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Medo da invasão de privacidade é maior na Alemanha do que em outros países

10:58 | 08/07/2013
Na Alemanha, o escândalo de espionagem dos EUA desencadeou uma onda de indignação muito mais forte do que em outras nações. Especialistas evocam causas históricas para o medo da vigilância e aconselham mais cautela. O medo da vigilância total não é novo. Na Alemanha, era sabido que se continuava a grampear e a ler a correspondência alheia, mesmo após reunificação, em 1990, e o fim da Stasi, o serviço secreto da ex-República Democrática da Alemanha (RDA), de regime comunista. Mas, até há pouco tempo, pensava-se que a espionagem só tinha como alvo alguns poucos suspeitos. A revelação de que a invasão da esfera privada afeta realmente a todos desencadeia em especial na Alemanha uma onda de discussões e de temores. Para os alemães, dados pessoais são algo sagrado. Quando, em 2010, o Google Street View (recurso da ferramenta de buscas Google que mostra mapas de ruas no nível do solo), desfilou pelas ruas do país com seus carros equipados com câmeras, alguns cidadãos até tentaram bloquear a ação da gigante da internet. Mas os veículos receberam a permissão para seguir rodando e fotografar a fachada de todos os prédios, com a ressalva de que os respectivos proprietários podiam exigir que, ao serem mostrados no site, seus imóveis fossem digitalmente mascarados. Foi considerável o número dos proprietários de imóveis e locatários a fazer uso dessa possibilidade, por não quererem ver suas casas publicadas na internet. Por isso, o Google Street View da Alemanha não é considerado tão bonito: em certas ruas, uma casa em cada três aparece "pixelada". Quem, em contrapartida, "trafega" pelas ruas de Londres ou de Paris, tem vista livre. "German internet Angst" Embora o Facebook seja mundialmente conhecido, 35% dos habitantes da Alemanha utilizam a rede social. Em vários outros países, a proporção é em torno de 50%. Grande parte dos participantes do país se preocupa intensamente com as configurações de privacidade da ferramenta e defende que o Facebook e o Google devem agir em conformidade com as diretrizes alemãs de proteção de dados. Já em 1998 a revista norte-americana de tecnologia Wired publicou artigo sobre as rigorosas diretrizes. A publicação atribuía a grande necessidade de segurança ao "German internet Angst" (medo alemão da internet), o qual, por sua vez, teria origem numa desconfiança profunda diante de tudo o que é desconhecido e novo supostamente, uma característica alemã. Para muitas pessoas no país, a internet ainda é um vasto território desconhecido, no qual elas se movem de forma mais cautelosa do que os usuários de outras nações. Codificação é como cortina nas casas O fato causa certa estranheza ao jornalista Burkhard Schröder, especialista em segurança na rede. "Os alemães continuam com a sua mania de problematizar. As pessoas têm sempre a cabeça cheia só dos riscos, mas nunca das chances que a novidade traz consigo." Ao mesmo tempo, elas enviam bilhões de e-mails não codificados, com conteúdo confidencial, critica Schröder. Até mesmo jornalistas colocam em risco os informantes quando se comunicam com eles por e-mails sem proteção. "Mas a codificação já é possível desde 1992", explica Burkhard Schröder. Na internet encontram-se inúmeras instruções para uso em todos os navegadores (browsers) existentes. "Precisamos ter a consciência de que determinadas coisas não dizem respeito a qualquer um", insiste o jornalista. Ele não consegue entender que a maioria dos usuários do país seja acomodada demais para se informar sobre codificação e medidas semelhantes. Também o encarregado do governo federal alemão para a proteção de dados, Peter Schaar, é a favor de que dados sensíveis sejam codificados. Ele não acredita que a medida faça com que as comunicações com código se tornem, então, mais atraentes para observadores mal-intencionados, como temem alguns. "Isso não acontece por causa da codificação. Também se costuma aceitar o uso de cortinas nas casas", comentou Schaar, no microblog Twitter. Motivos históricos para o temor Muitos atribuem a razões históricas o fato de que haja tanta desconfiança em relação ao tema na Alemanha. Num artigo para o jornal Der Tagesspiegel, o autor Malte Lehmer analisa as diferentes reações ao escândalo do espionagem pela Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla original), desencadeado pelo ex-consultor da organização, Edward Snowden. Lehmer interpreta a violenta reação alemã como uma herança da Gestapo, a polícia política do regime nazista, e da Stasi, o serviço secreto da extinta RDA. "O combate a serviços secretos onipotentes originou-se aí, como forma de superar o passado", conclui. O especialista em internet Burkhard Schröder acredita na memória coletiva dos alemães, que tiveram que se submeter a serem espionados pelos regimes do Terceiro Reich e da RDA. "Os ingleses, por outro lado, até sabem que são vigiados, mas não creem que seu governo vá cometer um abuso desses" e talvez por isso não se mostrem tão indignados, diz Schröder. O politólogo norte-americano Andrew Denison, que vive na Alemanha, +e especialista em relações transatlânticas. Em entrevista à DW, ele quase deixou escapar uma gargalhada ao ser questionado se as reações ao escândalo da NSA são algo tipicamente alemão. "Quem está realmente histérico, no caso, são os políticos e a mídia." Para ele, a atual comoção nacional é exagerada: "É falsa indignação". Denison diz ter a impressão que a população da Alemanha não está tão surpresa com o caso quanto alegam certos políticos. "Eu conversei com muita gente que até já parte do princípio que está sendo espionada e se comporta condizentemente."

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