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UFC publica nota de apoio à professora acusada de expulsar aluna policial da sala de aula

18:18 | Jul. 23, 2016
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Tipo Notícia
O Conselho do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará (UFC) emitiu nota nesta semana sobre o caso envolvendo uma ex-aluna policial, que processou à instituição alegando ter sido expulsa da sala de aula por estar fardada e portar arma. A universidade foi condenada, na terça-feira, 12 de julho, a pagar R$ 16 mil de indenização à militar.

A ex-estudante do curso de Letras, Emanuele Alves, contou ter sido abordada por três seguranças da instituição e orientada a se retirar da sala de aula por estar fardada e portando uma pistola .40. A diretora do Centro de Humanidades, professora Vládia Maria Cabral Borges, foi chamada por outros colegas sobre o porte de arma da jovem, dentro da sala de aula.

''Instada pelos alunos que se sentiam incomodados com a presença ostensiva de arma de fogo no recinto da sala de aula, portada por uma estudante, a Profª Vládia agiu no sentido de, primeiramente, preservar a aluna de qualquer constrangimento, bem como de manter, como é seu dever, o ambiente de paz e favorável ao aprendizado, dentro do campus que está sob sua responsabilidade como gestora acadêmica'', disse a UFC.

O advogado da Associação de Profissionais da Segurança, Cícero Roberto, defendeu que não havia instrumento normativo elaborado pela reitoria impedindo um aluno de assistir aula fardado e armado. O valor de R$ 16 mil é cinco vezes o valor do salário da policial.

Confira a nota da UFC, na íntegra:

''O Conselho do Centro de Humanidades vem a público para se manifestar sobre episódio que ganhou as páginas dos jornais e as redes sociais nos últimos dias, sobre uma ex-aluna da Universidade Federal do Ceará que processou a Instituição, alegando ter sido constrangida e ter sofrido danos morais. A aluna é militar e assistia à aula portando duas armas de fogo, motivo pelo qual seus colegas interpelaram a diretora do Centro sobre o mal estar causado nestas circunstâncias, havendo a diretora, no mesmo sentido, interpelado a aluna.

O conjunto de professores, servidores técnico-administrativos e discentes que formam este Conselho reafirma o seu respeito pelas instituições públicas do Estado Democrático de Direito, entre elas, a Polícia Militar. E é exatamente por respeitar essas instituições que não podemos deixar de nos manifestar sobre o episódio da ex-aluna.

É princípio desta Universidade e deste Centro de Humanidades o respeito aos direitos constitucionalmente estabelecidos pela Carta Magna de 1988. Nossa Constituição foi forjada sobre o sacrifício de muitos brasileiros e brasileiras que deram suas vidas pela conquista da liberdade e pelo estabelecimento de uma democracia, ante anos de clausura em uma ditadura que deve ser lembrada tão somente para guardarmos o firme propósito de jamais voltarmos a um regime de exceção de direitos.

De tal modo que os professores que fazem da UFC uma instituição que inspira orgulho e respeito na sociedade cearense, por todos os anos que atua na educação superior e pelas ações de formação de novos profissionais que contribuem para a construção de um país melhor, sempre atuaremos no sentido de garantir que sejam cumpridos os princípios da dignidade humana, do respeito ao diferente e de proteção aos excluídos pelos poderes que promovem relações assimétricas entre cidadãos que devem ser, pela lei, tratados de igual modo.

Foi norteada por esses princípios que a Profª Vládia Maria Cabral Borges, diretora do Centro de Humanidades da UFC, atuou no episódio com a aluna. Instada pelos alunos que se sentiam incomodados com a presença ostensiva de arma de fogo no recinto da sala de aula, portada por uma estudante, a Profª Vládia agiu no sentido de, primeiramente, preservar a aluna de qualquer constrangimento, bem como de manter, como é seu dever, o ambiente de paz e favorável ao aprendizado, dentro do campus que está sob sua responsabilidade como gestora acadêmica. Este Conselho partilha do entendimento segundo o qual armas de fogo são incompatíveis com o ambiente de uma sala de aula, e que não é necessário portá-las dentro do campus da Universidade, pois isto gera incômodo e desconforto entre todos. Sabemos que a condução da situação feita pela diretora do CH foi no sentido de que a aluna pudesse seguir com suas atividades em sala de aula e garantir que seus pares, assim como o professor que ministrava aula, se sentissem de igual modo tranquilos para ali prosseguirem. Por esta razão, a Profª Vládia tem o inteiro respaldo deste Conselho de Centro.

Algumas inverdades ditas pela aluna precisam ser esclarecidas:

Não é verdade que a aluna foi expulsa de sala ou do campus. A UFC possui Regulamento que reserva exclusivamente ao Magnífico Reitor a prerrogativa de expulsão de alunos, e não sem, antes, garantir-lhes o direito à ampla defesa. Regulamento este que é estritamente respeitado pelos servidores do Centro de Humanidades.

Também não é verdade que a aluna sofreu represália por estar fardada. A estudante não foi e não será a última policial militar a sentar nos bancos desta Universidade e a frequentar as aulas fardada, sem que com isso seja tratada de forma diferente dos demais alunos. O problema não foi o uso da farda militar, mas o porte das armas de fogo.

É preciso que a sociedade cearense saiba que, dentro dos muros da UFC, e no espaço do Centro de Humanidades, alunos e professores são livres para expressar suas opiniões, desenvolverem o pensamento científico e crítico, que eleva a humanidade e nos conduz à construção de um mundo onde todos podemos expressar essa mesma humanidade, sem sermos tolhidos em tal expressão, garantida pelos direitos universais do homem e pela Constituição de nosso país.

Nós, membros do Conselho do Centro de Humanidades, somos de opinião que os tribunais são necessários à boa ordem social, mas não pretendemos viver em uma sociedade em que as relações entre as pessoas devam, sempre, ser resolvidas em tribunais, sob acusações e reprimendas, sem que garantamos aos atores sociais construir uma sociedade tolerante, na qual os sujeitos possam equacionar os problemas de convivência encontrando modos de interagir de forma civilizada, sem a interferência de tribunais, como vem ocorrendo constantemente na UFC.

É, pois, por acreditar que ainda somos capazes de construir essa sociedade igualitária e plural, que não nos calamos ao vermos a Profª Vládia Borges, atual diretora do Centro de Humanidades, ser constrangida e punida pelo simples exercício de seu cargo. Tampouco, permitiremos que a tarefa nobilitante de formar sujeitos numa instituição de ensino superior seja ultrapassada por quaisquer instrumentos de coerção, que pretendam silenciar a tarefa do professor de promover, dentro de nossa instituição de ensino, o respeito, a tolerância e a paz de que nos fazemos todos credores na atual conjuntura em que vivemos.

Finalmente, se as palavras contidas nesta nota não expressarem a contundência que se faz necessária, ao afirmarmos nossa posição de apoio à professora e à sua conduta neste episódio, que a simbologia da publicação deste texto, nos meios que sejam possíveis, possa deixar clara a veemência com a qual expressamos todo o repúdio a qualquer tentativa de constranger nossos professores no desenvolvimento de sua profissão, dentro dos limites do Estado Livre de Direito em que vivemos.

Membros do Conselho do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará''

Redação O POVO Online

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