Mais de um ano após ocupação de imóvel tombado no Centro, famílias aguardam entrega de moradias
Imóvel tombado já apresentava risco de desabamento quando foi ocupado, em agosto de 2016. Secultfor e Defesa Civil confirmam riscos, mas alegam apenas que os ocupantes foram notificados[FOTO1]
A entrada do imponente imóvel, na esquina da rua Coronel Ferraz com a avenida Santos Dumont, é sempre guardada por um dos integrantes da 'Ocupação Manoel Lisboa'. Há mais de um ano, cerca de 150 pessoas se instalaram no local onde já funcionaram as antigas escolas Nossa Senhora de Aparecida e Jesus, Maria e José. A espera do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) pelas unidades habitacionais do Residencial José Euclides, no Jangurussu, resiste junto com as paredes rachadas, algumas escoradas em madeiras, e telhas penduradas dentro dos quartos, salas e cozinhas improvisados.
Sentada no banco de plástico, do lado de dentro do imóvel, Maria das Graças dos Santos, 46, segura chaves e cadeados para resguardar a entrada da edificação tombada. Não teme pela própria segurança, embora saiba que o local tem alto risco de desabamento. Prefere guardar as preces para a causa principal de estar ali: a luta por moradia. "Desde o primeiro dia que eu estou aqui. Vim sozinha, minha família mora no Antônio Bezerra. Eles não quiseram me acompanhar. Aqui, só com fé em Deus, na esperança de ganhar nossas casas", resume.
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AssineConstruído em 1905, o imóvel que passou a abrigar cerca de 40 famílias é tombado pelo Patrimônio Histórico desde 2006. Com outras três construções do entorno - Colégio Imaculada Conceição, Igreja do Pequeno Grande, e a Escola Justiniano de Serpa-, a edificação integra conjunto arquitetônico tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza (Comphic).
O coordenador estadual do MLB, Glaydson Santos, 33, diz que, por questão de segurança, duas áreas foram isoladas, mas não foram registrados acidentes com os ocupantes relacionados à estrutura. “A gente fica nos locais onde a gente sabe que tem segurança, esse prédio aqui, não é a primeira ocupação. Em 2011, fizemos a ocupação e vieram com esse mesmo argumento, mas desde então o prédio está de pé. Claro, que como você está vendo aí, existe algum desgaste nas paredes, desgaste no teto, mas não afeta total”, avalia.
Segundo Glaydson, além das famílias do imóvel no Centro, o MLB mobiliza pessoas nos núcleos de base espalhados pela Capital. "Nós já tivemos reunião com Prefeitura, governo. Logo no começo, tivemos visita da Defesa Civil para ver as condições do prédio", relata. Durante a tarde, apenas os ocupantes aposentados ou desempregados permanecem no local.
As crianças estudam durante o dia, mas são matriculadas com endereço de familiares. É o caso do filho de Sandra Maria Barros, 41. Aos 19 anos, ele trabalha e estuda no bairro Antônio Bezerra, para onde se desloca diariamente de bicicleta. "Antes, eu morava de aluguel, pagando R$ 450 (por mês). Tive que vir, porque preciso da minha moradia. A gente dorme nessa ventania, fica muito atento em isolar os quartos que a gente vê que tem perigo", conta a mãe.
Desde a última visita do O POVO Online, há um ano, o teto da entrada do imóvel ficou ainda mais desgastado. Os cômodos foram cobertos com lonas para evitar as goteiras e até mesmo queda de telha nas pessoas, conforme os moradores. "Caiu o teto, mas sem machucar ninguém. Graças a Deus nunca teve acidente grave", frisa Sandra.
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Moradias
Em 2016, a Secretaria das Cidades informou que possuía acordo para o encaminhamento de 120 famílias do MLB ao Residencial José Euclides, com previsão de entrega no segundo semestre do ano passado. Agora, a secretaria responde que as 150 famílias a serem atendidas, desde o início, foram encaminhadas ao José Euclides Ferreira Gomes. "No entanto, considerando a possibilidade de atendimento de famílias próximo ao bairro Granja Lisboa, o MLB teve 34 famílias atendidas através de encaminhamento pela Secretaria das Cidades, no Residencial Independência II, em 2014", diz, em nota.
De acordo com a Secretaria das Cidades, o restante dessas famílias tem atendimentos diário e "conhecimento que serão enquadradas nos critérios do PMCMV pelo agente financeiro". "As famílias serão encaminhadas para a 2ª etapa do empreendimento José Euclides, tendo em vista que a 1ª etapa fora destinada para as famílias oriundas dos projetos de urbanização Cocó e Maranguapinho. A Secretaria aguarda a entrega do empreendimento pela construtora responsável juntamente com a Caixa Econômica Federal, visto que o empreendimento é do Governo Federal", completa.
Secultfor
Procurada pelo O POVO Online, a Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor) disse ter feito imediatamente após a ocupação uma nota técnica enfatizando as condições e os riscos daquela ocupação. A Defesa Civil também foi ao local, segundo a secretaria, notificando os ocupantes sobre a situação de risco do imóvel. Confira o restante da nota, na íntegra:
“Logo depois, a pedidos da Secultfor, a Procuradoria Geral do Município (PGM) deu entrada em um processo de reintegração de posse que está na 14ª Vara da Fazenda Pública. No parecer de uma primeira liminar dada pela juíza responsável pelo caso, foi determinado que o Município fizesse o cadastro das famílias que ocupavam o local em um programa de habitação e determinava que a Polícia Militar fizesse o plano de desocupação.
Informada sobre a decisão da Justiça, a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) esteve na ocupação, realizando o cadastro das famílias, em uma parceria com a Secretaria das Cidades do Governo do Estado. Essas famílias serão beneficiadas com moradias na segunda etapa do Residencial José Euclides Ferreira Gomes, empreendimento do Governo do Estado, localizado no Bairro Jangurussu. A previsão é que a segunda etapa do residencial seja entregue até o final deste ano.
O projeto de reforma e o plano de uso e ocupação da Escola Jesus Maria José será apresentado pela Secultfor, logo após a desocupação do local".
No contato do ano passado, a Secultfor informou que o imóvel ocupado teria sua restauração contemplada pelo Programa de Valorização e Ampliação da Infraestrutura e Atividade Turística de Fortaleza (Provatur), de responsabilidade da Coordenadoria de Programa Integrado de Fortaleza (Copifor). Também divulgava que o projeto de restauro estava pronto, aguardando a liberação do financiamento. O POVO Online pediu detalhes sobre esse projeto, bem como valor estimado da obra, mas não obteve resposta.
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