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Trânsito de São Paulo deve ser discutido com população, diz especialista

06:42 | 26/08/2012
Especialista defende planejamento de longo prazo para desatar o nó do trânsito paulistano. Não basta apenas desestimular o uso do carro, é preciso criar alternativas, como um transporte público eficiente e de qualidade. Com o crescimento econômico brasileiro, a frota de veículos da metrópole de São Paulo, que soma 7 milhões de unidades, não para de crescer. E com ela, os problemas no trânsito, principalmente os acidentes e os engarrafamentos. Em recente visita à capital paulista, o professor Michael Schreckenberg, especialista em Transporte e Trânsito da Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha, teve várias surpresas ao vivenciar o caótico trânsito da cidade. O professor afirmou, em entrevista à Deutsche Welle, que não basta só desestimular o uso do carro com a criação, por exemplo, do pedágio urbano. Deve-se, também, oferecer alternativas para a população, como a oferta de um transporte público de qualidade. DW Brasil: Que impressões o senhor teve ao visitar a cidade de São Paulo? Michael Schreckenberg: Primeiro que São Paulo, como sexta maior metrópole do mundo, tem um sistema de transporte que abre mão completamente dos trens. O Brasil inteiro não usa trens. Em São Paulo há só um pequeno trecho de bonde e um pouco de metrô. Com o crescimento da economia, uma grande parte da população tem carro, fazendo com que a malha viária existente simplesmente não suporte a quantidade excessiva de veículos. Outro detalhe é que as condições das ruas são extremamente ruins. Em muitos casos não se pode nem mesmo alcançar a velocidade máxima permitida por causa dos enormes buracos. Mas notável é principalmente o trânsito de motos à margem da legalidade. Quando há congestionamento, deixa-se uma faixa para os motociclistas, na qual eles voam a 50 quilômetros por hora. Trocar de faixa é extremamente perigoso, basta alguém abrir uma porta para acontecer um grave acidente. Eu estive na Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo e conversei com o responsável. A média é de 1,5 motociclista morto por dia, São Paulo tem 1.400 mortos no trânsito por ano. Na Alemanha, um em cada seis mortos no trânsito é motociclista. Em São Paulo, é um em cada três. Quais são os possíveis motivos por trás desses problemas? São Paulo tem cerca de 10,6 milhões de habitantes, e a região metropolitana, cerca de 20 milhões. São 7 milhões de veículos e mais de 800 novos licenciamentos por dia. Não existe um organismo certificador como o TÜV na Alemanha, há apenas um controle das emissões de gases poluentes. Há vias principais sem acostamento, e há muitos casos em que o carro estraga e fica parado, gerando engarrafamentos justamente porque os veículos não são controlados e certificados. A malha viária cresceu sem planejamento. Falta, por exemplo, algo como as autoestradas alemãs. As estradas principais não têm primazia, como no caso da Alemanha. De forma que não há uma ligação única e eficiente. São necessárias poucas, mas eficientes vias principais. Assim, muitos problemas surgem por causa da estrutura da malha viária. Qual seria o caminho mais fácil para resolver o caos em São Paulo? Sugeri o pedágio urbano, mas isso não iria funcionar do ponto de vista político porque, como me disseram, os consumidores brasileiros já arcam com muitos custos. Há muitas famílias que, pela primeira vez, podem comprar um carro. Se fosse instituído um pedágio urbano, isso geraria enormes protestos. Eu abordei esse assunto, mas ele é politicamente polêmico, porque assim se iria dividir a população entre aqueles que ganham mais e os que ganham menos. Justamente agora, nessa fase de prosperidade, isso não é desejado. Quando se institui um pedágio urbano, muitos passam a usar o sistema público de transportes. Mas, em São Paulo, praticamente não existe essa opção. Por isso também não seria uma solução definitiva. Neste ponto, é necessário trabalhar em conjunto com a população, para que as opções também sejam aceitas. Planos que simplesmente surgem numa prancheta não funcionam. Há uma solução de longo prazo? A médio e longo prazo eu sugiro a implantação do transporte sobre trilhos. Basta ver quantas pessoas podem ser transportadas por um sistema de trens eficiente. Há países que não possuem um sistema de trens, como Israel. Lá, tudo é feito por ônibus. No Brasil, os ônibus desempenham um papel semelhante. Mas numa cidade tão densamente povoada como São Paulo, isso não funciona. A densidade é muito alta: há 2.500 pessoas por metro quadrado. E se houver um carro para cada três pessoas, há uma densidade de veículos que é inviável. A médio prazo, é necessário um sistema público de transporte sobre trilhos. Falta uma integração entre ônibus e metrô que funcione? O primeiro problema é que o tempo de viagem com os ônibus é extremamente longo. Segundo, andar de ônibus é mais caro do que ter uma motocicleta. Os motociclistas têm nenhuma vontade de embarcar em um ônibus lotado. Como solução, deve-se pensar em conexões efetivas de transporte na área metropolitana. Em São Paulo, soluções para o trânsito são planejadas de acordo com o tráfego atual. Mas, sinceramente, elas deveriam ser de acordo com o as estimativas, quer dizer, do tráfego que será gerado no futuro. E quanto a proibições? Não se pode apenas proibir. Devem ser oferecidas alternativas para as pessoas que vão ter desvantagens com essas medidas, tais como um sistema efetivo de ônibus ou outra possibilidade de transporte não tão caro. Não há quase nenhuma comunidade de motoristas na internet, por exemplo , onde seja possível organizar caronas para o trabalho ou para viagens. O que aconteceria é que, com essas medidas, as atuais categorias seriam divididas em poucas outras e, assim, poucos carros ficariam proibidos de circular. Mas isso iria favorecer os ricos, pois eles têm condições de comprar mais de um carro e teriam cada carro com final de placa diferente [para trafegar todos os dias, sem restrições]. Esses são alguns métodos. Isso não é para acomodar o tráfego atual, mas devemos nos perguntar: o que acontecerá em cinco anos? Quais são as suas sugestões? Primeiro é necessário resolver o problema das motocicletas. Isso é importante do ponto de vista da segurança. Eu defendo a criação de uma faixa exclusiva para os motoqueiros. Já foi disponibilizada uma rua paralela para o trânsito de motocicletas, porém do outro lado do rio, o que era desfavorável para os motoqueiros. Eles protestaram por dois dias e a ideia da faixa exclusiva foi abandonada. Deveria ser implantado um sistema de inspeção anual de carros. Na Europa foi definido que os carros deve ser revisados pelo TÜV todos os anos. No Brasil você não precisa ir nunca ao TÜV. Por isso muitos carros quebram. Está comprovado que muitos acidentes acontecem quando se tenta sair de um congestionamento. A pessoa pensa: "agora posso ir!". No Brasil a faixa de pedestres também não desempenha um papel como na Europa. Ou seja: o motorista não para quando o pedestre atravessa a rua. Na Europa há cada vez mais os chamados espaços integrados, onde todos os participantes do trânsito dividem o mesmo espaço e todos devem levar o outro em consideração. Isso faz com que as tensões desses "encontros" sejam aliviadas. O transporte público, para ser aceito, tem que oferecer um certo conforto para seus usuários. Tente imaginar a Europa sem o transporte sobre trilhos, ela teria uma aparência completamente outra. Na Europa, quando embarco num trem regional, ele é confortável. Se uma oferta como essa é disponibilizada, haverá uma aceitação correspondente. Se tenho dinheiro para comprar um carro, então vou querer dirigi-lo. Ele é um símbolo de status. E, dessa forma, é muito difícil motivar os donos de carros a usar o ônibus ou o trem. Nesse ponto é necessária uma mudança de atitude. Há dez anos já se deveria ter imaginado como seria a situação hoje. Atualmente, 50% da população mundial vive nas grandes cidades. Em 2020, serão 60%. O processo de crescimento dessas metrópoles não para. Por isso é importante para São Paulo planejar como vai ser a cidade em 2025. A população deveria ser mais cooperativa? As pessoas deveriam se comportar de forma mais cooperativa no trânsito. Infelizmente, andar de carro não significa ser cooperativo. As pessoas ficam muito diferentes quando estão ao volante. Eu fiquei impressionado com a paciência com que a população aguenta os congestionamentos. Há pouca agressividade. Na Alemanha isso é muito diferente. Se alguém tenta ganhar espaço, logo buzinam. Eu fiquei realmente impressionado que em São Paulo haja essa convivência tão humana [no trânsito]. Autor: Fernando Caulyt Revisão: Alexandre Schossler

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