A arte liberta: exposição reúne peças de artesanato produzidas por ex-detentas cearenses

Projeto ensina mulheres egressas do sistema prisional a produzir itens em palha de carnaúba e crochê como oportunidade para uma nova vida no retorno à sociedade. A iniciativa é do Grupo Mulheres do Brasil Fortaleza com apoio do Instituto Diageo

Para um grupo de doze mulheres egressas do sistema prisional do Ceará, deixar o presídio não trouxe a liberdade que elas esperavam. Mesmo sem a reclusão imposta pela Justiça, elas continuavam presas ao tempo em que tiveram de cumprir suas penas. Pelo histórico carcerário, enfrentaram dificuldades na ressocialização e quase sempre recebiam um não como resposta quando tentavam procurar uma vaga no mercado de trabalho. Tudo começou a mudar em setembro de 2021, quando através da arte, as ex-detentas descobriram que há um caminho promissor para a liberdade que tanto buscavam.

Elas foram convidadas a participar do projeto “Vozes da Liberdade”, que despertou no grupo o talento para o artesanato em palha de carnaúba e crochê. Em seis meses de capacitação, as mulheres aprenderam a confeccionar peças como cestos, bolsas, luminárias, entre outros itens, que compõem a “Coleção Libertar”, apresentada nesta terça-feira, 5, durante exposição realizada na sede da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec).

A ação é uma iniciativa do Grupo Mulheres do Brasil Fortaleza, com o apoio do Instituto Diageo, entidade mantida pela multinacional homônima que promove a agenda em ESG – sigla em inglês para meio ambiente, social e governança. As duas instituições se uniram ao Poder Judiciário do Ceará e recrutaram um grupo de doze ex-detentas do Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa (IPF), localizado em Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza, para promover o reingresso social delas por meio da arte.

De acordo com a líder do grupo Mulheres do Brasil Fortaleza, Annette de Castro, a escolha das participantes do projeto foi feita pelos juízes que acompanharam e julgaram seus casos. “Eles [os magistrados] tinham uma compreensão mais ampla sobre o significado dessa iniciativa para cada uma delas. Geralmente, são mulheres que entraram no sistema prisional por um equívoco da vida, que tiveram bom comportamento ou que estavam em maior situação de vulnerabilidade na saída [do presídio]”, explica.

Durante os meses de capacitação, as egressas tinham aulas semanais com o designer de produtos e artista visual Érico Amorim, um dos maiores nomes do artesanato contemporâneo cearense. Com ele, o grupo aprendeu diversas técnicas e já consegue criar suas próprias peças. O produto da arte, inclusive, já tem destino certo: o e-commerce. Segundo Annette, todas as peças produzidas pelas mulheres são adquiridas pelo próprio grupo Mulheres do Brasil, que revende os produtos na Internet e gera renda para as participantes.

“Todo esse processo só é possível porque nós criamos uma linha de microcrédito para elas. Com isso, a gente empresta o dinheiro para elas comprarem a matéria prima, a gente ensina a arte, por meio do projeto, depois compramos as peças que elas produzem e revendemos. A gente mostra para elas que é possível, sim, se tornar um empreendedor e ganhar a sua verdadeira liberdade através da arte, a liberdade financeira e o orgulho em ter a dignidade resgatada”, afirmou.



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Para Aline Faustino, 33, uma das participantes do projeto, o “Vozes da Liberdade” representou “a luz no fim do túnel”. Depois de passar mais de três anos presa, ela conta que a tentativa de reingressar no mercado de trabalho foi marcada por inúmeras frustrações. “Quando eu saí [da prisão], não tive oportunidades. Procurei emprego mais de dez vezes, todas bateram a porta na minha cara”, lamenta. “Hoje eu já sei fazer bolsa, bordado, um monte de coisa…Fico até pensando que se dentro da cadeia tivesse iniciativas como essa, seria mais fácil as pessoas como eu conseguirem uma segunda chance”, acrescentou.

Antônia Passanha, 41, que também abraçou a mesma oportunidade que Aline, descobriu talento para a arte do crochê. Com linhas e agulhas bem traçadas, ela costura não só lindas peças, mas um novo caminho para a sua vida, após passar quatro anos presa. “Esse projeto, para mim, é muito mais do que uma segunda chance. É uma mudança completa de vida. O que mais me motiva a estar aqui é saber que existem pessoas preocupadas com o meu destino, que eu não estou sozinha e que tenho apoio para fazer boas escolhas”, relatou.

Segundo o Mulheres do Brasil Fortaleza, a primeira turma formada pelo projeto é apenas o plano piloto da iniciativa. A partir de maio, até o fim deste ano, mais cinco grupos serão formados.

Dentro do presídio

Paralelo à iniciativa voltada para as egressas, um outro projeto tem levado capacitação profissional e humana para detentas do mesmo presídio feminino atendido pelo “Vozes da Liberdade”. A ação, que recebeu o nome de “Tecendo o Futuro”, já ocorre há cerca de três anos e é financiada pelo instituto Diageo. Durante esse tempo, mais de 120 detentas foram beneficiadas.

Atualmente, segundo a coordenadora de ESG do Instituto Diageo, Darline Oliveira, outras cinquenta mulheres estão em processo de formação. “Além da capacitação profissional, a gente também realiza a capacitação humana, porque entendemos que deve haver uma formação muito ampla para preparar essas mulheres antes que elas saiam da prisão”, afirma.

A coordenadora ainda destaca que o projeto tem como base dois eixos centrais: empoderamento socioeconômico e ressocialização. “O foco é que elas aprendam um ofício, estejam cientes do que querem e busquem oportunidades para alcançar a emancipação. É um processo que vai muito além de ensinar uma técnica, mas passa por toda a construção de um projeto de vida pós-sistema prisional”, completa Darline.

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