PUBLICIDADE
Notícias

Crônica: meu cotidiano Dia Mundial sem Carro

Ao longo do Dia Mundial Sem Carro, comemorado no dia 22 de setembro, O POVO Online publica uma série de crônicas sobre as várias formas de estar e se movimentar pelo mundo

14:57 | 22/09/2015
NULL
NULL

Kelly Hekally
Repórter do O POVO

Meu primeiro Dia Mundial Sem Carro conscientemente pensado começou bem cedo. Na verdade, ele começou beeem mais cedo que o habitual. Acompanhada da minha Nalu - carinhosa forma como minha bicicleta é chamada por mim, pela família e pelos amigos - desci com intensa pedalada a rua Heráclito Graça em direção à avenida Bezerra de Menezes para comemorar a data que há alguns meses tem sido motivo de espera acompanhada de expectativas. Boas expectativas.

Era tudo calmaria no centro da Cidade - à exceção do momento em que o motorista de ônibus que, por não considerar a importância do respeito aos que dividem o espaço público, tirou a conhecida e violenta “fina” de mim. Passou. Ele, graças a Deus, passou. O vento frio no rosto, o mesmo que sinto diariamente no meu trajeto casa-trabalho-faculdade-casa, seguiu me sugerindo que as próximas horas iam ser maravilhosas. E foram. Ao chegar onde eu e amigos decidimos tomar o café da manhã que simbolizou a felicidade de ser apenas mais um dia para nós, o encontro com aqueles que podem ser considerados guerreiros. Sim. São Josés, Franciscos, Gustavos, Marias e Luizas que carregam há 5, 10, 15, 20 anos a leveza de serem deixados levar pela magrela. Trabalhadores da construção civil, donas de casa. "Hoje em dia, chego no meu trabalho cantando", disse-me um. "Em plenos 50 anos de idade, estou cheio de saúde", disse outro ciclista urbano, que muito provavelmente por omissão do poder público não sabe o peso social e transformador que, com sua conduta de escolher um modo de locomoção alternativo, carrega há tempos.

[SAIBAMAIS3]Bem: a magrela que me levou ao local em que eu experimentaria pela primeira vez essa sensação maravilhosa é a mesma que me trouxe ao trabalho, no Benfica. Nas ruas, uma pitada menor de hostilidade. Graças à comemoração de hoje? Acredito que não. Graças sim à resistência que todos os dias as pessoas convencidas de que a rua (inclusive no sentido literal) é lugar de convivência harmônica entre os que, de qualquer modo que seja, transitam nela. Seria também fruto de ciclofaixas, ciclovias? Bem: eu diria que até elas são consequências dessa ideologia acrescida da coragem que muitos têm para enfrentar a lógica autoritária imposta verticalmente aos cidadãos. Mais tarde um pouco, vou seguir contente e satisfeita ao trampo da tarde. E depois? Aonde eu quiser. Tem horário? Para mim, não. Tenho medo? Meu histórico e o dos colegas me fazem acreditar que não devo ter. Tem motivação? Sim! É com a Nalu que tenho vivido momentos de redescoberta da cidade, das pessoas (lindo demais conversar por 30 segundos com quem nunca vi ou mesmo cumprimentar alguém com sorriso e olhar).

Orgulho? Tenho orgulho demais de ter encontrado outras faces de mim mesma, que sou responsável pelas pedaladas minhas de cada dia. Uma vez, quando passei a ser melhor remunerada no trabalho, uma colega me disse "Êba! Agora, a Kelly compra um carro". Olhei para ela, até com olhar agradecido, e respondi. "Não. Eu já tenho carro". Sim! Eu volto da balada de bicicleta. Sim! Eu faço passeios com meus filhos de bicicleta. Sim! Eu tenho sim vivido os melhores momentos da minha vida de bicicleta!

TAGS