Construtora diz que vai recorrer da condenação por demolição da Chácara Flora

Responsáveis pela demolição da Chácara Flora devem pagar R$ 3,7 milhões de indenização pela destruição do imóvel. A área, que já foi patrimônio histórico de Fortaleza, permanece inutilizada e fechada

A Chácara Flora, datada de 1898, era considerada a última das tradicionais chácaras do bairro Benfica, em Fortaleza. O terreno, na rua Marechal Deodoro, ainda ocupa parte do quarteirão do Centro de Humanidades I, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Apesar de seu inegável valor histórico, o casarão foi demolido em 2011 pela Prefeitura de Fortaleza e pela Construtora Douglas, mesmo estando sob tombamento provisório.

Na última sexta-feira, 7, o Ministério Público do Ceará (MPCE) divulgou que os responsáveis pela demolição foram condenados por danos morais coletivos. Ao todo, as partes devem pagar indenização de mais de R$ 3,7 milhões. As quantias deverão ser destinadas ao Fundo Estadual de Defesa de Direitos Difusos (FDID).

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Antes adotando o nome Construtora e Incorporadora Douglas LTDA, atualmente a empresa responsável pela demolição adota o nome CDT Incorporações. A Justiça determinou que a empresa deve pagar o valor de R$ 1.1 milhão, por irregular autorização do poder público para a demolição

Questionada pelo O POVO, a Construtora declarou que “está convicta de seu Direito, não concorda com a sentença e irá recorrer da decisão”, disse em nota.

Já o município de Fortaleza deve pagar o valor de R$ 2,2 milhões, o dobro do estipulado para a Construtora, dado o elevado dano ao patrimônio cultural do município. Já os três agentes públicos que autorizaram a destruição do imóvel foram condenados a pagar o valor de R$ 150 mil.

O POVO também procurou a Procuradoria Geral do Município (PGM), que informou que a demolição da Chácara Flora não foi realizada na atual gestão, "tendo ocorrido em 30 de dezembro de 2011, e os funcionários que deram o aval para a demolição do imóvel não fazem parte do quadro de trabalhadores do executivo municipal".

A gestão municipal destacou que não foi oficialmente intimada em relação à sentença em questão. "Após o comunicado oficial da Justiça, serão tomados os devidos recursos previstos por lei", conclui a nota.

A Chácara Flora abrigava um casarão que combinava elementos urbanos e rurais típicos do final do século XIX, com influência europeia, característica da expansão da cidade. O imóvel, também construído com materiais oriundos da Europa, possuía área construída de 469 m², encravado em um terreno de 2.346 m.

Conforme o Ministério Público, antes da demolição, a Secultfor já havia avisado a Secretaria Executiva Regional IV (SER IV) que a chácara estava em processo de tombamento, o que exigia autorização da Secultfor para qualquer intervenção.

Um mês depois, porém, dois servidores, Luiz Gonzaga Ferreira Neto e Jonas Gadelha Cavalcanti, autorizaram a demolição. O então chefe da SER IV, Estevão Sampaio Romcy, mesmo sabendo da irregularidade, levou 27 dias para agir e tentar impedir a demolição.

O MPCE também destacou que a Construtora Douglas havia sido notificada em julho de 2011 sobre o início do processo de tombamento do imóvel, mas, mesmo assim, prosseguiu com a demolição, que ocorreu em em 30 de dezembro de 2011.

Como está a Chácara Flora atualmente?

Passados 13 anos da demolição, a área da Chácara Flora permanece inutilizada e completamente fechada. Os dois portões de grades de ferro que permitiam a visão para o terreno agora estão completamente fechados, vedados com cimento.

Com grande fluxo de veículos e razoável de pessoas, em especial moradores e alunos da Universidade, são poucas as pessoas que param para reparar no muro de cimento irregular que um dia abrigou uma das construções mais antigas da Cidade.

Morando há 45 anos de frente para a Chácara Flora, Amadeu Junior ressalta que sabe pouco sobre a propriedade, mas se recorda que a última pessoa que viveu na Chácara era idosa. Ela morreu e os herdeiros decidiram vender para a Construtora”, conta.

Desde que o imóvel foi demolido, em 2011, Amadeu diz que quase nada foi feito no terreno. “Um tempo depois de demolirem eles fecharam as entradas. De noite, principalmente, pessoas entravam para fazer coisas ilícitas. Mas faz quase 10 anos que não vejo movimentação aí”, diz o morador.

Conforme explica Marcos Paulo Sá, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFC e pós-graduado em Direito Público Material, quando um bem é totalmente demolido e não há viabilidade de restaurá-lo, como ocorreu com a Chácara Flora, a única solução legal possível é a indenização financeira pelos danos causados.

“O procedimento busca avaliar não só o dano material, mas também o imaterial, o valor afetivo, histórico e estético que o bem representava para a comunidade”, comenta.

Em 2022, Marcos pesquisou o caso da Chácara Flora e avaliou a indenização do patrimônio em R$ 4.4 milhões. Com a correção pela inflação, o valor poderia se converter em mais de R$ 6 milhões, quase R$ 2 milhões a mais que o estipulado pelo Ministério Público na decisão mais recente.

Segundo ele, a ideia é justamente garantir uma maior proteção ao patrimônio, desestimulando ações que o prejudicam.

“Há várias ameaças aos patrimônios históricos, como o crescimento desordenado das cidades, o mercado imobiliário, e até o valor de manutenção desses bens. A preservação é um desafio que envolve tanto o poder público quanto a sociedade. A preservação é cara, mas é fundamental para mantermos a história e a beleza da Cidade”, conclui o pesquisador.

Atualizada em 10/9/2024, às 16h55min

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