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Tudo sob controle, mas de quem?

Por Henrique Araújo, jornalista do O POVO
17:18 | Jan. 29, 2018
Autor Henrique Araújo
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Henrique Araújo Repórter Política
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Tipo Notícia

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Depois da chacina das Cajazeiras, outras 13 pessoas foram mortas no Ceará: dez na cadeia pública de Itapajé (a 124 km de Fortaleza) e três no bairro Ancuri, nas proximidades do anel viário. Todas relacionadas à refrega entre facções criminosas, que já havia matado 14 na madrugada do último sábado. São 27 homicídios em menos de 72 horas. Nove assassinatos por dia. É de se supor que as coisas estejam no controle. Mas de quem?

De lá pra cá, como resposta ao massacre das Cajazeiras, o Governo anunciou ações emergenciais que se concentram em três eixos: instituição de grupos de trabalho, integração de polícias e criação de uma unidade de inteligência em cooperação com a PF, além do funcionamento de uma vara especializada em julgar crimes de facções.

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Nenhuma, porém, responde diretamente ao fato mais urgente de que as facções dominam largas faixas de território na Capital e Interior, ditando regras e acossando autoridades do Judiciário, regulando entradas e saídas, chacinando inimigos, determinando posturas e fixando códigos de conduta para os moradores desses lugares. Como um ente paralelo cuja face o Governo, num gesto mais político do que estratégico, custou a reconhecer e, agora, demora também a nomear, como se vivêssemos todos sob uma ameaça fantasma.

Boa parte das medidas empacotadas pelo governo como "força-tarefa" ou já estava em curso ou havia sido prevista pelo "Ceará Pacífico", plano lançado em agosto de 2015 cujas premissas estão corretas (políticas transversais de segurança, saúde e educação), não fosse por um detalhe: o poder crescente de GDE, CV, FDN e suas ramificações não entrou no cálculo dos gestores. Como no filme, o inimigo agora é outro.

Mas que outro? Este não é um passo trivial. Dar nomes é uma instância de reconhecimento fundamental. Sem ela, é impossível operar com clareza qualquer mudança. Se Fortaleza é hoje um tabuleiro de War no qual o gangsterismo mais bárbaro encontrou a beligerância mais cega, fazendo avançar e recuar seus exércitos de jovens equipados com fuzis, o cearense tem todo o direito de saber o que se passa.

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Em ano eleitoral, essa é a dificuldade do Governo. Falar às claras. Admitir o óbvio. Reconhecer. Há uma disputa sanguinária nas ruas na cidade. Um conflito com vítimas, trincheiras e refugiados como nos países conflagrados de regiões alvo de organizações terroristas. O cearense está no meio de uma batalha campal entre grupos rivais que se engalfinham pelo domínio do tráfico.

Em coletiva no domingo, um dia após a chacina, o governador Camilo Santana se irritou ao ter de reafirmar que o Estado não perdeu o controle da situação. Chegou a bater boca com um repórter de São Paulo, encerrando a entrevista. Antes dele, o próprio titular da SSPDS, delegado André Costa, cuidou em afastar essa hipótese, classificando as mortes do dia anterior como "pontuais". Foi traído pela língua menos de 48 horas depois.

A resposta de Costa é infeliz, mas não surpreendente. Afinal, o delegado assumiu a pasta com um cartão de visitas controverso. Em seus primeiros dias à frente da secretaria, o policial disse que, no Ceará, o bandido teria de fazer uma escolha: Justiça ou cemitério. Desde que passou a comandar a Segurança, os números de homicídios dispararam, atingindo marcas históricas. Por enquanto, o delegado tem visto mais pessoas terem sido sepultadas do que levadas a julgamento.

A última vez que um auxiliar direto do governador afirmou que estava tudo em ordem no Estado foi em 29 de dezembro de 2011. Informado de que PMs e bombeiros se reuniam num ginásio na Parangaba, o colaborador palaciano teria minimizado: não é nada com o que chefe tenha de se preocupar. No dia seguinte, os policiais deflagrariam uma greve que mergulharia o Ceará em dias de terror e caos. Exatamente como agora.

Pelo visto, a lição foi esquecida.

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