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O Carnaval de estacionamento e a rua

Espero que a Prefeitura tenha bons motivos (folga coletiva, esquecimento, culpa do estagiário) pra não haver deslocado um contingente de pessoal suficiente pra fazer a segurança, limpeza e ordenamento do trânsito no entorno do Mercado dos Pinhões
13:25 | Jan. 08, 2018
Autor Henrique Araújo
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Henrique Araújo Repórter Política
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Tipo Notícia

Curioso notar o nascimento de um Carnaval de estacionamento, brincado ao modo dos clubes, ao passo em que, do lado de fora, longe dos cercados, das cancelas e das muretas protegidas por vigilância eletrônica, um lugar como o Mercado dos Pinhões, hoje o coração da folia em Fortaleza, é atravessado pela vulnerabilidade.

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Toda cidade vive sempre duas dinâmicas: uma da casa, do privado, e outra da cidade, da rua. O shopping, como uma extensão artificial da esfera doméstica, emulando espaços do habitar, quase sempre sai ganhando quando aposta contra o público - e uma de suas grandes estratégias comerciais é valer-se desse lugar-comum de que ocupar um shopping é mais seguro do que ocupar uma rua.

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São essas as forças que disputam a mobilidade, as energias e as atenções dos brincantes agora na capital cearense. Há demanda pra tudo, defendem uns. Há prejuízo pra rua, postulam outros.  Eu não gosto dos extremos, mas o público, nessas horas, acaba se tornando esse lugar de estrangulamento de impulsos que nascem no contrafluxo, enquanto o privado se reafirma como horizonte de segurança e afetos. É preciso equilibrar essa balança.

Aos montes, os foliões lotaram o mercado. O Glitter é um fenômeno das ruas e das redes. Ainda é novidade. Natural que galvanize os descontentes, os resistentes e os que torcem o nariz quando escutam falar de RioMar ou Iguatemi. Lá, eles inventam uma festa de libertação do corpo, extravasamento, fora de gradis de comportamento e de mesura dos espaços, sem pulseiras que regulem acesso a posições de hierarquia, sem plataformas VIP. É um Carnaval coletivo e pessoal. Uma farra sem o ranço da família, embora muitos pais e mães levem seus filhos à praça.

E é ótimo que seja assim. Folia é boa em todo canto. Numa cidade ainda tão árida, não se há de reclamar que um comércio reserve uma área originalmente voltada aos carros para que a celebração se realize. Tampouco se pode esquecer que a ocupação dos espaços, públicos ou privados, nunca é destituída de uma componente política e social: estar no shopping tem um sentido. Estar na rua, outro.

Espero que a Prefeitura tenha bons motivos (folga coletiva, esquecimento, culpa do estagiário) pra não haver deslocado um contingente de pessoal suficiente pra fazer a segurança, limpeza e ordenamento do trânsito no entorno do Mercado dos Pinhões, no último fim de semana. Mais que isso: com a decisão do Bloco Glitter de cancelar sua participação no Pré – muito responsável, por sinal –, é importante que os gestores antecipem-se a um problema comum em Fortaleza: de tão boa, a festa precisou acabar.

A Cidade precisa desse Carnaval. É nele que estão a vitalidade e a transgressão das lógicas cotidianas e a revolução dos modos de estar no que é público. Acredito que seja possível beber e ser feliz no estacionamento, mas é na rua que a gente se embriaga

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