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Jogos gays desafiam leis russas

14:13 | Fev. 26, 2014
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Após as Olimpíadas de Inverno em Sochi, Moscou recebe os Jogos Abertos, a primeira competição esportiva LGBT num país duramente criticado pela forma como lida com homossexuais. Desde 2011, a Federação Esportiva LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) da Rússia é registrada no Ministério do Esporte em Moscou. O seu estatuto foi aprovado, mas ela jamais recebeu qualquer apoio financeiro. O que não é surpresa num país onde até as leis discriminam homossexuais. A entidade depende de doações e, entre seus poucos patrocinadores, estão três atletas olímpicos gays, que preferem ficar no anonimato. Mas agora, pouco depois das Olimpíadas de Inverno de Sochi, o movimento pretende, finalmente, sair do anonimato. A partir desta quarta-feira (26/02) até 2 de março, no curto intervalo entre os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, Moscou recebe os Open Games (Jogos Abertos) com participantes de 11 países e uma programação paralela que inclui workshops e concertos. O núcleo dos Jogos Abertos está num total de oito competições: badminton, basquete, futsal, esqui, natação, tênis de mesa, tênis e voleibol. "Queremos promover a solidariedade", diz Konstantin Yablotskiy, presidente da federação. Ele mede com cuidado as suas palavras. Desde que as leis contra a homossexualidade foram acirradas na Rússia, é preciso sempre estar preparado para qualquer eventualidade. Cansados de perseguição Eles se cansaram de se esconder. No final da década de 1990, um grupo de atletas lésbicas se reuniu em São Petersburgo em prol de mudanças. Aquilo que praticavam não deveria permanecer mais em segredo, elas queriam se apresentar com mais autoconfiança. Um plano ambicioso, pois assumir publicamente a homossexualidade era e continua sendo difícil na Rússia. Mas a centelha estava lançada: em outras cidades russas foram fundadas equipes esportivas lésbicas, de vôlei, basquete e dança. Elas alugavam, às vezes sob falso pretexto, quadras esportivas abandonadas para práticas de exercícios que aconteciam no meio da noite. Algumas viajam para competições na Europa Ocidental ou nos EUA, mas essas iniciativas esportivas da Rússia se mantiveram praticamente desarticuladas. Uma viagem à Alemanha levou um novo estímulo ao movimento. Nos Jogos Gays de 2010, em Colônia, participaram 52 esportistas provenientes da Rússia. A maioria não se conhecia, pois eles não tinham em quem confiar. "Voltamos com autoconfiança e fundamos a federação esportiva LGBT da Rússia", disse Yablotskiy. Desde então, a federação organizou 50 competições para 900 membros. Três quartos deles vêm de Moscou e São Petersburgo. Orgulho e preconceito Embora o desenvolvimento do esporte LGBT tenha começado mais cedo nos países ocidentais, seu início também foi tímido e acompanhado de preconceitos e clichês. No início da década de 1970 foi fundada a primeira federação esportiva homossexual, uma liga de boliche cujo nome homenageava a atriz Judy Garland. A primeira associação esportiva homossexual europeia foi o SC Janus, fundado em 1980 por jogadores de vôlei. Dois anos mais tarde, o declateta e médico americano Tom Waddell lançava os Jogos Gays (Gay Games). Originalmente, eles deveriam ser chamar Olimpíadas Gays (Gay Olympics), mas o Comitê Olímpico dos EUA proibiu a denominação. Durante os Jogos Abertos em Moscou, Yablotskiy e seus colegas pretendem fazer um trabalho de conscientização. De acordo com o Centro Levada, um instituto russo de pesquisa independente, somente 12% da população conhece algum gay ou lésbica, enquanto 35% consideram o homossexualismo uma doença. Nesse contexto, como podem funcionar os Open Games como um fórum aberto, se a exibição de bandeiras do arco-íris, pins do orgulho gay ou cartazes pode ser motivo de punição judicial? "Temos de ter cuidado", disse a dançarina Alexandra Khekalina. Os espectadores precisam se inscrever no website da federação. "Não queremos ser provocados, e ninguém deve se sentir provocado por nós." A federação recebeu muitas recusas de participantes do exterior, já que as notícias de discriminação correram o mundo. Uma jogadora russa de badminton perdeu seu emprego numa agência de publicidade, depois que foram divulgadas fotos dela numa competição em Roterdã. Por duas vezes, equipes de gays e lésbicas foram expulsas de quadras esportivas. Os Jogos Abertos acontecem exclusivamente em quadras e espaços fechados, não ao ar livre. "Contratamos pessoal de segurança", diz Alexandra Khekalina. "Todos devem se sentir seguros". Sochi sem "Casas do Orgulho" Recentemente, o movimento esportivo de gays e lésbicas alcançou importantes metas em nível internacional. Nos Jogos Olímpicos de Vancouver, em 2010, e Londres, em 2012, foram abertas as chamadas Casas do Orgulho (Pride Houses), pontos de encontro de atletas e fãs homossexuais. Em Londres, o comitê organizador instituiu um compromisso com a diversidade. A arqueira sul-africana Karen Hultzer aproveitou a oportunidade para assumir publicamente a sua homossexualidade. Em Sochi, no entanto, uma "Casa do Orgulho" foi proibida já há vários anos. De acordo com o portal de internet Outsports, dos 2.500 atletas olímpicos, somente seis vivem abertamente a sua homossexualidade, nenhum homem está entre eles. A mais famosa atleta olímpica lésbica é a patinadora de velocidade Ireen Wüst, que recebeu um abraço de parabéns do presidente Vladimir Putin após a vitória olímpica provavelmente mais um gesto bem calculado de relações públicas do que uma súbita mudança de convicção do governante russo. A comunidade LGBT desenvolveu conceitos para permitir que encontros aconteçam fora dos grandes palcos. Para os Jogos Gays de 2002, em Sidney, um programa de bolsas de estudo foi direcionado a aborígenes. Associações em Frankfurt ou Düsseldorf apoiaram esportistas homossexuais do Leste Europeu. O espírito olímpico: o importante é participar. Durante os Jogos Olímpicos, Konstantin Yablotskiy passou dois dias em Sochi para anunciar os Jogos Abertos, mas sem chamar muita atenção. Na casa da Alemanha na Vila Olímpica, ele também conversou com representantes da Confederação Alemã de Esportes Olímpicos. "Eles foram os únicos que me escutaram", conta Yablotskiy. Ele também visitou como espectador uma competição de patinação artística. As forças de segurança rasgaram a bandeira do arco-íris que ele queria erguer.

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