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O POVO entrevista presidente da Funasa

20:00 | 21/03/2015
O presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Henrique Pires, estava no Ceará participando das discussões do III Pacto Nacional do Programa Água Doce. O programa visa o estabelecimento de uma política pública permanente de acesso à água de boa qualidade para o consumo humano. Em visita ao Grupo de Comunicação O POVO, Henrique Pires e o superintendente do órgão no Estado, Regino Pinho, falaram sobre as ações da Funasa no Ceará e os trabalhos desenvolvidos no País em relação a saneamento básico e abastecimento de água.

- O que é o projeto Água Doce?

A gente tem, no Semiárido, muitos poços que foram perfurados, que têm baixa vazão, e tem uma contribuição muito grande dos sais das rochas. Você não está perto do litoral, onde você tem poços com quantidade de água maior e mais potável, menos composta por sais que saem da própria rocha. Em 2003, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) lançou este programa para aqueles poços que estão abandonados, que a comunidade não tinha condições de extrair água potável dele. O primeiro levantamento deu uma quantia de três mil poços nessa situação. Já existe dinheiro nas contas de todos esses estados para que toquem a fazer. O programa é com os Estados, quem comanda ele é a Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente.

Pega o poço subutilizado e faz o estudo dele para saber se colocando o dessalinizador, ele poderá gerar água em quantidade suficiente que atenda a comunidade. Mas é preciso ver a vazão, porque não basta ter água se a vazão dele for baixíssima, aí não tem lógica fazer essa instalação. Era um orçamento que estava perdido. O governo paga, o ente federado paga e você não vê utilidade. Se puder fazer toda essa reavaliação, você está pegando aquele orçamento que foi “perdido” e fazendo ele ter uma utilidade na comunidade. Muitas vezes é a única água potável para beber naquela região.

Em 2011, o projeto saiu de uma coisa menos abrangente, no MMA, e foi incluso no Programa Brasil Sem Miséria. Aí ampliou: entrou Funasa, a ANA (Agência Nacional de Águas), Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Houve uma potencialização do programa.

- Como a Funasa atua do programa Água Doce?

A gente tem uma expertise no trabalho que foi colocado à disposição. A Funasa tem laboratórios móveis, que fazem a análise da qualidade da água, no próprio município. No Ceará, são 12 laboratórios móveis. Pode se deslocar ao interior, vê a qualidade da água e já tece recomendações às prefeituras. A Funasa tem quase 50 anos e temos o maior corpo técnico do governo federal na área de saneamento, quantidade de engenheiros, de técnicos, de equipes de saúde ambiental.
Os municípios que não têm corpo técnico, não têm engenheiros, arquitetos, e nem conseguem desembolsar quantias para elaborar um projeto bom. Hoje, nós estamos com meio bilhão na Funasa contratando projetos em todo o País.

- As cisternas também são uma das opções para amenizar os efeitos da estiagem?

Naquela população dispersa, onde tecnicamente e financeiramente não consegue fazer uma adutora de 4, 5,10 km para levar água para uma casa, tem aquela cisterna. Um programa grande de cisternas que entra o Ministério Da Saúde, DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), Funasa... Todos participam com sua contribuição fazendo a cisterna.

Eu, como engenheiro e caboco, sei que o cidadão vive com a cisterna quando é o jeito. Porque se você analisar... Passe lá, quatro meses vivendo de uma cisterna. Um caminhão pipa cabe 8 mil litros de água e uma cisterna comporta 16 mil litros. Então você teria que dar duas viagens num caminhão pipa para abastecer uma cisterna, se não tiver chuva para encher. É a última situação. A gente ainda não inventou algo que seja mais prático, mais confortável para a população, além da cisterna. Então, por enquanto, a presidente está investindo na distribuição de cisternas.

- A qualidade da água tanto dos carros-pipa quanto das cisternas é um dos problemas. O que provoca a contaminação?

Nós temos vários entes que trabalham com a questão da cisterna. Existem os caminhões pipas do Exército, onde está o Governo Federal direto, com a responsabilidade sobre a água que está sendo carregada e levada para as cisternas. Nada impede que o município ou Estado contratem outros caminhões-pipa, mas a gente não sabe onde a água é coletada.

Só que na hora que a confusão aparece e existe a contaminação, a ‘paulada’ só cai pra quem atua mais, que é o Governo Federal. Isso inclusive é uma discussão nossa e com o Palácio e Casa Civil, discutindo como a gente consegue, além de dar o suporte necessário, que os entes Município e Estado consigam proporcionar a mesma qualidade da água que o Exército consegue.

Pode chegar numa cidade do interior, ver o que o caminhão comandado pelo Exército, o padrão dele, e vê aquele caminhão, que um município lá do interior, que o próprio prefeito contratou. Onde é que está captando essa água? Como é o manuseio dessa cisterna? Basta uma contaminação, quando distribui a água em latas, então já está tudo contaminado. Infelizmente, nós estamos no quarto ano de seca e está a dependência cada vez maior disso.

- Como monitorar a qualidade do líquido distribuído?

O Ceará tem um histórico de barramento d´’agua, você vê os grandes açudes que tem, o Castanhão e o Orós. Você tem a questão da transposição (do Rio São Francisco), o canal (do Trabalhador), os técnicos e estudiosos, da Cagece, que tem um programa interessante, o Sisar (Sistema Integrado de Saneamento Rural), que ajuda muito nessa questão da qualidade da água, da quantidade da água...

Há pouco tempo veio um pessoal da Etiópia aqui para ver como funciona. Tem um secretário de saúde (Carlile Lavor) que tem uma experiência vasta nessa área de prevenção, inclusive há tempo, nós estávamos num grande trabalho de capacitação dos agentes comunitários de saúde, que estão na ponta, para orientar e deixar a população mais íntima com as cisternas e o manuseio da água. Com apoio do governo federal nessa questão de convivência com a seca.

- Houve redução dos casos de doença de Chagas. Qual a situação atual no Ceará?

As casas de taipa têm diminuído. Mas o problema cultural ainda é grande. Você pega, por exemplo, um assentamento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), têm várias casas de alvenaria. Mas um mês depois de instalado, a pessoa faz um puxadinho de taipa. Daqui a pouco parece que um arquiteto que foi lá, num projeto que tinha que ter a alvenaria e a taipa. Só vamos ter um jeito para tentar chegar a erradicação, se a gente conseguir fazer Ministério da Saúde e o Ministério das Cidades tiverem um foco, uma determinação, para que o Minha Casa,Minha Vida, foque essas éreas endêmicas. Porque aí você tem um up grade nessas casas.

- Essa ação em conjunto ainda não acontece?


Não, a gente já tentou, mas ainda não foi. Tive uma conversa há cerca de um mês com a secretária Inês Magalhães (secretária da Habitação do Ministério das Cidades), para que a gente retomasse isso. Só a Funasa, hoje, nós temos um levantamento de pedidos (de casas de alvenaria) que dá um bilhão. Número defasado. Hoje a gente não tem como dar uma resposta, sendo bem franco, de um prazo, de orçamento, para poder resolver essa questão.
Mas eu digo sempre que não adianta a construção e a troca. A Funasa faz todo o domicílio, não trata só da casa. Se tem uma casa de bode junto, faz.... A recuperação é total.

- Todo município precisa ter um plano de saneamento básico elaborado e a Funasa tem importante papel nessa demanda. Qual a situação cearense?Fortaleza, por exemplo, tem pouco mais de 50% de cobertura de saneamento, como o senhor analisa esse percentual?

A Funasa é um dos órgãos que mais financia a construção (de aterros) e a recuperação caminhões compactadores. Dá apoio aos catadores. Nós temos um programa chamado Cataforte, onde estamos repassando recursos para 400 cooperativas em todo o país, para dar condições dignas e, dentro da norma, para que o catador possa fazer essa recuperação (do resíduo) com esteiras e prensas.

De 2007 para cá, a Funasa não atua mais em capitais, está com o foco de municípios do interior com até 50 mil habitantes. Existe um corte: G1 (cidades acima de 200 mil), G2 (cidades entre 50 e 200 mil) e G3 (até 50 mil). A gente fica com esse G3. Hoje nós falamos com o prefeito de Itapajé, ele está fazendo o esgotamento da cidade sem gastar um tostão, com recursos de R$ 6 milhões. Campos Sales tem R$ 20 milhões para o sistema de abastecimento d’água. Em Caririaçu, estamos com R$ 13,5 milhões para o abastecimento d’água. Em Cariús são R$ 9 milhões. Cruz levou R$ 10 milhões para fazer o esgoto, pode ser que seja quase todo. Icapuí está levando 17 milhões para fazer esgoto e Jericoacoara, no dia 25 de fevereiro, inauguramos obra de abastecimento de água para 330 famílias.
Em andamento, hoje, nós temos 550 milhões em 288 convênios. É carteira da Funasa hoje no Estado.

- A falta de saneamento acaba afetando também os recursos naturais, principalmente os mares e lagoas.

Na verdade, o saneamento tem que ser prioridade. Sendo bem redundante, é importante estrada e todo tipo de construção. Mas a ação mais importante de todas, que Hipócrates, 400 anos AC, que era o pai da Medicina, dizia que o cidadão quando chegasse numa comunidade, tinha que ver a qualidade da água que o povo bebia para ver a qualidade da saúde. Naquela época, as pessoas não sabiam o que era resíduo sólido, banheiro. Quando os aglomerados começam a crescer foi quando surgiu essa preocupação com doenças e o saneamento tinha que ser primário.

Onde o governo gasta mais dinheiro? Federal, Estadual e Municipal? Primeiro com a folha de pagamento, depois com saúde. A OMS (Organização Mundial de Saúde) é taxativa: cada valor que você investe em saneamento, você economiza mais de cinco vezes os gastos com saúde. Então se você não tem orçamento, vamos investir onde reduz o gasto. Você pega um lago de em Genebra, o entorno dele é fossa e sumidouro, e é de lá que se tira água para poder abastecer. Um sistema bem feito, não tem tanta aglomeração e dá para funcionar.

Nós não podemos partir do pressuposto que toda cidade tem que ter um sistema coletivo de esgotamento sanitário, porque ele nem se mantém. Aquilo ali custa dinheiro.
O cidadão paga R$ 115, R$ 120 em uma grade de cerveja num fim de semana, gasta quatro caixas, dá R$ 500. Mas não quer pagar a conta d´água. Quantos cartões de crédito de celular uma casa gasta? Mas água não, tem que dar, não tem isso de conta. Se pudesse acontecer sem esse custo para a população, perfeito. Pode? É impossível, não tem como, não se sustenta. Então é a conscientização grande que precisa ter.

- O prazo para eliminação dos lixões já foi expirado mais de uma vez. Qual a situação dos municípios?

Desde o dia 12 de agosto de 2012, o governo federal não passa nem um real para município que não tenha um plano de resíduo. E pela lei atual,a partir de janeiro, quem não tiver um plano de saneamento básico não recebe nada para saneamento.

- Sobre o aumento dos casos de dengue, qual o apoio que poderia ser dado pela Funasa?


Nós não temos pernas. Nós temos hoje 3.300 funcionários distribuídos por 27 unidades. Três mil funcionários que são cedidos aos municípios e estados, 12 mil aposentados e 15 mil pensionistas. Nós estamos precisando é fazer concurso. Nós podemos dar sugestões, agora operar não tem como.
- Sobre a situação do sarampo. Os casos no Ceará poderá tirar o mérito de erradicação da doença nas Américas....

A Funasa, desde quando estou lá, tem foco no saneamento e saúde ambiental. Temos hoje convênio com órgãos, temos vários cursos de capacitação para quem opera Etas (Estações de Tratamento de Água) e Etes (Estações de Tratamento de Esgoto). Hoje financiamos 1.600 planos municipais de saneamento básico, que ajuda na saúde. Todas essas doenças, não só a dengue, mas todas que a falta de saneamento contribuiu. Para dengue, um dos maiores problemas é a falta de drenagem. Todas as ações nossas de saneamento ajudam a combater essas doenças ocasionadas pela não existência ou má condição de salubridade em virtude de equipamentos de saneamento.

- Nessas capacitações, como é trabalhada a questão da perda de água tratada. O Ceará tem uns dos menores índices do País, mas ainda é de 36%.


Temos cursos de capacitação para perdas. Instruindo municípios e estados para que os operadores trabalhem a redução da perda da água que é tratada. É absurdo. No Brasil, a cada 10 litros d’água que se trata, se perde quatro. No Amapá, de cada 10, são sete. No Japão são apenas 2%.

No Ceará ainda é bom, abaixo da média. Imagina de cada 10 reais que você ganha, rasgar três? Então é preciso ter muito foco na gestão.
A gestão dos sistemas é outra coisa que a Funasa foca. Não é só você implantar o sistema, precisa treinar os operadores para que não haja desperdícios, que as pessoas tenham água na constância necessária, com qualidade e em quantidade.

SAIBA MAIS
- De acordo com o superintendente da Funasa no Ceará, Regino Pinho, 43 municípios cearenses têm planos de saneamento básico em finalização ou em andamento. Conforme ele, alguns prefeitos reclamam da demora de licenciamento ambiental por parte da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace).

- Ele acrescentou que um levantamento está sendo feito para saber quantas casas de taipa ainda existem no Estado.

- Regino destacou que comunidades quilombolas são prioridades nas ações executadas pelo órgão.

- Sobre a participação da Funasa no combate à dengue, o superintendente afirmou que o órgão pode ajudar na capacitação e treinamento de pessoal para ações.
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