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No centro de Kiev, hotel serviu de hospital, necrotério e base da imprensa

15:13 | Mar. 11, 2014
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Hotel Ucrânia, a poucos metros da Praça Maidan, testemunhou os momentos mais dramáticos da revolta que culminou na queda de Yanukovytch. Funcionários contam que, no ápice da violência, corpos se amontoavam no lobby. Sentada no escritório, Nádia Kucevol luta contra as lágrimas. Sua voz é trêmula. "O mais difícil foi quando as primeiras vítimas chegaram", conta, soluçando. "Eles foram enfileirados aqui no chão e cobertos com panos brancos". Sua colega Natalia também tem de se conter para não chorar. Ela lembra que deu água a um ferido, que empalideceu subitamente e morreu em seguida. Foi há duas semanas, mas as duas ainda têm as cenas na cabeça. Tudo se passou diretamente na recepção do Hotel Ucrânia. Em 20 de fevereiro de 2014, o saguão foi transformado em hospital e em necrotério. Naquela manhã, dezenas de manifestantes oposicionistas foram mortos em apenas poucas horas por atiradores. O dia mais sangrento dos protestos oposicionistas levou, posteriormente, a uma mudança de poder na Ucrânia. Centro para jornalistas A maioria dos manifestantes morreu na rua Institutska, ao lado do hotel. Ao todo, foram quase cem vítimas. Ainda hoje, quem vai em direção ao hotel tem a sensação de estar caminhando sobre uma grande poça de sangue, ainda que não seja quase mais possível reconhecer os vestígios nas pedras escuras do calçamento. Diariamente, milhares de moradores de Kiev vêm ali mostrar o seu luto. No local onde as pessoas morreram, vê-se hoje uma montanha de flores: cravos, tulipas, rosas. A rua foi renomeada ainda não oficialmente de "rua da centena celestial". O Hotel Ucrânia, de quatro estrelas, foi construído na década de 1950 e até 2001 chamou-se, de fato, Hotel Moscou. A mudança de nome ocorreu por ocasião do aniversário de dez anos da independência ucraniana da União Soviética. Do lado de fora, o hotel lembra o Ministério do Exterior na capital russa e pertence assim à chamada arquitetura stalinista. Está em mãos estatais e sob administração presidencial. Não somente turistas pernoitam ali, mas também parlamentares que não possuem apartamento em Kiev. Desde o início dos protestos que levaram à queda do presidente Viktor Yanukovytch, o Hotel Ucrânia esteve no centro das atenções. O prédio de 15 pavimentos está localizado na encosta do monte Pecherski. Cerca de 200 metros abaixo, dezenas de milhares de opositores do governo protestaram na Praça Maidan (Praça da Independência). Foi logo acima, na área governamental, qye o presidente entrincheirou-se, protegido por unidades especiais da polícia. Devido à sua localização central, o hotel tornou-se bastante popular entre jornalistas. Sejam da Deutsche Welle, BBC ou CNN muitos jornalistas noticiaram ao vivo sobre os acontecimentos na Maidan a partir da varanda do hotel. Dos 360 quartos, por volta de dois terços estão hoje ocupados, conta Nádia Kucevol, gerente da recepção. "A maioria dos hóspedes é formada por jornalistas", conta. "Os jornalistas nos salvaram", afirma, por sua vez, sua colega Natalia. "Achamos que, enquanto a mídia internacional estivesse por aqui, a polícia não iria invadir o hotel". Como num filme de guerra Nesse meio-tempo, um centro de imprensa foi instalado no hotel. Anteriormente, os líderes oposicionistas e outros ativistas realizaram suas coletivas de imprensa na Casa dos Sindicatos, situada diretamente na Praça Maidan. Mas o edifício foi incendiado pela polícia e completamente destruído pelo fogo. Nádia e sua colega observaram o incêndio no meio da noite a partir do hotel. "Não tivemos medo", relatam as duas. "Pensei que estivesse num filme de guerra", diz Nádia. Houve boatos de que a polícia teria atirado em manifestantes a partir do hotel. "Não, não é verdade", diz Roman, um homem em uniforme militar. Nádia concorda com ele. Roman apresentou-se como chefe da unidade especial, que em nome da "autodefesa da Maidan" faz a vigilância do hotel. O seu pessoal está postado na entrada do hotel e do centro de imprensa. "Na ocasião, vasculhamos todo o hotel e não encontramos nenhum atirador", diz um jovem membro do partido populista de direita Svoboda. Ainda não está claro se atiradores oposicionistas dispararam em policiais a partir do hotel. Roman prefere não falar sobre o assunto. O certo é que, em 20 de fevereiro, o dia mais sangrento dos protestos, o hotel foi alvejado pela polícia. "Em cerca de 18 quartos e na caixa de escada, há buracos de bala nas janelas", afirma Nádia. Ninguém saiu ferido. "Reunimos o pessoal e dissemos que somente voluntários deveriam permanecer". A maioria foi para casa. Ela permaneceu. Apenas uma vez o hotel não serviu café da manhã, no dia 21 de fevereiro, como admite Nádia, um pouco envergonhada: "Sempre nos esforçamos para que, apesar de tudo, os hóspedes se sintam bem."

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