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Reforma política já é discutida há 20 anos e hoje está parada no Congresso

13:48 | 26/06/2013
Rechaçado por legisladores, principal projeto atualmente em debate é do PT, conta com o rechaço da oposição e, em parte, é visto de forma crítica por juristas. Proposta mudaria financiamento e sistema de votação. A reforma política, uma das principais reivindicações dos manifestantes que tomam as ruas do Brasil, é centro de discussões há quase duas décadas. Atualmente, há vários projetos de reestruturação do sistema político brasileiro em tramitação no Congresso o mais incisivo deles do próprio PT da presidente Dilma Rousseff. A proposta é do deputado Henrique Fontana (PT-RS) e tem como base dois pontos: o financiamento público das campanhas políticas, sem qualquer dinheiro privado indo diretamente para os partidos; e a criação do voto de lista, em que os eleitores continuam a poder votar na legenda ou num canditato, mas que amplia o poder das cúpulas patidárias de decidir que políticos ocuparão as bancadas. O projeto ainda não entrou em votação no Congresso. Segundo a oposição, porque fortaleceria o partido governante no caso, o PT. Segundo Fontana, seu autor, por "interesses diversos" e difíceis de conciliar. "É difícil a votação de projetos desta natureza, pois deputados que não têm expressão política fazem cálculos rigorosos para saber se ganhariam ou se perderiam com o que foi proposto", opina Marcus Vinícius Antunes, professor de direito constitucional e ciências políticas da PUC-RS. Marcelo Ridenti, professor de sociologia, também é cético quanto ao avanço da proposta petista. Para ele, o ideal seria fazer com que a representação política de fato expresse a vontade da sociedade brasileira. "[A proposta de Fontana] não vai resolver muito. Mesmo com os méritos e deméritos que ela tenha, acredito que a discussão tem que sair do zero, ser ampla e profunda", diz Ridenti. "Precisamos rediscutir a questão democrática no Brasil e isso passa pela reforma política. As manifestações nas ruas têm demonstrado um desejo de uma reconfiguração profunda da representação política." Financiamento De acordo com a proposta de Fontana, o financiamento das campanhas seria realizado por meio de um fundo criado para esse fim específico. O fundo receberia aportes de recursos do orçamento da União, além de contribuições de pessoas físicas e jurídicas, desde que depositadas diretamente na conta. Dessa forma, as pessoas físicas e jurídicas não poderiam contribuir diretamente para a campanha. Os candidatos também seriam proibidos de utilizar recursos próprios para financiar a corrida eleitoral. Os valores seriam distribuídos igualitariamente entre os partidos. A medida é polêmica e é vista com suspeita por juristas. "Acho uma medida positiva, mas não estou seguro que isso não possa vir a mascarar outras contribuições que não sejam públicas. Não há certeza da eficácia dessa medida", frisa Marcus Vinícius Antunes. Dentro desta proposta há, ainda, a realização dos gastos de campanha somente pelos partidos, a partir de contas abertas exclusivamente para esse fim. Além disso, haveria um teto de gastos por eleição. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgaria esse valor máximo antes do início das campanhas. Lista flexível Outro pilar da reforma política proposta por Fontana seria a criação de uma lista flexível de candidatos a ser apresentada aos eleitores. De acordo com o projeto, o modo como o eleitor vota não seria alterado: o cidadão teria a possibilidade de escolher o deputado de sua preferência, votando nominalmente em um candidato, ou destinar o voto para o partido, votando na legenda. Desta forma, o cálculo para se chegar ao tamanho das bancadas dos partidos na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmara de Vereadores seria por meio da soma dos votos nominais e dos votos de legenda obtidos na eleição. A diferença em relação ao sistema atual é sutil: os partidos registrariam os candidatos numa lista cuja ordem seria definida em votações secretas de todos os filiados. A ordem dessa lista poderá ser transformada pelo voto do eleitor, que, segundo a proposta petista, continuaria a ficar com 100% de poder para definir o resultado final da eleição. Como no sistema atual, se votar num candidato de sua preferência, o eleitor contribuirá para alterar a posição do candidato no resultado final da eleição. Se o eleitor preferir votar na legenda, ele reforçará assim a ordem de candidatos registrada pelo partido. "Em tese, acho positiva a lista flexível, quer dizer, a existência de um sistema de lista semelhante ao que existe no Uruguai e em Portugal. Isso poderia reforçar o carater ideológico dos partidos e, desta forma, do conteúdo programático de cada legenda", diz Antunes, da PUC-RS. Para ele, o processo eleitoral no Brasil passaria a ficar mais centrado nas propostas dos partidos e não tanto nas personalidades políticas que concorrem aos cargos. Ele disse, ainda, que essa "atomização" de candidatos que são famosos nos meios de comunicação dispersa e enfraquece o debate político no Brasil, "fortalecendo somente a disputa de personalidades e não de ideias e de programas de governo". Ainda dentro dessa proposta, há regras que asseguram maior igualdade na distribuição do tempo de TV e dos recursos de campanha entre os candidatos. Nelas, por exemplo, 60% do tempo de televisão seriam distribuídos igualitariamente entre todos os candidatos. Proposta da OAB Em entrevista à Agência Brasil, Henrique Fontana disse não perder ainda a esperança de ver seu relatório analisado pelos demais deputados. De acordo com ele, o texto chegou à porta do plenário, mas não foi apreciado por falta de uma acordo entre os líderes partidários. Com as manifestações populares que vêm pedindo mudanças na política do país, o deputado acredita que a reforma possa ser enfim votada pelo Congresso. "Apoio esta proposta que a presidenta lançou hoje [terça-feira, 25/06], de uma Constituinte para votar a reforma política. Mas isso não impede que o Congresso resgate o meu projeto e vote em regime de urgência", argumentou. Ainda na terça-feira, a presidente Dilma Rousseff recuou da proposta de convocar uma Assembleia Constituinte para fazer a reforma. A maneira de encaminhar a reestruturação do sistema político continua em discussão no país. O governo defende a ideia de um plebiscito. O relatório de Fontana ainda propõe a possibilidade de a sociedade participar da vida legislativa por meio da internet. O texto aumenta as formas de apresentação de projetos de lei de iniciativa popular, como foi o caso do projeto que criou a Lei da Ficha Limpa. À frente do Ficha Limpa, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançaram, na segunda-feira (24/06), um projeto popular de reforma política que quer coletar 1,5 milhão de assinaturas para apresentar a proposta ao Congresso. De acordo com Ridenti, da Unicamp, os congressistas não votaram o projeto de reforma política nestas últimas décadas por medo de perder poder e vantagem no cenário político brasileiro. "Eles têm um status quo. Uma reforma como essa poderia varrer do mapa muitos políticos, de esquerda, de centro ou de direita. Por esta razão eles tendem a não aceitá-la. É um instinto de sobrevivência política muito forte, mas que não pode sobrepor ao interesse da maioria dos brasileiros. Mas esse divórcio parece que está se configurando", afirma.

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