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Brasil da Rio+20 vive mais contradições ambientais que Brasil da Eco92

06:10 | 04/06/2012
Nos 20 anos que separam as duas conferências, país anfitrião ficou mais rico e consolidou democracia. Pauta na Rio+20 também reflete contradição entre a necessidade de crescimento e a urgência da preservação no Brasil. O Brasil que recebeu a Conferência da Terra em 1992 vivia tempos difíceis. O país enfrentava uma situação econômica penosa, com inflação altíssima, endividamento público e desemprego crescentes. Nas ruas, estudantes pediam a renúncia de Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito por voto direto após 20 anos de ditadura militar. Duas décadas mais tarde, o anfitrião da Rio+20 se apresenta como candidato a líder global, tem a sexta maior economia do mundo, tirou 28 milhões de brasileiros da pobreza absoluta e proporcionou a entrada de 36 milhões na classe média. O consenso é que o país evoluiu. Agora, o Brasil vive uma das maiores contradições da atualidade, que é justamente o tema central da conferência de 2012: a necessidade do crescimento e a urgência da preservação. "Precisamos preservar nossos recursos naturais, combater o desmatamento na Amazônia, e estamos tendo sucesso em várias dessas políticas. No entanto, precisamos melhorar a qualidade de vida das pessoas, garantir o acesso a água e saúde, e trabalhar a questão energética", pontua Volney Zanardi Junior, do Ministério de Meio Ambiente, em entrevista à DW Brasil. Embora o Produto Interno Bruto per capita tenha saltado de 4 mil para quase 6 mil reais nessas duas décadas, o Brasil ainda não faz parte do seleto grupo de nações com desenvolvimento humano "muito alto": na lista de 187 países considerados pela ONU, o país aparece em 84º. Vinte anos de caminhada Em 1992, ninguém no poder em Brasília agia para criar uma política que aliasse as questões social, ambiental e econômica. "O debate ambiental era um espaço de resistência a um movimento de desenvolvimento econômico muito predatório", lembra Zanardi Junior, que representou a prefeitura de Porto Alegre na conferência daquele ano. Jacques Marcovitch, ex-reitor da Universidade de São Paulo e professor atuante, ajudou a organizar a Eco92. Ele reconhece que, de lá para cá, o país se equipou com uma rede engajada na busca de aquisição de conhecimento formada por empresas, universidades e sociedade civil. "Mas não foi feito o suficiente diante do tamanho dos desafios", avalia. Um desses desafios é visível principalmente nas regiões urbanas: os gargalos criados pela ocupação desordenada, a frota crescente de veículos que congestionam as cidades, a poluição e a produção industrial pouco eficiente. O outro é mais remoto e está ligado à preservação das florestas, ao avanço da fronteira agrícola e da ocupação humana. "Normalmente, os países têm só um desses dois desafios, mas o Brasil faz parte do grupo de poucas economias emergentes que precisa lidar com os dois", comenta Marcovitch. Ameaça de retrocesso e porões escuros do Brasil Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, opina sobre o avanço mais notável. "Podemos celebrar o aumento da consciência dos brasileiros. As pessoas do Brasil passaram a ter uma visão muito mais comprometida com os problemas ambientais e sociais do que há 20 anos", disse à DW Brasil. Embora o país tenha implantado medidas de sucesso que conseguiram conter o desmatamento e outras ilegalidades nas últimas duas décadas, o risco de regredir no processo de evolução ronda o anfitrião da Rio+20. "Paradoxalmente, agora o Brasil vai receber mais de 190 países num clima de ameaça de retrocesso das suas leis para proteger florestas, biodiversidade e populações indígenas", diz Marina, referindo-se à polêmica aprovação do Código Florestal. O chefe da Campanha Amazônia, do Greenpeace Brasil, manda um recado para o público estrangeiro: "O discurso do governo brasileiro na Rio+20 é de país modelo que está em processo acelerado de desenvolvimento e que, ao mesmo tempo, preserva o meio ambiente. Mas esse Brasil tem porões escuros onde a luz da opinião pública não chega, e onde ainda há pessoas que vivem em situações de Idade Média", acusa Paulo Adário. Ele se refere à exploração ilegal de madeira na Amazônia, uso de mão de obra análoga à escrava em carvoarias que abastecem os altos-fornos de empresas siderúrgicas e que, por sua vez, exportam a matéria-prima do aço, o ferro gusa, para montadoras do mundo todo. Rio+20 e o problema de foco "Há 20 anos, ou bem antes, dizia-se que o Brasil era o país do futuro. Parece que um pouco desse futuro chegou agora", avalia Zanardi Junior. "Sabemos que a questão econômica e social estão interligadas, e que a preservação ambiental é parte desse processo", acrescenta. Essa conexão, que começou a ser feita na conferência de 1992, é correta, avalia Jacques Marcovitch. "No entanto, o que se percebe agora é que o tema da exclusão, da erradicação da miséria passou a ser colocado como prioridade em relação às preocupações científicas na área ambiental", critica o pesquisador o foco do debate na Rio+20. Marcovitch adverte que a ciência começou a mostrar, há mais de 200 anos, que o aquecimento global, causado pelas emissões de gases estufa é arriscado demais para a humanidade. "Cada vez mais está confirmado que o efeito estufa é provocado por um conjunto de gases que estão se acumulando na atmosfera." E o mundo não pode perder de vista essa problemática. "Os temas sociais estão se sobrepondo ao tema ambiental [na conferência Rio+20]. E isso não deveria acontecer. Se não, as gerações futuras não terão tempo hábil para resolver o problema", adverte Marcovitch. Autora: Nádia Pontes Revisão: Augusto Valente

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