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Golpistas e rebeldes desestabilizam Mali perante passividade do governo

07:15 | 06/06/2012
A democracia do Mali já foi elogiada no passado. Mas, após golpe militar de março, indefinição sobre quem manda no país acirra a crise. Enquanto isso, grupos rebeldes no norte se aliam. Tombuctu a cidade mais conhecida do Mali, na África já está há muito tempo nas mãos dos rebeldes, tal como Gao e Kidal, localidades menos conhecidas. As milícias tuaregues e os rebeldes islâmicos estão às portas de Mopti. O antigo destino turístico no centro do país foi apelidado de "Veneza do Mali" por causa dos seus muitos canais. Nestes locais do norte do país já tomados pelos rebeldes, os habitantes estão sujeitos à lei islâmica, a Sharia: bares e música ao vivo não são permitidos, as mulheres devem se cobrir e quem rouba se arrisca a ter a mão direita cortada como punição. Já se teme que o Mali se torne uma versão africana do Afeganistão, sem solução à vista. É precisamente a Sharia que está no centro das discussões que impedem uma coligação entre a organização tuaregue o Movimento Nacional para a Libertação de Azawad (MNLA), e o grupo rebelde islâmico Ansar Dine, afiliado da rede terrorista Al-Qaeda no Magreb Islâmico. O MNLA não tem uma orientação religiosa e rejeita a adoção da Sharia. Na semana passada, as negociações chegaram a ser declaradas fracassadas, mas acabaram sendo retomadas no sábado (02/06). Tuaregues querem Estado independente O representante do MNLA, o coronel Ag Bouna, negou que as negociações tenham sido interrompidas: "Trata-se apenas de um protocolo com o qual o MNLA não estava de acordo", disse à DW. "O MNLA quer um Estado democrático e o Ansar Dine luta por um Estado islâmico. Mas estamos procurando um acordo". Os tuaregues lutam pela autonomia no norte do país e querem o seu próprio Estado, que denominam Azawad. Cerca de 1,5 milhão de pessoas do grupo étnico vivem em vários países da África Ocidental. Mas eles não estão sozinhos no norte do Mali: há também os fulani, os songhai e outros grupos que não têm necessariamente as mesmas ambições dos tuaregues. Por isso, o MNLA precisa do apoio do Ansar Dine. Já o Ansar Dine necessita, por seu turno, do MNLA para que não seja visto apenas como uma extensão da Al-Qaeda no Magreb Islâmico. Governo não reage aos avanços rebeldes no norte As negociações entre os tuaregues e o Ansar Dine acontecem enquanto o governo do Mali está preocupado consigo mesmo e com a hospitalização do presidente interino Dioncounda Traoré em Paris, depois de ele ter sido atacado por manifestantes. Desde o golpe militar de 22 de março, que derrubou o então presidente Amadou Toumani Touré, não está claro quem pode reagir aos separatistas: se os golpistas liderados por Amadou Haya Sanogo, ou se o governo de transição do primeiro-ministro Cheikh Modibo Diarra e do chefe de Estado ausente Dioncounda Traoré. Charlotte Heyl, especialista em assuntos sobre o Mali, diz que o país enfrenta "uma crise muito grave, certamente a mais grave desde o início do processo de transição democrática". E acrescenta: "É muito preocupante não haver um plano claro do governo". Segundo a especialista, o Executivo em Bamaco deveria iniciar negociações com as forças rebeldes do norte o mais breve possível para pôr fim à crise, independentemente de qualquer intervenção militar promovida pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental. Quem é o interlocutor certo? Alassane Diarra, jornalista político do jornal maliano L'Indépendant diz que, o governo em Bamaco deveria contatar o grupo rebelde islâmico Ansar Dine: "Ao contrário dos tuaregues, eles não querem uma divisão do país. Enquanto, depois dos ataques, o movimento tuaregue ergue a sua própria bandeira, o Ansar Dine ergue a bandeira do Mali". Diarra está também preocupado que as aspirações de independência do MNLA possam levar a uma crise não só no Mali, mas também em toda a região. Os objetivos do movimento ultrapassam as fronteiras do país: "O MNLA quer a independência de todo o grupo étnico na região de Azawad. Esta região não se limita ao Mali, inclui também Níger, Burkina Faso e Argélia". Diarra teme o alastramento da crise. Quanto mais o Estado do Mali decai e a crise toma conta da região, mais os criminosos e os terroristas podem se aproveitar da situação para traficar drogas, contrabandear armas e sequestrar pessoas. Uma nova Somália? O historiador francês e especialista em temas africanos Bernhard Lugan lembra o potencial de conflito implícito na região: "Há três Azawad ao mesmo tempo. Uma Azawad tuaregue no noroeste do rio Níger, uma Azawad moura a oeste do rio Níger e uma Azawad que engloba diversos povos ribeirinhos". Assim, uma região ou província Azawad seria, ela própria, dividida, o que contribuiria para uma maior fragmentação do país. A especialista Heyl acredita, no entanto, que ainda é cedo para afirmar que o Mali será uma nova Somália, país que vive sem governo central e em guerra civil há duas décadas, desde a queda do ditador Mohamed Siad Barre. "O Mali passou por um período de 20 anos de relativa estabilidade, havia instituições democráticas e certas práticas não se perdem totalmente do dia para a noite". Segundo a pesquisadora, é preocupante que haja um bloqueio em Bamaco e que não se negocie com os diferentes grupos do norte. "Mas eu ainda não consideraria o Mali um caso perdido", afirma Heyl. Autora: Dirke Köpp (gcs) Revisão: Roselaine Wandscheer

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