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Instituto em São Paulo disponibiliza mais de 12 mil documentos sobre Holocausto

17:23 | Jan. 11, 2013
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Histórias dos refugiados do nazismo é contada em vários documentos, grande parte inéditos. Pesquisadora diz que livros didáticos brasileiros omitiam tema e que o Brasil foi conivente com a Alemanha de Hitler. Diários, anotações, fotografias, desenhos de rotas de fuga e passaportes de refugiados e sobreviventes do Holocausto são alguns dos 12 mil documentos que vão ser disponibilizados, a partir de março, pelo Instituto Shoah de Direitos Humanos, em São Paulo. No acervo estão documentos diplomáticos brasileiros, muitos deles ainda inéditos, que explicam a posição do Brasil diante do Holocausto considerada, muitas vezes, de silêncio e de omissão quanto ao apelo de outras nações para salvar o maior número possível de refugiados. "O instituto nasceu pela necessidade de registrar, manter e divulgar os testemunhos de sobreviventes do Holocausto que escolheram o Brasil como sua nova pátria", frisou Abraham Goldstein, presidente da entidade judaica B'Nai B'Rith, que abriga o Instituto Shoah. Pesquisadores e público em geral vão ter acesso ao rico acervo repassado pelo Laboratório de Estudos da Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER) da Universidade de São Paulo (USP) ao Instituto Shoah, que funciona como centro de pesquisa e trabalha em prol dos direitos humanos. Para a coordenadora do LEER-USP e membro da comissão fundadora do instituto, a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, a partir desse acervo é possível ampliar o círculo de conhecedores, reescrever parte da história da intolerância e tirar do anonimato esses personagens até então desconhecidos tanto para o Brasil quanto para a história contemporânea do Holocausto da Europa, visto que o Holocausto não é um fenômeno político que diz respeito apenas à Alemanha. "Essas histórias de sofrimento, insegurança e determinação dos que se arriscaram, lutaram e superaram a tragédia para contar a experiência de vida têm um grande valor não apenas para a história, como também para a memória dos atuais e futuros descendentes", frisou Goldstein. Livros didáticos brasileiros omitiam Holocausto No início de suas pesquisas, na década de 1970, Carneiro constatou que os livros didáticos de história do Brasil silenciavam questões referentes ao Holocausto, tratado como um tema secundário no contexto da Segunda Guerra Mundial, e não como genocídio singular, na categoria de crime contra a humanidade. "Além de não receber a atenção dos historiadores exigida pelo tema, desconhecia-se também a postura do governo brasileiro diante da tragédia que atingia os judeus na Europa", frisou Carneiro. Mas foi a partir da década de 1970 que a historiografia brasileira, por meio das pesquisas desenvolvidas por Carneiro, tomou conhecimento da documentação existente nos arquivos brasileiros e passou a produzir material científico sobre o Holocausto e sobre os judeus que buscaram refúgio no país. Brasil foi conivente De acordo com suas pesquisas, a historiadora afirmou que o Brasil, entre 1937 e 1945, foi conivente com as ações da Alemanha nazista. "Uma delas é exatamente a edição de circulares secretas impedindo a entrada dos judeus refugiados, tema debatido desde 1933 nas inúmeras assembleias da Liga das Nações e comitês pró-refugiados." Com o avanço das pesquisas, a historiadora foi percebendo que o Brasil, em vários momentos, silenciou diante do apelo que as grandes nações fizeram para salvar o maior numero possível de refugiados do Holocausto. O país não assumiu uma posição humanitária, de solidariedade aos vários grupos perseguidos pelos nazistas e países colaboracionistas. Segundo alguns historiadores, o país inclusive ficou "em cima do muro, apartidário". Mesmo assim, os refugiados conseguiram vistos para o Brasil, na condição de turistas ou como católicos, salvos por irmandades religiosas e associações judaicas. Outros entravam de forma clandestina, com passaportes e nomes falsos. Por essa razão, é difícil contabilizar o número de refugiados judeus que desembarcaram no Brasil. Dezenas de relatórios de diplomatas brasileiros em missão na Alemanha e países ocupados já estão disponíveis no site do Arqshoah (link abaixo), projeto que foi incorporado pelo Instituto Shoah. Neles eram descritos o cotidiano das cidades onde esses funcionários atuavam e registradas opiniões sobre os judeus considerados um perigo para a composição da população brasileira, que deveria ser "branca e católica". "O governo brasileiro assumiu discursos e ações que endossavam a retórica antissemita da Alemanha. De acordo com minha pesquisa, mais de 16 mil vistos foram indeferidos aos refugiados pelo governo brasileiro, sob a alegação de que os judeus eram perigosos para a 'raça' e a 'segurança nacional'", disse Carneiro. Resgate da memória Para muitos sobreviventes e refugiados do Holocausto e suas famílias, a criação do instituto é importante, principalmente para manter a memória viva sobre o evento histórico para as futuras gerações. "Penso que resgatar a memória da família é uma busca necessária, é uma forma de abordar a perda que marcou toda uma descendência, uma forma de resgatar uma identidade que foi marcada pelo preconceito, exclusão e violência", disse Rosana Meiches, psicóloga e pesquisadora do projeto Arqshoah/LEER-USP. Ela contou a história de seu pai, o polonês Kiwa Kozuchowicz, que foi levado, no início da Segunda Guerra, para um campo de trabalhos forçados na própria Polônia e depois na Alemanha. Os demais membros da família foram levados para um campo de concentração e nunca mais se teve notícia deles. Com o fim da guerra, Kozuchowicz emigrou para o Brasil. Irene Gebhardt Freudenheim, também judia refugiada no Uruguai e no Brasil, contou a história de seu marido, Fritz Freudenheim que ainda garoto, aos 12 anos, desenhou a rota de fuga que ilustra esta reportagem. Através de um mapa confeccionado a bordo do navio Jamaique, em 1938, marcou sua "jornada" em direção ao Brasil. No ano de 2000, o mapa passou a fazer parte de exposições do setor educacional do Museu Judaico de Berlim. "Vejo a história do meu marido, assim como a dos meus avós e familiares, como uma peça de museu, mas viva e palpitante. Para mim, ter nascido na Alemanha em 1932, de pais judeus e ter sobrevivido, significa ter herdado uma missão explícita", concluiu. Autor: Fernando Caulyt Revisão: Francis França

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