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Intervenção na Síria não seria a primeira sem aval da ONU

11:25 | 29/08/2013
Ingerências por razões humanitárias vêm sendo justificadas nas últimas décadas pelo conceito de "responsabilidade de proteger". EUA e aliados podem recorrer à mesma ideia para respaldar uma ação militar contra Assad. Uma semana após o suposto ataque com gás tóxico na Síria, a comunidade internacional já considera como certa a realização de uma operação militar contra o governo do país. No momento inspetores da ONU ainda se encontram na região, procurando evidências do uso de armas químicas. Legalmente, no entanto, tal ataque seria uma violação do direito internacional, já que a legitimidade só é dada com a aprovação pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. A China e a Rússia, que têm poder de veto, provavelmente bloquearão uma resolução nesse sentido, pois os governos de ambos os países rejeitam uma intervenção militar. "Coalizão dos dispostos" Contudo esta não seria a primeira vez que os EUA, realizariam uma ação militar sem um mandato da ONU. "Coalizão dos dispostos" foi como o então presidente George W. Bush chamou em 2003 a aliança de vários países que, sob a liderança dos EUA e do Reino Unido, libertariam o Iraque do ditador Saddam Hussein. Antes da invasão, os EUA tentaram provar que havia armas de destruição em massa no Iraque. O então secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, apresentou nas Nações Unidas supostas evidências, mas a Alemanha, França e Rússia tinham sérias dúvidas sobre a confiabilidade das fontes. "Eu simplesmente não estou convencido", disse o então ministro alemão do Exterior, Joschka Fischer. Hoje em dia, aquele ceticismo é considerado plenamente justificado, já que ficou comprovado que as tais "provas" eram baseadas em falsificações. O próprio Colin Powell admitiu o erro e se retirou da política. Comparações com Kosovo Manfred Eisele, major-general aposentado das Forças Armadas alemãs, rebate que a intervenção no Iraque não pode ser comparada à situação na Síria. Por outro lado, ele vê paralelos entre a Síria e a Guerra no Kosovo, em 1999. Nesta, forças de origem étnica albanesa lutavam pela independência da província do Kosovo em relação à Iugoslávia. No decorrer do conflito, surgiram diversos relatos de violações de direitos humanos e massacres pelo Exército iugoslavo. A Rússia, no entanto, rejeitou no Conselho de Segurança da ONU uma intervenção da comunidade internacional. A Otan decidiu em seguida intervir no conflito, através de ataques aéreos, mesmo sem um mandato da ONU. "O Conselho de Segurança avaliou na época a situação no Kosovo, a limpeza étnica, de forma absolutamente realista", lembra Eisele. "A única coisa que faltava era uma consequência [concreta] disso, já que Moscou ameaçava com seu veto." A Otan considerou, então, a própria avaliação das circunstâncias como legitimação para uma intervenção. Direito versus moral O cientista político Andreas Bock, da Universidade de Augsburg, vê a situação de forma parecida. "Em Kosovo, havia claras violações dos direitos humanos capazes de justificar a intervenção", ressalta. Mesmo que do ponto de vista formal-jurídico o ataque infringisse o direito internacional, havia uma obrigação moral para se agir. No entanto, o precedente para uma intervenção por razões humanitárias sem um mandato da ONU já se dera pela primeira vez em 1990, quando, sob a liderança da Nigéria, tropas da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental interferiram na guerra civil na Libéria. "A opinião pública mundial não se interessou tanto pelo fato na época porque se tratava de um lugar qualquer na África", observa Eisele, mas a situação era comparável à do Kosovo. Novas abordagens Desde 2001 circula o conceito de "responsabilidade de proteger" (Responsibility to Protect ou "R2P"), permitindo à comunidade mundial reagir a tais situações sem ser impedida pelo veto de um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. O conceito, proposto pelo governo canadense e desenvolvido por uma comissão de especialistas em direito internacional, prevê a suspensão do princípio de não ingerência em assuntos internos de um país quando ocorram graves violações dos direitos humanos. O R2P não é um conceito que faça formalmente parte no direito internacional. Entretanto, no mandato da ONU para intervenção na Líbia em 2011, possibilitado pela abstenção da China e da Rússia, ele foi citado explicitamente no texto da resolução. Embora não haja um mandato do gênero para a Síria, é possível que americanos e britânicos evoquem a "responsabilidade de proteger" para justificar uma intervenção. A longo prazo, o R2P pode vir a entrar no direito internacional consuetudinário ou seja, aquele consagrado pelo costume , criando, assim, uma nova legitimidade legal.

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