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Adversários de Morsi apostam em aliança arriscada com militares

09:26 | 03/07/2013
Adversários do presidente egípcio pediram apoio para conseguir a queda do governo do islamita Mohammed Morsi. Para analistas, falta clareza sobre o que o Exército ganharia ficando ao lado dos manifestantes. Desde o último fim de semana, milhões de egípcios protestam para exigir a renúncia do presidente egípcio Mohammed Morsi. Durante a manifestação gigantesca do último domingo (30/06), ativistas pediram ajuda ao escrever as seguintes palavras num cartaz: "Pedimos aos militares que salvem o Egito da Irmandade Muçulmana." Não se sabe se os militares leram a placa ou não, mas a sua reação não tardou. Na segunda-feira, o Exército deu um ultimato a Morsi, que tinha 48 horas para resolver a crise política que surgiu entre a Irmandade Muçulmana formação majoritária no parlamento e da qual o presidente é oriundo e a oposição. Se Morsi não conseguir negociar uma solução para a crise até esta quarta-feira (03/07), o Exército anunciou que proporá um plano de ação próprio. Na noite de terça para quarta, o presidente egípcio exigiu a anulação do ultimato e insistiu que não vai renunciar. Observadores alertam para uma possibilidade cada vez mais concreta de confronto, já que também os militares afirmaram que "dariam o próprio sangue" em nome do país. Segundo os militares, o plano de ação "deverá incluir todas as correntes sociais importantes e também os jovens que iniciaram essa grande Revolução". Eles lembraram, assim, o levante que resultou na renúncia do antecessor de Morsi, o presidente militar Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011. No âmbito do movimento de protestos populares em países árabes que ficou conhecido como "Primavera Árabe", Mubarak deixou o poder após 18 dias de protestos. O ministro da Defesa egípcio, general Abdel-Fattah el-Sissi, fez uma declaração oficial sobre o plano de ação, mas deixou várias questões em aberto. Nesta quarta-feira, o jornal Al-Ahram publicou alguns detalhes do plano: os militares anulariam a Constituição. Poderia haver uma destituição de Morsi e a transferência de poder a um "conselho provisório" até a elaboração de uma nova lei fundamental e a organização, ainda sem data, de eleições presidenciais e legislativas. Apesar da declaração do general ter deixado de dar maiores detalhes, el-Sissi esclareceu que, se as exigências dos manifestantes não forem atendidas, "nós [militares] seremos forçados a cumprir a nossa responsabilidade histórica para com o país e a grande nação egípcia, estabelecendo uma estratégia política juntamente com a população." Mesmo com a aparente ambiguidade do chamado "plano de ação" dos militares, haveria muitos indícios de que os adversários de Morsi podem contar com o Exército. No domingo, helicópteros militares sobrevoaram a Praça Tahrir, no centro da capital, Cairo, e jogaram bandeiras egípcias para manifestantes que, assim como analistas, interpretaram a ação como um gesto de solidariedade com a oposição. Segundo a cientista política Maha Azzam, da consultoria Chatham House de Londres, uma ampla parcela da sociedade egípcia parece sustentar a ideia de uma intervenção militar no país. "Mas isso não significa necessariamente que os manifestantes desejem um golpe de Estado. Eles querem o apoio dos militares para os anseios de mudança da sociedade civil, o que significaria, em primeira linha, a renúncia de Morsi", afirmou Azzam, em entrevista à DW. Papel ambíguo dos generais Os militares egípcios são subordinados ao chefe de Estado, mas também têm uma longa tradição laica e independente. Sob o general Gamal Abdel-Nasser, que definiu a linha política do Egito entre 1952 e 1970 (primeiro como primeiro-ministro, depois como presidente), o Exército consolidou um curso político próprio, de esquerda nacionalista. Porém, segundo a analista Maha Azzam, isso não impediu que os militares apoiassem todos os regimes do Egito desde então. "Eles apoiaram uma ditadura depois da outra". A analista Annette Ranko, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (GIGA), em Hamburgo, ressalta que, ainda assim, muitos dos opositores de Morsi lembram da posição ambígua adotada pelos militares nos últimos dois anos e meio, desde a queda de Mubarak e a posse de Morsi, em junho do ano passado. Por um lado, o Exército permitiu a ação de oposição dos manifestantes durante os protestos contra Mubarak. "Mas, depois, os militares enfrentaram forte resistência da população, porque muitos temiam que os militares não fossem deixar o poder e que impediriam a transição democrática", afirmou Ranko. Muitos egípcios também ainda não esqueceram a chamada "linha vermelha", pela qual o exército proibiu qualquer crítica pública sobre o papel que desempenhou na revolução. E ainda está viva a memória de uma jovem manifestante que teve suas roupas rasgadas e que foi brutalmente agredida por soldados em plena Praça Tahir. Mais tarde, a liderança do exército se desculpou pelo incidente. Oportunismo político Ranko explica que a aposta de parte da oposição no apoio dos militares se deve ao sentimento de impotência diante de Morsi. Em seu último pronunciamento, o presidente admitiu que tem dialogado apenas com os líderes dos partidos tradicionais de oposição, negligenciando a juventude do país. "Não há uma plataforma para os jovens no Egito, nem do lado da Irmandade Muçulmana, nem nos partidos de esquerda e liberais. Essa impotência fez com que eles se voltassem para os militares", observou a analista. Segundo Azzam, a maior motivação do Exército em apoiar os manifestantes seria a resistência dos generais em se dobrar à persuasão política da Irmandade Muçulmana. Os militares veem agora uma chance de mudar o equilíbrio das forças políticas no país. A cientista política disse não acreditar que os militares queiram indicar figuras políticas específicas para liderar o país nas próximas semanas, nem que estejam interessados em travar outros nomes. "Mas eles se esforçam para controlar a situação política um objetivo difícil de se cumprir, já que não é mais possível voltar aos tempos de Mubarak, quando o Exército era um dos pilares do regime autoritário. Os generais não podem mais ignorar as exigências da população por mais participação política", explicou Ranko.

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