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Há 70 anos começava o levante do gueto de Varsóvia

10:14 | 19/04/2013
Primeiro levante contra os nazistas começou em 19 de abril de 1943, quando centenas de judeus confinados no gueto de Varsóvia resolveram enfrentar as tropas alemãs. Um novo museu celebra os 70 anos do ato de resistência. Krystyna Budnicka tinha 11 anos de idade quando testemunhou o levante do gueto de Varsóvia, capital da Polônia. Ela não chegou a ver as lutas, mas sentiu os efeitos no próprio corpo. "Lá em cima, tudo estava pegando fogo, por isso a terra no abrigo subterrâneo ficava tão quente que nós tínhamos que escapar a toda hora para a canalização de esgoto, para nos refrescarmos." "Durante vários dias, corremos para lá e para cá pelo tunelzinho no canal imundo onde cadáveres às vezes apareciam boiando. Quando os alemães notaram que os canais era usados como rota de fuga, passaram a atirar assim que as cabeças apareciam para fora dos bueiros", lembra Budnicka, hoje com 81 anos. Vida sob a terra Caçula de oito filhos, ela foi batizada Hena Kuczer. Seus dois irmãos mais velhos foram mortos nas câmaras de gás do campo de Treblinka, durante as grandes deportações de judeus de 1942. O pai, que era carpinteiro, decidiu não mais assistir inativo aos horrores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). "Junto com os filhos homens que haviam restado, ele começou a construir um abrigo debaixo do porão da nossa casa", conta Bunicka. Lá, escondeu a família, no início de 1943. O esconderijo era ligado à canalização por um túnel, e inicialmente também dispunha de eletricidade e água corrente. A família esperava um dia escapar pelos esgotos com vida . Depois que os dois irmãos mais velhos foram deportados, os outros quatro irmãos de Krystyna passaram a cuidar da família. Com frequência eles deixavam o abrigo, apoiavam o levante e arranjavam algo para comer. Um dia, dois dos rapazes saíram do canal na hora errada e foram fuzilados. Sobre os revoltosos, a senhora polonesa conta: "Eles lutavam, não tanto pela própria vida, mas mais pela dignidade de todos nós. Os alemães queriam privar a nós, judeus, da condição de humanos. Esse levante mostrou que eles não conseguiram". Poder de decidir sobre a própria morte O gueto de Varsóvia foi instituído em 1940, no bairro judaico da capital polonesa. Até 400 mil judeus viviam ali até a onda de deportações para os campos de extermínio, dois anos mais tarde. Depois das deportações, apenas cerca de 60 mil pessoas ficaram na área cercada por muros. Mas, nos primeiros meses de 1943, Heinrich Himmler responsável pelos campos de concentração, na qualidade de ministro do Interior do regime nazista ordenou a dissolução definitiva do gueto. Até então, a maior parte dos semitas se opunha à resistência armada, entre outros por motivos religiosos. Porém, quando as últimas deportações em massa estavam prestes a começar, centenas de jovens decidiram lutar. No dia 19 de abril de 1943, as tropas alemãs encontraram resistência inesperada quando entraram no gueto. Os jovens judeus sabiam que sua situação não tinha saída, pois faltavam-lhes armas, comida e apoio. Mesmo assim, resistiram durante três semanas, entregando-se a uma luta renhida. Quando, no início de maio, os nazistas cercaram o quartel dos insurgentes, estes cometeram suicídio coletivo. "Eles queriam poder decidir a forma como iam morrer", explica Zygmunt Stpiski, diretor do novo Museu da História dos Judeus Poloneses em Varsóvia. Para os combatentes do gueto, sua morte era um manifesto político. "Eles queriam mostrar que os judeus são capazes de se defender, que haviam organizado o primeiro de todos os levantes armados contra os nazistas", acrescenta Stpiski. Krystyna Budnicka confirma que essa luta foi um símbolo importante, pois em seguida os judeus de outros guetos menores também se opuseram aos opressores. O ex-ministro do Exterior da Polônia, Wadysaw Bartoszewski, classifica a resistência no gueto de Varsóvia como "um levante romântico", numa referência à determinação desesperada dos jovens revoltosos. Ele diz ter por eles o mais alto respeito e admiração, pelo fato de haverem "preferido morrer com a arma na mão a serem transportados para os campos de extermínio". O próprio Bartoszewski esteve internado no campo de extermínio de Auschwitz e ajudou a organizar ajuda para judeus. Balanço do horror O encarregado da repressão da revolta foi Jürgen Stroop, o comandante da SS, a polícia política nazista. Em maio de 1943, ele relatava que "56.065 foram capturados e comprovadamente liquidados". Apenas poucos sobreviveram entre eles a menina Krystyna Budnicka. Ela sobreviveu nove meses com a família no esconderijo. Em setembro do mesmo ano, seu irmão Rafal conseguiu ajuda para a família junto à organização clandestina Zegota, que salvou muitos judeus do extermínio. Por fim, Krystyna e seu irmão mais novo escaparam do canal. Seus pais e irmã deveriam segui-los, mas os adultos estavam esgotados demais para escalar para fora do abrigo subterrâneo pelas próprias forças. Assim permaneceram na canalização, com a promessa de se juntar aos filhos mais tarde. A segunda filha optou por ficar com eles. Porém, não foi possível realizar uma segunda tentativa de fuga, e os três morreram no esconderijo. Várias famílias polonesas deram guarida à pequena Hena Kuczer até o fim da guerra. De uma delas, ela recebeu o nome Krystyna Budnicka, que manteve até hoje, como única sobrevivente entre os dez membros de sua família. A difícil relação judaico-polonesa A octagenária celebra todos os anos o 19 de abril, junto com um pequeno grupo de pessoas, no Memorial pelos Heróis do Levante do Gueto de Varsóvia. Lá, ela acende uma vela afinal, não existe nenhuma sepultura que ela possa visitar para homenagear sua família. Por ocasião do 70º jubileu da revolta, estão planejados grandes eventos comemorativos. A rigor, Budnicka não gosta de festejos oficiais. No entanto, é com prazer que ela honra a memória das vítimas do gueto. Até porque, na Polônia comunista, havia pouco espaço para relembrar os mortos semitas. Seu papel na história era tratado como tabu, até mesmo instrumentalizado politicamente. Também por isso a própria Krystyna Budnicka silenciou durante décadas. Hoje, tudo está em transformação, as relações judaico-polonesas são discutidas de forma mais intensa do que nunca. No aniversário do levante, convidados de dentro e fora do país prestam honras às vítimas e inauguram, na capital, o Museu da História dos Judeus Poloneses. Ele fica diante do Memorial pelos Heróis do Levante, na região do antigo bairro judaico. Uma vez que os nazistas arrasaram o gueto após a supressão da revolta, quase não sobraram resquícios para recordar os acontecimentos. Terminada a Segunda Guerra Mundial, lá foi construído um conjunto residencial para operários. Para além do Holocausto Não é mero acaso que o museu esteja sendo inaugurado justamente agora: trata-se de um sinal dos novos tempos na Polônia. O país se ocupa de forma cada vez mais aberta com a própria história, e o museu torna a história dos semitas poloneses ainda mais palpável. Também se discutem questões polêmicas, como: por que as vítimas não receberam mais auxílio de fora? Os insurgentes até foram equipados com armas, mas isso não bastou, nem de longe, dizem historiadores e sobreviventes. Eles advertem, no entanto, contra uma visão excessivamente simplista da situação na época, e alertam para que não se esqueça o apoio efetivamente prestado. "Sem poloneses corajosos, eu não teria sobrevivido", resume Krystyna Budnicka. E lembra que ajudar judeus na Polônia acarretava penas mais severas do que em outros países da Europa: não era só quem prestava assistência que corria riscos de ser fuzilado, como também sua família. Budnicka se alegra pelo fato que um grande museu passe agora a funcionar em meio ao antigo bairro judaico, num registro tanto da história nacional dos judeus quanto do levante do gueto de Varsóvia. "O assunto aqui vai além do Holocausto. Trata-se de numerosos judeus que eram poloneses excepcionais, e que há milhares de anos também definem o perfil do país."

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