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Lições da história ajudam Ocidente a lidar com crise na Crimeia

11:10 | Mar. 28, 2014
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Aprendizado com duas guerras mundiais faz líderes serem mais cautelosos e deixarem aberta uma saída diplomática para a tensão com a Rússia. Tradição da "Ostpolitik" contribui para que Berlim assuma um papel mediador. A crise na Crimeia fez surgir muitos artigos na imprensa traçando paralelos históricos assim como quase tantos outros advertindo contra eles. O peso do centenário do início da Primeira Guerra Mundial parece ter provocado essa perspectiva histórica, atraindo o medo subliminar: "Será que a Europa não saiu do lugar?" Mas, ao mesmo tempo, as comparações mais comuns que estão sendo feitas no Ocidente são as com o início da Segunda Guerra Mundial. Hillary Clinton foi muito criticada pelos analistas de política externa e historiadores por comparar a anexação da Crimeia por Vladimir Putin, realizada sob a alegação de querer proteger os russos que lá vivem, com a invasão da Tchecoslováquia e da Romênia por Adolf Hitler, realizada sob pretexto de proteger os alemães étnicos locais. "Não acho que seja útil em ambos os lados dizer coisas assim", opina Kathryn Stoner, especialista em Rússia da Universidade de Stanford, em entrevista à agência de notícias AP. Isso porque tecer comparações simplistas não é o mesmo que aprender com a história. Em artigo para a revista alemã Der Spiegel, o historiador australiano Christopher Clark comparou o atual impasse entre Putin e o Ocidente a uma série de crises anteriores incluindo a preparação para a Primeira Guerra Mundial, a Guerra da Crimeia de 1853, a anexação russa do leste da Ucrânia depois de 1654, e até mesmo a Guerra Civil Inglesa na década de 1640. E encontrou semelhanças e diferenças marcantes em cada caso. Paralelos históricos Mas Clark fez uma observação mais importante: mesmo os paralelos históricos são fracos. No momento, todos os lados parecem ter tirado algumas lições úteis da história talvez mesmo a partir de seu próprio livro The Sleepwalkers. Publicada ano passado, essa nova história da crise que levou à Primeira Guerra Mundial descreve como as potências europeias caíram em suas próprias armadilhas na escalada do verão de 1914. Mas Clark observou em tom aprovativo na Der Spiegel que os principais atores o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, o presidente dos EUA, Barack Obama, e até mesmo Putin têm tido o cuidado de manter aberta uma saída diplomática. Clark reservou atenção especial ao ministro do Exterior da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, dizendo que ele "foi rápido demais para se aliar à oposição ucraniana nos primeiros dias da crise e lento demais para se dar conta das questões geopoliticamente mais amplas que estão envolvidas na crise." Em outras palavras, apesar de tudo, a Alemanha está tentando o seu melhor para manter em mente o ponto de vista de Putin de que a Crimeia representa um dos interesses de segurança mais importantes da Rússia. Parte da razão para esta abordagem mais cautelosa pode ser a tradicional Ostpolitik ("política para o leste") alemã, a estratégia de aproximação empregada pelo chanceler Willy Brandt na década de 1970. A ideia se tornou tão central para o Partido Social Democrata (SPD) de Brandt, que se virou o que Liana Fix, do Conselho Alemão de Relações Exteriores (DGAP), chama de "parte de sua ideologia". Como Bettina Vestring ressalta no blog do DGAP, o próprio Steinmeier, agora em seu segundo mandato como ministro do Exterior, cresceu com a Ostpolitik. Até certo ponto, isso também se aplica ao público em geral da Alemanha, que é, instintivamente, simpático à Rússia uma pesquisa indicou que 54% dos alemães acreditam que o Ocidente simplesmente deve aceitar a anexação da Crimeia por Putin. "Não estou muito certo de onde isso vem", diz Fix. "Há um elemento de antiamericanismo, uma reação ao Iraque, à NSA, e a todas essas coisas. Mas também há um sentimento de que a Alemanha está no meio disso tudo e que temos que ser os mediadores." Sabine Fischer, diretora do departamento de Europa Oriental do Instituto Alemão de Relações Internacionais e de Segurança (SWP, na sigla original), sediado em Berlim, concorda: "Já vimos isso com clareza, e não apenas depois da crise da Crimeia", disse à DW. "Mesmo quando Steinmeier tomou posse em dezembro, o vimos tomar uma posição significativamente mais crítica sobre a Rússia do que em seu primeiro mandato como ministro do Exterior." Questão de perspectiva Isso resulta em uma estranha visão dupla da posição da Alemanha na crise da Crimeia. Comentaristas ocidentais, especialmente os liberais, como Simon Jenkins, do jornal britânico The Guardian, aplaudem a empatia de Merkel em relação a Putin, contrastando-a com as críticas mais duras de EUA e Reino Unido: "Em contraste com a encenação e retórica vazias de Londres e Washington está a voz calma da alemã Angela Merkel", escreveu. Mas, como Fix observa, há um ponto de vista contrário na Alemanha. "No contexto da União Europeia, Merkel é vista como sendo cautelosa demais, especialmente pela Polônia e outros parceiros, enquanto na Alemanha Merkel é vista quase como sendo beligerante". No início deste mês, o líder do partido A Esquerda, Gregor Gysi, condenou severamente a chanceler em discurso no Bundestag. "Obama falou, como a senhora chanceler, da soberania e da integridade territorial das nações. Mas esses dois princípios foram violados na Sérvia, Iraque e Líbia", disse. "O Ocidente pensou que poderia violar o direito internacional, porque a Guerra Fria acabou, mas subestimou de forma grosseira interesses chineses e russos." Gysi também reservou palavras duras para a UE (e, por extensão, para Merkel), que, segundo ele, contribuiu para a crise em primeiro lugar. "Então havia o cabo de guerra entre a UE e a Rússia, com a Ucrânia no meio. Ambos pensavam e agiam igual. Barroso disse que a Ucrânia poderia ou ter uma união aduaneira com a Rússia ou contratos conosco. Ele não falou em contratos com ambos. E Putin disse 'ou com a União Europeia ou conosco'. Isso foi um erro devastador de ambos os lados."

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