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Redução de infrações de trânsito pode ter influência da suspensão parcial do videomonitoramento, avaliam especialistas

A partir de uma decisão judicial em setembro de 2019, ficou proibida a utilização do videomonitoramento para constatar infrações cometidas no interior do veículo

 

Nos primeiros quatro meses do ano, Fortaleza chegou a ter uma queda maior que 90% em alguns tipos de infrações de trânsito, em comparação com o mesmo período de 2019. Na análise de especialistas, o dado reflete o efeito do isolamento social causado pela pandemia, mas também revela influência da suspensão parcial do videomonitoramento desde setembro do último ano. A partir da decisão, ficou proibida a utilização das câmeras para constatar infrações cometidas no interior do veículo.

A medida judicial afetou, principalmente, a aplicação de multas como utilizar o celular enquanto se dirige e conduzir veículos sem o cinto de segurança. Somente agentes de trânsito passaram a poder emitir infrações como essas, de forma presencial. 

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Conforme a Autarquia Municipal de Trânsito (AMC), entre janeiro e abril de 2019, foram contabilizadas 6.856 infrações de pessoas que dirigiram o veículo manuseando o telefone celular. No mesmo intervalo de tempo neste ano, foram 640 registros da infração na Cidade. A redução percentual foi de 90,6%.

Dados relativos ao mesmo período mostram que 11.579 condutores foram multados por deixar de usar o cinto de segurança no primeiro quadrimestre de 2019. Neste ano, apenas 581 infrações da mesma natureza foram computadas até abril, correspondendo a uma queda de 94,9%.

Em decorrência da pandemia de Covid-19, o fluxo de pessoas e veículos na Capital diminuiu por causa das medidas de isolamento social estabelecidas para tentar conter a disseminação da doença. Durante o lockdown, essa redução chegou a 64% no tráfego, segundo a AMC.

Infrações durante isolamento social

Fortaleza registrou 142.694 infrações entre janeiro e abril de 2020, contra 332.557 em igual período de 2019. Números se referem às principais multas registradas, de acordo com dados da AMC. A queda foi de 57% nas cinco principais infrações de trânsito em comparação com o mesmo período do último ano.

 


Em primeiro lugar, nos dois rankings, está a infração de transitar com velocidade superior à máxima permitida em até 20%, que caiu de 157.029 para 72.835 neste ano. Outros tipos de infrações como avançar o sinal vermelho do semáforo, estacionar em local/horário proibido especificamente pela sinalização ou transitar na faixa ou via exclusiva regulamentada para transporte público coletivo de passageiros também aparecem tanto em 2019 como em 2020. Contudo, em diferentes posições (Ver gráfico).

Foi constatada ainda uma redução significativa no número de acidentes no período avaliado, como mostra o gráfico acima. Entre janeiro e abril do ano passado foram 3.643 acidentes, enquanto neste ano o dado totalizou 1.057 registros.

“Houve redução de todos os tipos de acidentes, com feridos e mortes. A redução dos ocorridos com feridos foi bem maior do que com as mortes. Ocorreu a prática de beber e dirigir, somada com o excesso de velocidade. As mortes que aconteceram neste período estavam relacionadas a essas duas infrações”, afirma o superintendente da AMC, Arcelino Lima.

Suspensão parcial do videomonitoramento

Mesmo considerando a quarentena como fator potencial na queda das infrações autuadas, o advogado especialista em trânsito Rodrigo Nóbrega considera que a suspensão parcial do videomonitoramento também teve sua interferência no dado.

Em setembro de 2019, a Justiça Federal do Ceará, atendendo a uma solicitação do Ministério Público Federal (MPF), determinou que o videomonitoramento não poderia ser utilizado para fiscalizar infrações que são cometidas de dentro do veículo sob o argumento de que haveria violação do princípio da intimidade das pessoas. Diante disso, os órgãos de trânsito em todo País só podem utilizar o sistema de câmeras para identificar infrações de fora do veículo.

O advogado Rodrigo Nóbrega discorda da justificativa que levou à sentença judicial. "A Justiça entende que o veículo é como se fosse uma extensão da nossa residência. Portanto, o órgão de trânsito não poderia invadir essa privacidade. Mas acho que existe outro princípio que está superior a essa questão da intimidade, que é o princípio da da incolumidade pública [evitar o risco coletivo]", aponta.

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Dante Rosado, coordenador da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global em Fortaleza, também acredita que a mudança na fiscalização tenha levado à diminuição dos índices de multas em certos casos. "A maior parte da redução foi em função do isolamento social, mas a suspensão do videomonitoramento para algumas infrações também pode ter contribuído com essa redução", pontua.

Engenheiro especializado em Segurança Viária e mestre em Engenharia de Transportes, Rosado ainda alerta sobre o impacto negativo da suspensão no comportamento dos motoristas. Teme que haja retrocessos. Entre 2015 e 2019, o uso do cinto de segurança havia saltado de 68% para 94% em Fortaleza, conforme pesquisa realizada pela Iniciativa Bloomberg, por meio da Universidade Johns Hopkins, em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC).

O especialista teme que a ausência parcial da fiscalização por meio do vídeo também dê espaço para o relaxamento das pessoas e, consequentemente, mais incidência de posturas de risco. "O videomonitoramento contribuiu muito para essa mudança de comportamento em relação ao cinto. Tirar essa ferramenta vai fazer com que as pessoas, com o tempo, deixem de utilizar o cinto e passem a usar mais o celular, infelizmente", projeta.

Menos capacidade de fiscalização

Para Rosado, a maior dificuldade está no fato de o agente de trânsito não ter a mesma possibilidade de cobertura espacial que o equipamento de vídeo teria. As câmeras de videomonitoramento podem filmar a 400 metros de distância do alvo e aproximar a imagem. Por meio da central de monitoramento, as câmeras permitem ao agente uma visão privilegiada para identificar determinados tipos de infração, o que não é possível presencialmente, com a mesma amplitude.

O advogado Rodrigo Nóbrega observa também que a AMC "não tem capacidade suficiente" para fiscalização, considerando o déficit entre o número de agentes e o de condutores. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Capital cearense contava com uma frota de veículos de 1.098.652 em 2018. "O videomonitoramento é interessante porque ele consegue aumentar a fiscalização sem a necessidade de aumentar a estrutura de pessoal", completa.

O superintende da AMC, Arcelino Lima, discorda que a suspensão parcial de videomonitoramento tenha vínculo com a queda nas infrações registradas. Ele reforça que “a redução está voltada realmente para a questão do isolamento social” e o sistema de vídeo continua em uso para todos os outros tipos de delitos cometidos em ambiente externo ao veículo.

Apesar disso, Lima afirma que a AMC, assim como outras autarquias do País, está recorrendo da decisão judicial. “Quem está fazendo essa fiscalização [em vídeo] é um agente de trânsito, assim como ele faria se estivesse numa via pública. Acatamos o que a Justiça indicou, porém, estamos recorrendo para reverter”, diz. Ainda segundo ele, o videomonitoramento é “um elemento indutor ao respeito da Lei” porque leva as pessoas a cumprir mais a legislação no trânsito.

Investimento em tecnologia

Conforme o superintende, o órgão dispõe atualmente de 384 agentes, distribuídos em turnos e dias da semana, além de 120 orientadores de tráfego para dar conta de uma frota de aproximadamente 1,1 milhão de veículos na Cidade. Lima reconhece existir uma “impressão” de déficit sobre esse dado, entretanto, destaca o investimento em tecnologia para o trânsito em Fortaleza.

Segundo ele, a Capital se diferencia internacionalmente pelo seu parque de fiscalização eletrônica, mantendo um amplo monitoramento para leitura de placas e rede de câmeras, que opera em convênio com o sistema de monitoramento da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). No parque de câmeras da AMC, são 118 equipamentos funcionando. Além disso, Lima ressalta a cobertura promovida por semáforos inteligentes, que fazem contagem do volume de tráfego em tempo real.

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