Bairros de Fortaleza: Barra do Ceará guarda origens históricas e sociais da Capital

Com seus 63.400 habitantes, o reivindicado marco zero de Fortaleza mantém suas características populares e a herança cultural de seus moradores. Conheça mais sobre a Barra do Ceará

07:00 | Dez. 02, 2025

Por: Mariana Fernandes
Ponte José Martins Rodrigues, que liga Fortaleza à Caucaia, é cartão postal da Barra do Ceará (foto: FERNANDA BARROS)

A Barra do Ceará, mais que um bairro de Fortaleza, poderia ser percebida como uma “cidade à parte” por seus aspectos históricos e culturais.

Entre os cenários criados pelo pôr-do-sol da ponte, pela movimentação artística na sede de um dos Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Cuca) e no museu do Alberto, a região tem sua forma própria de apresentar-se em Fortaleza.

Cerca de 63.400 habitantes dividem os 4,28 quilômetros quadrados, conforme o Censo de 2022. Confira a história da formação da Barra do Ceará.

Barra do Ceará: reivindicação do marco zero de Fortaleza

A história da Barra já inicia imponente ao reivindicar o marco zero de Fortaleza.

A versão mais aceita alega que a ocupação em torno do Forte Schoonenborch, erguido à margem esquerda do riacho Pajeú, incentivou o desenvolvimento da vila e da futura cidade.

Hoje, ele abriga a sede da 10ª Região Militar do Exército Brasileiro, no centro da cidade.

Entretanto, historiadores como Adauto Leitão defendem que foi na Barra que se iniciou a ocupação do território, ou seja, onde começou Fortaleza, ao redor do forte de São Tiago, por volta de 1604.

Essa ocupação teve motivações geopolíticas estratégicas contra as invasões holandesas e francesas no Brasil, entretanto tornou-se inviável após algumas décadas. Em 1637, o nordeste foi tomado pela Companhia das Índias Ocidentais visando a exploração de recursos no litoral.

Mas o território já possuía ocupações antes desses eventos: comunidades indígenas que habitavam e migravam no litoral, como afirma Alexandre Queiroz Pereira, professor adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará.

“A ocupação daquela área, toda às margens do que hoje chamamos de Rio Ceará, já era uma área de travessia das comunidades indígenas que habitavam e migravam no litoral, realizando atividades no litoral de Fortaleza, mas que não se fixaram exatamente. Havia um deslocamento comum nas comunidades indígenas”, comenta.

Comunidades de pescadores da Barra

No século XIX, constituíram-se as colônias de pescadores, grupos que marcam a identidade da Barra até os dias atuais. Os aspectos geográficos da região foram propícios, explica Alexandre, entre o final do século XIX e o início do século XX.

“A Barra do Ceará tem o sítio natural na condição da foz do rio e do mar, proporcionando um ambiente de pesca: no rio, a mariscagem nos manguezais, e a pesca artesanal na comunidade, onde ainda se verifica uma colônia de pescadores e um espaço destinado às jangadas”.

Foi nesse período que a região que vai do Pirambu até a Barra do Ceará recebeu muitos migrantes das secas que devastaram o interior do estado, o que tornou o bairro um dos espaços com maior densidade de ocupação da cidade.

Contudo, não era uma localidade que recebia atenção do poder público ou era valorizada, já que “a cidade não se apropriou das zonas de praia para o imobiliário, lazer, turismo ou bem-estar”.

“As áreas à beira-mar eram destinadas ao trabalho, zona portuária, trabalho do pescador e, por vezes, ao lançamento de dejetos humanos”, completa o especialista.

Somente nos anos 1980, a Barra do Ceará passou por mudanças na forma como Fortaleza percebia a região litorânea. Com o Polo de Lazer da Barra e o projeto Vila do Mar, houve uma reconstituição da frente marítima.

Até os dias atuais, uma das principais características do bairro é a ocupação popular.

Barra do Ceará: história presente nos habitantes do bairro

Testemunha das mudanças que ocorreram na Barra do Ceará desde a infância, o supervisor de manutenção do Cuca Barra, Marcelo Araújo de Sousa, 40, traz em sua história a herança dos seus antepassados em seu trabalho com a pesca.

“Fui um jovem que pescava, pegava siri, cozinhava, ia vender no rio. Eu andava por tudo isso. Pesquei até um tempo atrás, porque está na minha raiz, é cultura de pesca”, comenta ele sobre sua história no bairro.

E completa: “me emociono porque fomos muito pobres, muito humildes”. “Moramos aqui perto do Estaleiro do Ceará, na casa de barro da minha avó, e depois nos mudamos para o Jardim Guanabara.”

 

Entre idas e vindas ao bairro por razões pessoais, ele afirma que lá foi onde sempre quis construir sua vida com a sua própria família: “Quero minha vida na Barra do Ceará”.

Ainda, ele participou ativamente da construção do Cuca Barra - o primeiro equipamento do programa a ser inaugurado em Fortaleza - e segue trabalhando no local.

Com a formação de vigilante, ele conseguiu um emprego na obra de construção do Cuca, em 2008, ano anterior à inauguração. Mas para completar sua renda, ele fazia horas extras como servente.

Foi nessa função que ajudou a construir partes do equipamento como a piscina, o teatro e o ginásio durante o período em que trabalhou.

Com a inauguração, ele foi convidado a continuar seu trabalho no Cuca.

“A proposta foi para a portaria, para receber esses jovens, pois eu era da comunidade e os jovens me conheciam e tinham acesso a mim para abordar. Sempre fui receptivo, e fiquei nessa função de 2009 a 2011”, menciona Marcelo.

Em 2011, ele foi convidado para a função de supervisor de manutenção, definida por ele como um trabalho de conservador, protetor e supervisor.