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460 pessoas com autismo não têm para onde ir com fechamento de casa de atendimento

Casa da Esperança deve R$ 4 milhões em impostos. E, pela lei, a Prefeitura não pode firmar convênio com devedores. Famílias fizeram manifestação em prol da instituição
21:58 | Dez. 21, 2018
Autor Ítalo Cosme
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Ítalo Cosme Repórter
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Tipo Notícia
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Para onde vão nossos filhos? É o questionamento dos familiares de 460 pessoas com autismo atendidas pela Casa da Esperança ao se deparar com o imbróglio jurídico entre a entidade e a Prefeitura de Fortaleza. A entidade deve cerca de R$ 4 milhões em impostos para a administração pública e teve um ano para resolver a situação, mas não conseguiu sanar as dívidas. O contrato emergencial se encerra em 28 de dezembro e os atendimentos serão suspensos até que se resolva a situação. 

Em reunião com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), após protesto frente ao órgão para a continuação dos atendimentos, nesta sexta feira, 21, pais e pessoas com autismo saíram com duas propostas. A primeira sugestão é referente à regularização fiscal da Casa da Esperança. Situação sabida desde o início de 2017, a entidade quase foi fechada e teve a oportunidade de resolver os problemas, mas, um ano depois, não conseguiu saná-los. 

A segunda proposição foi de a casa articular outra instituição para assumir os serviços oferecidos. Ou seja, outra pessoa jurídica assumir as responsabilidades fiscais da entidade. Atualmente, a prestadora de serviço às pessoas autistas é uma das maiores referências da América Latina. Cerca de mil procedimentos são realizados diariamente e 460 pessoas recebem atendimentos multiprofissional num só lugar. Do interior do Estado, assim como de outros lugares do País, vêm dezenas de pacientes. 

Enquanto Susy Alves, 35, esperava sentada em frente ao prédio da SMS, no Centro de Fortaleza, para um encontro com representantes da Prefeitura, a 11 quilômetros dali, pacientes e profissionais encerravam as atividades da Casa da Esperança sem a certeza de retorno dos serviços em 2019. Susy é uma das mães com filha beneficiada na casa. Descrente, ela ainda não sabe o que fazer caso novo contrato entre o Município e a entidade não seja renovado.
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“Eu não tenho para onde levar a minha filha. Se a casa fechar, eu não sei como vai ficar o tratamento dela. Eu inscrevi em outras instituições, mas não tem vaga. Tem instituição que não atende pela idade dela”, lamenta Susy. “Ela ficava no cantinho, não se misturava com outras crianças. Ela não falava nada, hoje ela já fala algumas coisas. Ela já deixa a gente abraçar, antes ela não deixava abraçar”. A mãe credita a evolução da filha ao tratamento recebido na Casa da Esperança.
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Junto com Susy, Beatriz Souza, 22, também esperava encontro com representantes da SMS. “Antes da Casa da Esperança, eu achava que era burra ou inútil. Não me encaixava em nenhum grupo. Era excluída. Lá, eu encontrei a comunidade autista, eles enxergam meus potenciais. Elevou minha autoestima. Me ofereceram emprego. Eu vejo meu futuro sendo garantido lá. Eu estudava psicologia, eu estagiava lá. Agora vou mudar para fonoaudiologia. (Se fechar) Muitas pessoas, como eu, vão continuar excluídas porque não vão achar o tratamento adequado”, analisa Beatriz.  

“Todas as mães estão abaladas com isso. É um choque muito grande. Nos vemos em um total desamparo. Um descaso. Até para ir para o meio da rua fazer manifestação é uma dificuldade muito grande. Eu deixo ele aqui para marcar uma consulta para mim, é uma parceria com a casa”, desabafa Blenda de Sousa, 35, mãe de Hiago de Sousa, 19, atendido há 18 anos na instituição. 
 
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Casa da Esperança

Fundadora e atual presidente da Casa da Esperança, Fátima Dourado destaca atrasos, cortes e congelamento dos repasses como as principais causas para a irregularidade financeira. Os repasses do Governo Federal, segundo ela, são os mesmos desde 2008. O valor recebido, afirma, não acompanha o aumento das despesas e dos salários pagos aos profissionais do local.  

“De 2008 até 2018, não houve nenhum aumento no preço dos procedimentos. De tal forma que o dinheiro que a gente recebia para atender os pacientes em 2008, recebemos em 2018, e com atraso, em 2008 mandavam depositar na nossa conta 260 mil reais, recebíamos 30. Se não tivesse havido esses cortes, mesmo assim, a gente estaria com os impostos atrasados. Porque o dinheiro de 2008 a 2018 é o mesmo”, justifica.

De acordo com Fátima, a instituição não tem dinheiro para pagar impostos. “Nós somos contratados para fazer um serviço que o Estado não faz. Nós criamos (a casa) porque o serviço não existia. A casa é respeitada em todo canto. O dinheiro que dão não dá mais para fazer os serviços e pagar impostos. Houve um programa de anistia desse débito, mas foi arquivado”.

SMS

Titular da SMS, Joana Maciel destaca que para haver qualquer convênio entre um ente público e um ente privado precisa existir regularidade fiscal nas três esferas de governo. Sobre a Casa da Esperança, Joana não demonstrou surpresa. “Essa situação não é nova. Nos deparamos com ela desde 2017. Já por entender a importância da instituição, no início de 2017, fomos ao Ministério Público Estadual”. À época, a SMS se deparou com as irregularidades, mas o MP deu o prazo de um ano para que a instituição resolvesse a situação, o que não ocorreu. 

“A gente fica impossibilitado (se fazer repasses) por questões legais. Se houver uma determinação judicial, a gente pode resolver. Nossa expectativa é de que tivesse se resolvido. A gente não tem como conveniar com entidade que não tem regularidade fiscal", frisou a secretária. "Outra ideia é de outra instituição assumir parceria com a Casa da Esperança”, indicou Joana. Dessa forma, a Casa passaria a estrutura para outra entidade, que prestasse o mesmo serviço, para fechar convênio com a Prefeitura. Para a secretaria, é o caminho mais adequado. Assim, ela indica a população atendida não teria prejuízo. 

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