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Opinião: Estratégia de militares prepara futuro violento para o Egito

15:21 | 15/08/2013
No afã de aniquilar a Irmandade Muçulmana, militares não hesitam em usar violência e deixam a conciliação nacional e a democratização cada vez mais improváveis, opina Loay Mudhoon, especialista em Oriente Médio da DW. Durante semanas, a impressão no Egito era de que os esforços dos mediadores internacionais poderiam evitar um fim sangrento das ações de protesto da Irmandade Muçulmana contra a deposição violenta de seu presidente eleito, Mohamed Morsi. Sobretudo a chefe da política externa da União Europeia, Catherine Ashton, e os senadores americanos John McCain e Lindsey Graham aumentaram a pressão, nas últimas duas semanas, tanto sobre o governo interino imposto pelos militares, quanto sobre a liderança da fundamentalista Irmandade Muçulmana. Os diplomatas ocidentais visavam possibilitar uma solução pacífica para o bloqueio estatal, preparando o caminho para a integração de todas as forças políticas egípcias num processo ordenado de conciliação. Idealmente, o maior país árabe iria reencontrar o caminho para a democracia. No entanto, na última semana ficou caracterizado que os novos detentores de poder no Egito, encabeçados pelo general Abdel Fattah al-Sisi, não têm qualquer intenção séria de procurar saídas pacíficas para a crise de Estado e menos ainda de, como seria necessário, integrar a Irmandade Muçulmana na ordem pós-Morsi. Foi assim que, de forma sumária, o presidente interino Adli Mansur declarou definitivamente fracassadas as conversas entre os mediadores estrangeiros e os fundamentalistas muçulmanos. O resultado só poderia ser a terrível orgia de violência que se seguiu. Pois, a partir desse ponto, estava claro para todos os observadores políticos: o Egito se encaminhava em direção a uma carnificina. Até porque, sabidamente, as Forças Armadas não hesitam em aplicar violência maciça e munição viva contra os partidários de Morsi. Cisma pós-revolução O vice-presidente Mohamed ElBaradei, figura de prestígio internacional, confirmou na quarta-feira (14/08) que a violência foi desproposital e que, acima de tudo, era evitável. Depois do massacre do início do dia, o Nobel da Paz e figura de proa dos liberais egípcios viu-se forçado a agir de modo consequente, renunciando ao cargo. O fato evidenciou até que ponto haviam conseguido se impor os representantes da linha dura dentro do regime militar, liderado pelo controverso premiê Mohamed Ibrahim. Contudo, aquele que foi possivelmente o dia mais sangrento da história recente do Egito não teria sido sequer cogitável sem o atual estado de extrema polarização social e política, sem o ódio presente entre a radical Irmandade Muçulmana e as forças secular-liberais. Já nos meses seguintes à posse de Morsi como chefe de Estado, delineara-se um cisma nos quadros da revolução de 25 de janeiro de 2011. Afinal, o político fortemente religioso deveu sua eleição a numerosos votos de revolucionários que não concordavam com a ideologia da Irmandade, mas sim apenas desejavam uma cesura definitiva com o desacreditado regime do ditador Hosni Mubarak. Em vez de seguirem combatendo juntos as redes do "Estado oculto" do velho regime, democratizando-as, o abismo crescente entre os fundamentalistas e os seculares bloqueou politicamente o Egito. E, o mais tardar, quando, em 22 de novembro de 2012, Morsi impôs autocraticamente uma nova Lei Fundamental, tornou-se inegável que não mais havia uma base real de cooperação entre as forças pós-revolucionárias. Aliança contra Morsi Com o fim de derrubar a controversa Constituição, os pequenos e fragmentados partidos não religiosos formaram a assim chamada Frente de Salvação Nacional. Sem condições de enfrentar politicamente a Irmandade Muçulmana, a Frente se decidiu por uma aliança estratégica com os militares e com as forças do regime anterior, de Mubarak ainda intactas no aparato de segurança e na economia. No fim de junho de 2013 o movimento de raízes Tamarud (Rebelião) conseguiu mobilizar contra a Irmandade milhões de egípcios enfurecidos. Os militares aproveitaram a ocasião, apresentando os islamistas como suposta ameaça onipotente e obscura à nação egípcia e a si mesmos como salvadores da pátria. Por sua vez, os meios de comunicação, controlados pelos militares, passaram a demonizar os islamistas como "terroristas" e "fascistoides". Sem esse clima de pogrom, militarmente organizado, contra personalidades moderadas como o político liberal Amr Hamzawy, e sem a caça às bruxas midiática à Irmandade Muçulmana, teria sido impensável o apoio dado pela população à orgia de violência da quarta-feira. Ao que tudo indica, no momento a estratégia do novo-velho regime uma aliança entre os militares e as antigas redes conspiratórias de Mubarak é de novamente encurralar politicamente os islamistas, forçando sua radicalização. Alguns funcionários linha dura das forças de segurança não escondem a intenção de "aniquilar" o grupo a que pertence o ex-presidente Morsi. No entanto, como não é possível vencer por meios violentos um movimento social-religioso como a Irmandade Muçulmana, essa estratégia deverá trazer consequências devastadoras para o futuro do Egito.

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