Cinco fases, um cérebro: o estudo que propõe adolescência até os 32 anos
Pesquisadores da Universidade de Cambridge indicam a presença de idades cruciais no desenvolvimento cerebral por volta dos 9, 32, 66 e 83 anos
Reunindo dados de uma faixa etária de até 90 anos, um estudo publicado na revista Nature Communications em novembro identificou cinco épocas principais de desenvolvimento topológico. Entre os pontos de inflexão, os pesquisadores afirmam que a segunda época, intitulada “adolescência”, pode se estender dos 9 aos 32 anos.
A análise ressalta um desenvolvimento não linear, com fases únicas de maturação, envolvendo quatro pontos principais por volta dos 9, 32, 66 e 83 anos. Cada idade identificada representa um momento de “virada”, marcado pela chegada de uma nova fase.
“Esses cinco padrões foram construídos a partir da análise de dados de neuroimagem de 4.216 casos, de até 90 anos. Em síntese, o estudo sugere que a estrutura cerebral é relativamente coerente e similar quando se consideram esses cortes de faixa etárias”, avalia o psicólogo Rodrigo Maia, doutor em Psicologia e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Os 32 anos de idade são um destaque — representam o ponto de inflexão topológica mais acentuado ao longo da vida. Após esse período, inicia-se a época mais longa, abrangendo três décadas da vida adulta até os 66 anos.
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As cinco fases do cérebro
A primeira época de desenvolvimento termina por volta dos nove anos de idade. Os primeiros momentos, segundo a pesquisa, são marcados pela consolidação e eliminação competitiva de sinapses e por rápidos aumentos no volume da substância cinzenta e branca do cérebro.
Na segunda época do ciclo de vida, dos nove aos 32 anos, a trajetória do desenvolvimento topológico permanece consistente. Embora a adolescência comece pela puberdade, o seu término não é tão claro, com definições abrangendo um período anterior ou até meados dos 20 anos.
“Nossos resultados sugerem que, em países ocidentais (ou seja, Reino Unido e Estados Unidos da América), o desenvolvimento topológico na adolescência se estende até por volta dos 32 anos, antes que as redes cerebrais iniciem uma nova trajetória de desenvolvimento topológico”, afirma a pesquisa.
Aos 66 anos, o terceiro ponto do ciclo é iniciado, e o cérebro entra em uma nova fase de envelhecimento da sua rede estrutural. Já o último ponto de inflexão (83 anos), diz o estudo, é marcado por um “declínio distinto na topologia relacionada à idade”.
Repercussões do estudo
A psiquiatra Lia Sanders, doutora pela Humboldt-Universität zu Berlin (Berlin School of Mind and Brain), aponta ao O POVO que o estudo investigou mudanças na topologia cerebral, ao longo do desenvolvimento humano. “Os pesquisadores buscaram padrões estruturais e funcionais na organização das conexões neurais, a ‘fiação’ do cérebro, por assim dizer”, afirma.
Sanders, que também atua como professora de Medicina na UFC e no Centro Universitário Christus (Unichristus), relata que os achados são consistentes com trabalhos anteriores que investigaram métricas cerebrais individuais e identificaram picos ou pontos de inflexão significativos no início da quarta década de vida.
“Essas mudanças identificadas decorrem do desenvolvimento do cérebro humano, que envolve mudanças em processos biológicos, como a plasticidade sináptica e a mielinização dos axônios. E os processos biológicos são influenciados, sem dúvida, pelo tempo, pelo contexto sociocultural, por eventos e pelo estilo de vida”, explica.
O estudo, de acordo com o psicólogo Rodrigo Maia, possui uma metodologia robusta, com foco na estrutura cerebral, mas é preciso considerar que os dados são provenientes de “uma cultura e contexto específico".
“Os autores apresentam os resultados considerando como a conectividade cerebral e a topologia se modificam ao longo do desenvolvimento, e chegam a um achado que descreve um padrão topológico dividido em cinco estágios do desenvolvimento cerebral”, descreve.
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Adolescência vai até os 32 anos?
No estudo desenvolvido pela Universidade de Cambridge, a pesquisadora Alexa Mousley, que liderou a pesquisa, posiciona o período ao redor dos 32 anos como um dos pontos com “mudanças mais significativas na direção das conexões neurais e a maior alteração geral na trajetória”.
“Embora a puberdade ofereça um início claro, o fim da adolescência é muito mais difícil de precisar cientificamente. Baseando-nos puramente na arquitetura neural, descobrimos que as mudanças na estrutura cerebral típicas da adolescência terminam por volta dos trinta e poucos anos”, afirmou Mousley à universidade.
Para Lia Sanders, é importante ressaltar que o estudo utilizou dados dos Estados Unidos e do Reino Unido, países ocidentais.
“A construção social da adolescência perpassa uma série de transformações socioeconômicas pelas quais a civilização ocidental passou nos séculos XVIII e XIX”, explica a psiquiatra. “Essa transição para a vida adulta depende de fatores culturais, históricos e sociais, o que mostra que não é apenas um processo biológico, mas também profundamente contextual”.
Os achados, portanto, ampliam esse entendimento ao apontar que, em países do Ocidente — como o Reino Unido e os Estados Unidos —, o desenvolvimento do cérebro costuma seguir características típicas da adolescência até aproximadamente os 32 anos, quando então inicia um novo padrão de organização neural.
Em sua avaliação, o psicólogo Rodrigo Maia reitera - “Quando se diz que o cérebro adolescente vai dos 9 aos 32 anos, ele está afirmando que a estrutura cerebral permanece relativamente estável e similar dos 9 aos 32 anos”.
“A gente não tem dados, por exemplo, de outros países, de outros cenários culturais, para poder fazer generalizações que caibam em uma realidade maior, uma realidade global”, infere.
Outra cautela apontada pelo professor universitário diz respeito às mudanças neurofuncionais. Essas alterações neurofuncionais, neuropsicológicas e neurocognitivas só poderiam ser inferidas a partir da avaliação de pessoas em diferentes faixas etárias: “Por exemplo, sabemos que em testes neuropsicológicos o desempenho de crianças de 9 anos é diferente de adultos de 32 anos”.
“O que podemos supor é que estruturalmente há uma certa estabilidade, uma certa semelhança, mas o estudo não oferece dados suficientes para que a gente diga que há uma certa estabilidade e semelhança em termos funcionais, em termos neuropsicológicos e em termos cognitivos. O foco do estudo, como eu disse, é olhar para uma topologia do cérebro”, sintetiza.
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