice, aquilo que o Estado não consegue dar no país não há um sistema estatal de aposentadoria. O governo indiano tomou algumas ações para tentar mudar este quadro. A educação de meninas nas escolas públicas do país é gratuita. O censo de 2011 mostra avanços: a taxa de alfabetização de mulheres registrou 65,4%, índice significativamente superior aos 48% registrados em 2001. A taxa entre os homens, porém, é bem maior. Para Renate Syed, juntos, todos esses fatores ajudam a fazer das mulheres ou mesmo crianças do sexo feminino vítimas de violência no país. Em abril do ano passado, o caso de uma menina de apenas cinco que foi violentada ganhou as manchetes dos jornais. "Essa é a possibilidade mais fácil, embora para mim seja difícil até dizer essa palavra. Na Índia, as crianças estão nas ruas, são alvos fáceis. E meninas são frequentemente intimidadas. Elas são criadas de maneira tradicional, para se comportarem bem, serem obedientes e enxergarem os homens como autoridades", avalia Syed. A pesquisadora ressalta, porém, que em uma população de 1,2 bilhão de habitantes, os casos de violência que têm ido a público ultimamente ainda são relativamente poucos. "Essas ocorrências terríveis passam a falsa imagem de que na Índia isso acontece muito frequentemente e de maneira desproporcional. Mas não é bem assim", relativiza. Clamor por mudanças A ativista Urvashi Bhutalia enxerga sinais positivos de mudança com as discussões públicas sobre os recentes casos de violência contra a mulher. "Embora nem todas as sugestões que fizemos foram aceitas pelo governo, as penas ficaram mais duras. Por isso, vejo a nova lei como um primeiro passo", afirma Bhutalia. "Uma verdadeira mudança, porém, passa por mais educação. E isso deve ser iniciado pela família", opina a feminista. Ela também defende maior participação feminina na política: "Em nível local, nas assembleias, a cota para mulheres possibilitou resultados positivos. Por isso, faz-se necessário que a cota seja urgentemente implantada em âmbito nacional." A ativista está esperançosa de que haverá mudanças. Mas sabe que elas não acontecerão de uma hora para outra.

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