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"Nunca fomos alvos de bandidos, mas fomos vítimas da Polícia", diz esposo de Giselle

Filha da vítima conta que agentes encapuzados, em motos com faróis apagados, dispararam contra carro da família
11:17 | Jun. 16, 2018
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Tipo Notícia
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Em segundos, mãe e filha viram o carro em que estavam ser seguido por homens em motocicletas pela rua Chico Lemos, na Cidade dos Funcionários. De acordo com a estudante de arquitetura Daniela Távora, 19, sem aviso prévio ou qualquer ordem de parada, um tiro foi disparado. “Achamos que era um assalto, gritei para ela sair dali e me abaixei, eu estava no banco de trás”, disse a jovem nesta sexta-feira, 15, em entrevista ao O POVO Online.
 
Menos de cem metros após notarem o grupo as perseguindo na rua, mais um disparo ocorreu quando elas dobraram na avenida Oliveira Paiva, segundo o relato. A bala estilhaçou o vidro traseiro do Hyundai HB-20 branco em que as duas estavam, passou a centímetro da cabeça da jovem e acertou a universitária Giselle Távora Araújo, 42, nas costas. Na terça-feira, 12, menos de 24 horas após o ocorrido, a mulher não resistiu aos ferimentos e morreu no Instituto Doutor José Frota (IJF).
 
“Não sabíamos que eram motos da Polícia porque a rua estava escura e elas estavam com os faróis apagados, só vimos sombras de homens com armas. Fui ver quem era quando desci do carro e vi os policiais apontando armas para mim”, conta a filha. Ainda segundo ela, os quatro agentes usavam balaclavas (acessório de uso restrito ao Grupo de Ações Táticas Especiais para alguns tipos de operações).
 
“Eles estavam gritando, me mandando descer, apontando armas para mim, me colocaram de joelhos, foi quando falei que tinham atirado numa inocente e minha mãe estava baleada no carro”, relembrou a estudante de arquitetura. Giselle foi socorrida por grupo de paramédicos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) que passava pela avenida. Contudo, a ambulância já estava com um paciente e a mulher foi levada no próprio carro até o IJF.
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Passeio transformado em tragédia
 
Daniela e a mãe tinham saído na noite de segunda-feira, 11, para jantar e conversar. Giselle havia chegado no dia anterior de São Paulo, onde participou de um congresso. Ela já era formada em pedagogia e iria concluir a segunda graduação, em administração, neste mês.“Ela estava muito animada, conheceu São Paulo, visitou muitas empresas lá. Íamos conversar e ela ia mostrar as fotos”, relembrou a filha.
 
Na casa da família, o carro está estacionado na garagem. Na porta traseira, ainda há marcas de sangue. E, no banco do motorista, é possível ver a perfuração da bala que matou a mãe de Daniela. Única irmã da vítima, Rochele Távora lamenta a mudança que a vida da família sofreu desde a noite de segunda-feira, 11. “Saí hoje e não tive como não contar quantos carros iguais ao dela encontrei na rua. E eu nem queria que ela comprasse dessa cor, na época”, relembrou. 
 
[SAIBAMAIS]Erro fatal
 
As informações sobre o caso apontam que policiais militares (PMs) do motopatrulhamento receberam denúncia de roubo de carro e suspeitaram se tratar do veículo dirigido por Giselle, de cor e modelo semelhante. Contudo, segundo ela, o suposto roubo não foi relatado pelos agentes. "Eles só gritavam perguntando porque não paramos, eu estava desesperada, disse que não recebemos ordem de parada, depois eles me mandaram calar a boca e ficar quieta", disse a jovem.
 
Em depoimento, o responsável pelo disparo disse ter tentado acertar o pneu, argumento que também foi rebatido pela filha da vítima. “Entre atirar no pneu e acertar o motorista é uma diferença muito grande”, criticou.
 
De acordo com o próprio secretário da Segurança Pública do Estado, André Costa, “em caso de perseguição, não se deve efetuar disparos”. Em evento na terça-feira, 12, o titular da pasta ainda destacou as dificuldades da profissão dos policiais e afirmou que erros acontecem em qualquer categoria profissional. Também presente, o governador Camilo Santana (PT) pediu rigor na investigação, destacou o treinamento dos agentes no Estado e garantiu que a família de Giselle receberá apoio do Governo
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Assistência
 
Contudo, segundo o esposo de Giselle, Haroldo Araújo, 43, a assistência não chegou até a tarde desta sexta-feira, 15, seja do Governo ou de outras instituições. “Estamos com mais medo da Polícia que de um bandido. Nunca fomos alvos de bandidos, graças da Deus, mas fomos vítimas da Polícia, isso é revoltante. Aí vem o governador dizer que a Polícia está preparada, preparada para quê? Para matar inocente? Ele diria isso se a vítima fosse um familiar dele? É um absurdo”, criticou.
 
Segundo Haroldo, a família irá acionar a Justiça em busca de punição aos responsáveis pela morte da esposa. “Em todo lugar há bons e maus profissionais, a culpa é de quem contrata e entrega uma arma na mão de uma pessoa despreparada. Não há erro maior ou menor, é erro, e nesse mataram uma inocente”, disse.
 
O POVO Online procurou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e questionou a conduta dos agentes. A reportagem foi encaminhada ao Comando da Polícia Militar, que não respondeu os questionamentos até a manhã deste sábado, 16. O caso de Giselle é investigado pela Controladoria Geral de Disciplina (CGD). O órgão coletou imagens da via onde ocorreu a abordagem policial e instaurou inquérito administrativo disciplinar e policial. A CGD ainda informou que o processo tem caráter sigiloso.

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