'Sem vacinação em massa não saímos desse problema'

Após a queda de 4,1% no PIB no ano passado, o Brasil deve começar 2021 com nova retração, segundo o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. O economista avalia que, com o descontrole da pandemia da covid-19, a atividade deve voltar a recuar no primeiro trimestre deste ano. "O governo foi negligente com a vacinação, está expondo as pessoas a morrerem na linha do tiro. Isso tudo derruba o PIB. A perspectiva é de contração no primeiro trimestre."

Para ele, o único modo de reverter essa tendência a partir do segundo trimestre é acelerando a imunização da população. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia o resultado do PIB?

Do lado da oferta, os resultados dos setores de serviços e da indústria saíram como esperado. A indústria teve uma queda menor e os serviços, mais afetados pelo afastamento social, uma queda maior. A surpresa veio do lado da demanda, composta por gastos do governo, consumo das famílias e formação bruta de capital fixo (investimentos em maquinários e peças, por exemplo). O consumo contraiu como a gente imaginava, mas teve um aumento grande da formação de capital fixo. É isso que quero comentar. Muita gente vai julgar que isso foi bom, mas praticamente todo o aumento veio da importação de bens de capital, de uma massiva importação da Petrobrás de plataformas de petróleo.

Houve um desaquecimento na economia no fim do ano passado e este ano começa difícil, com a pandemia acelerando. O que podemos esperar para 2021?

Eu calculei a renda per capita do País. Como a população cresce, a renda per capita hoje está 2,9% abaixo da do último trimestre de 2019, quando começou a recessão da covid. Com relação ao início da recessão de 2014, estamos 9,4% mais pobres. A menos quem ganhou no mercado financeiro, que está mais rico. O resto da população está mais pobre. A segunda coisa, estamos vivendo um ciclo econômico diferente de todos que o País já viveu, porque temos a pandemia. O governo negou essa pandemia o tempo todo. Tem um presidente que manda tirar a máscara. Estamos com uma segunda onda de contágio que é uma coisa apavorante. E isso não chegou ao fim. A pandemia faz com que as pessoas que tenham juízo e que podem se fechem em casa. Isso reduz o PIB. Quem tem juízo, mas não pode se fechar porque tem de sair para trabalhar não é inconsciente, é alguém que tem de continuar ganhando algo para sobreviver. Essas pessoas estão sendo empurradas para a frente da batalha. O governo foi negligente com a vacinação, está expondo essas pessoas a morrerem na linha do tiro. Isso tudo derruba o PIB. A perspectiva é de contração do PIB no primeiro trimestre. Só não consigo adivinhar de quanto. Não sei sobre o segundo trimestre. Mas, lembrando que a população cresce 0,8% ao ano, se a queda do PIB no primeiro trimestre for só de 1%, vamos chegar ao segundo trimestre com uma renda 4,1% abaixo da de 2019. Essa é a perspectiva que temos.

O sr. vê alguma saída? Alguma medida governamental que possa socorrer a economia?

O que os países que têm estadistas na presidência estão fazendo é acelerar a vacinação. O Joe Biden está comprando tudo que é vacina para os Estados Unidos. Os países da Europa estão fazendo a mesma coisa. Quando não se tinha vacinação, os países fizeram lockdown. Nós estamos hesitando em fazer lockdown, apesar das mortes na rua. A gente precisava acelerar a vacinação. Isso é o mais importante de tudo. Não adianta vir só com auxílio emergencial e blablablá de que somos liberais. Se não vacinar, não saímos desse problema.

Como avalia a deterioração das contas públicas e o impacto na economia? O governo planeja novo auxílio emergencial. Qual deve ser o resultado disso tudo?

Você pode dar o auxílio que quiser, se não tiver vacinação, a economia não recupera. Precisa de vacinação e da ajuda emergencial por duas razões. A primeira é evitar que pessoas morram de fome. Em segundo lugar, o dano que isso está causando sobre o ajuste fiscal é relativamente pequeno. O câmbio está a R$ 5,73 e o juro de longo prazo, quase acima de 8,5% por causa do prêmio de risco pela falta de confiança no governo, pela falta de confiança de que ele vai fazer as reformas necessárias para a consolidação fiscal. Hoje o mercado está de cabeça para baixo. Ninguém do mercado sai criticando o Bolsonaro, porque eles têm responsabilidade com a empresa deles. Mas os preços, o câmbio e o juro, falam por eles e gritam muito alto. Isso não é por causa da ajuda emergencial. É por causa da negligência do governo em relação à covid. A segunda questão é a omissão plena da equipe econômica do governo no que diz respeito a um programa de consolidação fiscal que introduza confiança no País. Esse é o problema fiscal sério que temos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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