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Garoto é repreendido por usar batom vermelho e ganha apoio de colegas

O caso repercutiu nas redes sociais. No Facebook, diversos usuários prestaram apoio postando fotos em que aparecem usando batom vermelho. O POVO Online ouviu profissionais sobre o caso
16:30 | Fev. 19, 2016
Autor Rubens Rodrigues
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Rubens Rodrigues Repórter do OPOVO
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Tipo Notícia

O ano letivo começou de forma mais intensa para um estudante de 16 anos em Fortaleza. O garoto, que teve a identidade preservada, foi às aulas usando batom vermelho. O estudante ganhou a simpatia dos colegas de turma e o estranhamento da própria família.

O caso levou a instituição a se reunir com a mãe do garoto, que proibiu o jovem de usar o cosmético. Segundo relatos, a reunião ocorreu porque o uso do batom incomodou pessoas dentro da instituição.

Como forma de apoio, cerca de 40 alunos do colégio situado no Centro de Fortaleza compareceram à escola usando batom vermelho no dia do aniversário dele. Estudantes de outra instituição repetiram o ato. A mobilização aconteceu no último dia 2 de fevereiro, um dia após a proibição pela mãe.

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O POVO Online conversou com pessoas do convívio do garoto - as identidades serão preservadas. As fontes falaram sobre o comportamento do rapaz, da família e o posicionamento da escola.

Segundo relatos, o jovem já usava batom vermelho antes mesmo da escola perceber o comportamento. O garoto considerava o lugar um espaço livre de preconceitos. 

No último dia 28 de janeiro, ele foi chamado pela coordenação da instituição, pela primeira vez, para uma conversa. Uma semana depois, a mãe foi chamada para uma reunião. Na ocasião, a mãe teria proibido o jovem de usar o cosmético novamente e pediu para ser avisada caso voltasse a ocorrer. 

"O colégio não se pôs nem a favor, nem contra", afirmou uma das fontes ouvidas. "Quem realmente foi contra foi a mãe (dele). Ela reprime qualquer coisa que saia do meio heteronormativo", continuou. A fonte afirmou também que ele gosta de usar coisas do "mundo feminino" porque artigos como roupas e cosméticos "não têm sexo".

Para o POVO Online, a psicopedagoga Maria Lima afirmou que não cabe à escola decidir sobre o que é certo ou errado do ponto de vista comportamental dos estudantes. 

Segundo a psicopedagoga, o colégio foi correto em chamar a família, mas o garoto deveria fazer parte do encontro e emitir opiniões. "Adolescentes nessa situação precisam participar desse diálogo. O garoto não pode ser apenas comunicado de uma decisão porque já tem 16 anos, já tem discernimento. Cada um precisa compreender seu próprio limite". 

Identificação com o mundo 

"É um momento difícil para o estudante porque ele está em formação. É um momento de identificação com o mundo", elucida. "Todo adolescente procura identificação com o meio. Costumamos dizer, na psicanálise, que nessa fase os adolescentes 'esquecem' os padrões ensinados e criam a própria identidade".

Maria Lima lembra que o papel de educar não é apenas da escola, e a família é fundamental no processo. "A escola deve educar, ponderar e informar. É uma problemática grave quando a instituição se depara com uma situação como esta e não tem condições de orientar mais do que já faz", continua.

Experiência de crescimento

A psicóloga escolar educacional Letícia Leite acredita que a instituição de ensino tem a oportunidade de transformar experiências como esta em momentos de crescimento, mas o problema está enraizado. "As escolas tradicionais têm uma influência histórica de modelos, como a escola preparatória para a mão de obra industrial", justificou. "Muitas vezes, o objetivo (das escolas) não é a pessoa que está em desenvolvimento, e sim o conteúdo, o método ou as metas".

A psicóloga explica ainda que o ambiente escolar é rico em diversidade. "A escola deve aproveitar essa riqueza para gerar uma vida com mais experiência (para os estudantes). Quando a gente dialoga com o outro, cresce, constrói conhecimento".

Outro problema apontado por Letícia Leite é o processo de culpabilização relacionado ao "fracasso escolar" - quando o aluno não se adequa ao meio - iniciado nos anos 1980. "Esse 'fracasso' é uma produção coletiva. Nessa situação (de culpa) todos perdem. Para o estudante, o batom tem um significado puro. Para as pessoas que se incomodaram, isso tem a ver com suas próprias questões".

Compreensão 

A psicopedagoga Maria Lima afirma que o ideal em uma situação como esta é procurar ajuda profissional para a família. Tratamentos de psicoterapia e psicanálise podem ajudar o garoto e os pais a compreender o que está acontecendo para evitar mais conflitos.

A profissional explica ainda que a pressão da família pode gerar problemas. "A família deve se adequar à forma de tratá-lo, com terapia, conversa ou aceitação do comportamento. A família também precisa compreender. É necessário um equilíbrio".

 

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