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Empresa de ônibus processou 10 vítimas de atropelamento nos últimos seis anos

De 2010 até este ano, pelo menos duas pessoas morreram após acidente com transportes coletivos da mesma empresa, um adolescente e uma idosa. No mesmo período, 345 pessoas com mais de 60 anos morreram atropeladas em Fortaleza
18:33 | Ago. 22, 2016
Autor Rubens Rodrigues
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Rubens Rodrigues Repórter do OPOVO
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Tipo Notícia
Após a morte da senhora Maria do Carmo Rocha Feijó, de 65 anos, atropelada em março último no Terminal da Parangaba, O POVO Online teve acesso ao material fornecido pelo Ministério Público Estadual do Ceará que prova que pelo menos 10 pessoas foram processadas por envolvimento com acidente de ônibus. Todos os casos têm algo em comum: as vítimas, em sua maioria pedestre, foram processadas pela mesma empresa. Conforme a Vega Transporte Urbano, todas as ações contra os pedestres foram retiradas.

Há um mês, a família de Maria do Carmo negocia indenização com a empresa. A Defensoria Pública geral do Estado do Ceará, que acompanha o processo, afirma que as partes ainda não entraram em acordo.

Um dos processos verificados, contra a senhora A.L.S., de 65 anos, aponta que o ônibus realizava embarque em uma plataforma de Messejana quando, após o fechamento das portas e início do deslocamento, a passageira tentou embarcar e caiu entre o meio fio e o coletivo. A irmã da vítima, Teresa Cristina Lopes, de 54 anos, conta uma versão diferente. Ela diz que o ônibus estava parado quando a vítima colocou o pé no degrau para subir e as portas foram fechadas. A idosa teria sido arrastada pelo veículo. Diabética, A.L.S. fraturou o fêmur e o joelho. Dois meses depois foi preciso amputar a perna. Houve audiência de conciliação na última quinta-feira, 11, sem acordo.

A irmã conta que ela morava sozinha e agora precisa de acompanhamento médico e cuidados. "Ela está sendo mantida por mim. Com o dinheiro da minha rescisão comprei barras de ferro pra ela se segurar em casa e auxiliar no banho. Ela tinha uma vida independente", conta. "Hoje, está em cima de uma cama, sem poder sair de casa. Ela ficou com medo de cair, ficou com medo até de levantar da cadeira de rodas. Agora, quase um ano depois, é que ela está conseguindo tomar banho sozinha".

A.S.L. vai ao Hemoce a cada 15 dias para consultas. "Devido a condição dela, apresentou uma anemia que ainda está sendo estudada. A médica acredita que algo mais grave pode estar se desencadeando", diz a irmã. Uma vez por mês ela comparece ao Instituto Doutor José Frota para acompanhar a fratura. Ainda conforme a irmã, a cada dois meses, por causa da diabetes, ela também precisa ir ao Hospital das Clínicas. O processo, retirado pela empresa no fim de julho passado, cobrava da vítima R$ 1.186,60 pelo tempo que a empresa deixou de lucrar com o veículo parado.

Outro caso ainda mais grave aconteceu em 2010. O adolescente A.B.L., de 13 anos, morreu na hora após ser atropelado por um coletivo, na rua Carnaubal, no bairro Jardim Guanabara, no dia 3 de setembro daquele ano. O jovem andava de bicicleta quando foi atingido pelo veículo. O processo contra os pais do menor diz que ele trafegava na contramão. A empresa pediu indenização de R$ 1.808,50 por danos materiais e lucros cessantes.

Conforme o defensor público Tarcísio Miranda Cordeiro Junior, supervisor do Núcleo das Defensorias Cíveis da Fazenda e de Registros Públicos, que acompanha o caso, a defesa foi apresentada em abril de 2013. A juíza da época solicitou à Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) e ao 33º Distrito Policial, das Goiabeiras, a realização do laudo pericial de responsabilidade. Três anos depois, o documento não foi entregue.

“A empresa alegou que o vidro ficou quebrado e houve um amassado no veículo. Segundo os pais da criança, foram os próprios transeuntes que se revoltaram ao perceber a situação e depredaram o ônibus”, disse o defensor. “Tenho 22 anos de Defensoria. Ainda não tinha visto uma situação assim antes dessa família”.

Em nota, a assessoria de imprensa da empresa afirma que “a Vega reviu o procedimento que era indicado pelo jurídico para resguardar os colaboradores e optou por retirar os processos”.

Mortes no trânsito

Casos de idosos mortos por atropelamento em Fortaleza não são isolados. Conforme a Pefoce, por meio da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), 345 idosos morreram atropelados de 2010 a 2016 - 18 morreram só no primeiro semestre deste ano. Em maio último, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio da 19ª Promotoria de Justiça, solicitou à Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania de Fortaleza (AMC) a elaboração de projetos específicos voltados para idosos e pessoas com mobilidade reduzida. Um estudo feito pela ONG norte-americana World Resources Institute constatou, em julho último, que Fortaleza tem taxa de 27,2 mortes no trânsito para cada 100 mil habitantes.

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