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A UnB e o sistema de cotas nas universidades brasileiras

08:07 | 18/05/2012
A Universidade de Brasília foi a primeira federal a adotar o sistema de cotas para o ingresso de negros e pardos, em 2004. Até hoje ele é polêmico entre professores e alunos. E os cotistas reclamam de preconceito. Uila Gabriela Cardoso está no terceiro semestre do curso de psicologia de uma das mais prestigiosas universidades públicas do Brasil. Ela tem 19 anos e quer trabalhar com saúde mental e psicanálise depois de formada. Uila Gabriela seria mais uma psicóloga em formação não fosse o fato de ela pertencer ao grupo de 6.403 alunos que, desde 2004, conseguiu uma vaga na universidade pelo polêmico sistema de cotas. Desde então, 1.239 pessoas já se formaram. A Universidade de Brasília (UnB), onde Uila estuda, foi a primeira universidade federal a adotar o sistema, que reserva um percentual de vagas para estudantes negros ou pardos. O projeto começou a ser discutido ainda em 1999, motivado por um caso encarado como discriminação de um estudante negro na pós-graduação em antropologia. O professor José Jorge de Carvalho era, na época, orientador do aluno e ajudou-o a contestar uma reprovação considerada discriminatória. "Resolvemos colocar a proposta de cotas como uma forma de dar uma resposta política ao caso dele, porque ele foi o primeiro aluno negro no doutorado de antropologia em 20 anos e foi reprovado logo no primeiro semestre. Em 20 anos, ninguém havia sido reprovado", conta o professor. O caso que ficou conhecido como Caso Ari, em referência ao nome do aluno motivou o início das discussões sobre o sistema de cotas da UnB, ainda em 1999. Hoje 20% das vagas dos cursos da universidade são reservadas a estudantes que ingressam pelo sistema de cotas, após passarem por um vestibular específico e depois do aval de uma comissão, que atesta que o candidato é de fato negro ou pardo. O coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB, professor Nelson Inocêncio, diz que o processo de discussão não foi fácil. "Vários colegas entendiam que essa era uma questão menor. No Brasil, muitos acham que o grande problema social é a pobreza." Apesar disso, o modelo se espalhou e, hoje, 125 instituições públicas de ensino superior adotam algum tipo de ação afirmativa, beneficiando pessoas de classes menos favorecidas da sociedade. Em 51 delas há cotas para negros. Além da raça, outros critérios comuns são renda e formação em escola pública, segundo um levantamento organizado por José Jorge. Ele coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, que mantém um banco de dados sobre o tema e atua como uma espécie de observatório das ações afirmativas no Brasil. Critério subjetivo De acordo com o modelo de admissão adotado pela UnB, ao se inscrever, o candidato declara que é negro ou pardo, mas é pela análise de uma foto que uma comissão interna dá o parecer final. Esse modelo de admissão foi alvo de duras críticas ao longo dos anos. Para os críticos, existe uma parcela de subjetividade na determinação da raça de uma pessoa. José Jorge também diz que o processo de admissão é falho. Mas, para ele, o sistema adotado não é ideal porque a decisão final não cabe ao candidato, mas a uma comissão. Segundo ele, isso "despolitiza o processo", uma vez que a pessoa "não é mais responsável pelo que ela mesma assumiu. Nesse caso você transfere a validação da sua identidade para outras pessoas". Ele argumenta, porém, que qualquer sistema de política pública em grande escala tem uma margem de erro. A questão da subjetividade no critério de raça estava presente também na ação ajuizada pelo partido Democratas (DEM) no Supremo Tribunal Federal (STF). O DEM alegava, entre outras coisas, que a falta de um critério objetivo para definir quem de fato tem direito a entrar pelo sistema de cotas levaria a uma situação de segregação e não de inclusão, já que a falta de objetividade daria margem a erros e julgamentos subjetivos. O STF rejeitou a argumentação e, por unanimidade, considerou o sistema de cotas constitucional. A advogada Wanda Maria Gomes Siqueira, representante do Movimento contra o Desvirtuamento do Espírito da Política de Ações Afirmativas nas Universidades Federais e do Instituto de Direito Público e Defesa Comunitária Popular (Idep) diz que "o problema não é a reserva, mas o critério". O modelo ideal, segundo ela, deve priorizar o critério renda que é o adotado pelo ProUni (Programa Universidade para Todos), que oferece bolsas de estudo em universidades particulares para estudantes de baixa renda e impedir favorecimentos por parte dos servidores públicos que têm essa decisão nas mãos. "O momento histórico [por que passa o Brasil] tem que ser acelerado, mas com a mão no freio para evitar que os agentes públicos pratiquem atos de improbidade à sombra da autonomia das universidades e à sombra dos programas de ações afirmativas", argumenta. Inocêncio concorda que a renda é um critério válido, mas afirma que ela é insuficiente para determinar todas as modalidades de exclusão da sociedade brasileira. "A classe social explica muita coisa, mas não explica tudo", diz. "Se você é pobre, é excluído. Se é pobre e negro, sofre uma dupla exclusão", completa. Dificuldades de quem é cotista Apesar de o sistema de cotas já ser amplamente conhecido e aceito na UnB, os alunos cotistas ainda enfrentam uma série de dificuldades. Na avaliação de Ivair dos Santos, coordenador do Centro de Convivência Negra espécie de núcleo de apoio aos cotistas a principal delas é arcar com os gastos com alimentação e a compra de livros. "O custo de vida aqui é alto. O estudante tem que comprar livros e se alimentar, então a questão é como você colabora com os alunos para garantir o mínimo de sobrevivência", diz. Por meio dos programas de iniciação científica da universidade e dos projetos de extensão oferecidos pelo Centro de Convivência Negra, os alunos têm a oportunidade de receber bolsas de estudos. Uila Gabriela avalia que, além das dificuldades para custear os estudos, o aluno cotista precisa também sobreviver num ambiente que ela qualifica de racista e excludente. A estudante, que é engajada na luta pela igualdade racial, diz ter ajudado muitos colegas a lidar com o problema. Segundo ela, muitos não assumem ser cotistas e têm vergonha de ter entrado pelo sistema de cotas. Para José Jorge, o que falta é um trabalho pedagógico e político no ambiente acadêmico. "Há, ainda, por parte da comunidade universitária, certa resistência, porque a política de cotas não é uma unanimidade. Alguns professores ainda não a aprovam", diz o professor. Autora: Ericka de Sá, de Brasília Revisão: Alexandre Schossler

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