Especial "Crimes na Capitania" mostra a violência do Ceará de 250 anos atrás
Reportagem acessou documentos históricos para recontar casos de violências denunciadas na capitania do Ceará Grande, dos séculos XVIII e XIX, do Brasil ainda colônia de Portugal
08:00 | Out. 19, 2025
Histórias de violências cometidas no Ceará de dois séculos e meio atrás, de um Brasil regido sob as leis de Portugal. Este é o mote da reportagem especial "Crimes na Capitania", que O POVO+ publica em três episódios a partir desta segunda-feira, 20.
De crimes sexuais a brigas pela retirada de cerca de uma propriedade. O defloramento de uma jovem sob a promessa de casamentos ou o furto de animais de criação. A disputa por um escravo ou o crime de morte por encomenda. As mulheres eram as vítimas que mais despontavam nos registros. Os crimes contra o patrimônio também tinham grande incidência.
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Por dois meses, o repórter especial Cláudio Ribeiro investigou a narrativa dos ilícitos denunciados nos séculos XVIII e XIX, nas vilas da capitania do Ceará Grande. As ocorrências eram descritas nos autos de querelas, os documentos que funcionavam como peça judicial inicial.
São os registros oficiais mais antigos disponíveis sobre o relato de crimes da época. Os documentos são 100 anos mais velhos que o próprio Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
A análise das denúncias dos autos de querela ajudam a decifrar raízes de problemas atuais como o machismo, a violência doméstica, o racismo, a intolerância a populações negras ou indígenas e judeus, os crimes sexuais e agressões contra as mulheres.
O caso mais antigo encontrado é de 1777, a disputa de dois senhores por um escravo. Um deles denunciou o outro pelo "aliciamento" do jovem, que fugiu de volta para a casa do seu antigo dono.
O sociólogo Marcos Alvarez, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), destaca que os crimes daquele período mostram a sociedade violenta e a dificuldade de firmar um aparelho judicial eficiente.
A dificuldade de acesso à Justiça era notória, principalmente pelas distâncias entre as vilas e a atuação itinerante de ouvidor e escrivão que colhiam os depoimentos dos querelantes.
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"O desafio é tentar entender como, mesmo mexendo todas as peças, o resultado do jogo continua o mesmo. E essa violência que sempre vai para os mais vulneráveis", destaca Alvarez.
O material analisado contou com a ajuda do professor Expedito Eloísio Ximenes, pós-doutor em filologia, na tradução dos documentos. Ele é paleógrafo, estudioso de escritas antigas e o principal pesquisador dos autos de querelas cearenses.
A consulta aos autos de querelas foi feita tanto em documentos originais como em traduções feitas em publicações acadêmicas. Os livros estão no acervo do Arquivo Público do Ceará e no Memorial do TJCE.
Encontro de pesquisadores cearenses discute o registro de violência em documentos antigos
Nesta segunda e terça-feira, 20 e 21, a violência como conteúdo de documentações antigas será tema de dois encontros na Universidade Estadual do Ceará (Uece): o I Fórum Cearense sobre Violência em Documentos Históricos e a X Jornada Itinerante de Filologia e Linguística (JIFIL).
A programação de palestras e mesas-redondas será realizada no Centro de Humanidades da Uece, no Campus Fátima. Os encontros são promovidos pelo Grupo de Pesquisa Práticas de Edição de Textos do Estado do Ceará (Praetece) e pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em História e Letras (PPGIHL).