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Três hospitais filantrópicos podem suspender atendimento pelo SUS por dívidas

Para não deixar pacientes sem atendimento, hospitais filantrópicos ultrapassam quase 30% do teto financeiro. O excedente não é coberto pelo contrato. O acúmulo gera dívidas que agora comprometem o funcionamento das entidades
17:10 | Fev. 17, 2017
Autor Bruna Damasceno
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Bruna Damasceno Repórter no OPOVO
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Tipo Notícia

[FOTO1] Moradora do município de Umari, cerca de 157 km de Barbalha, a professora Edinalva Santos, 43, aguarda há um ano pela cirurgia de atriosseptoplastia - que irá corrigir uma malformação congênita - no Hospital do Coração do Cariri. Ela conta que está sob cuidados paliativos enquanto aguarda o procedimento. “Eu me preocupo, sabe por que, 'minha filha'? Sou professora, dou aula, me estresso demais na sala. Tem dias, que chego 'em tempo' de morrer, esse remédio que tomo é um tratamento, mas preciso da cirurgia", frisa.


Assim como Edinalva, outros 124 pacientes estão na fila de espera por cirurgias cardíacas nesta unidade de saúde. A situação é semelhante em outros dois hospitais no município de Barbalha. No São Vicente de Paulo, 84 pacientes aguardam pelos procedimentos radioterapia e 79 quimioterapias. Os serviços estão suspensos nas duas entidades filantrópicas.


O mais grave é que até o próximo dia 1º, todo o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser cancelado. De acordo com Egberto Santos, gestor de projetos das unidades Hospital do Coração do Cariri e Santo Antônio, as dívidas ultrapassam R$2 milhões. Ele explica que a situação ocorre porque há uma defasagem na tabela de procedimentos do SUS e no teto financeiro no contrato das unidades, que não são atualizados há 16 anos.

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Ainda de acordo com o gestor, contratualmente, eles devem destinar 60% dos atendimentos aos pacientes do SUS, mas acabam excedendo esse porcentual, atingindo 82% de atendimentos. Ele ressalta o crescimento populacional no período em que o teto não foi corrigido, que implica no aumento do número de pacientes e na demanda por atendimento.

 

O gestor alega que, com o teto contratual de R$276 mil, é possível fazer em média 30 procedimentos por mês, entre angioplastias, implantes de marcapasso e outras cirurgias. O que ele considera ineficiente, pois a população assistida é de 1 milhão, já que a unidade atende pacientes de toda a região do Cariri. “Ao longo desses anos, não foi aumentado o teto, todos os meses a gente fica segurando, mesmo assim, ultrapassamos em média em R$ 90 mil (do teto) por mês", relata.


O mesmo acontece com o Hospital São Vicente, que também atende a população do Cariri, oferecendo, sobretudo, o tratamento de câncer, e já suspendeu os serviços de radioterapia e quimioterapia. De acordo com o secretário-executivo da unidade de saúde, Antônio Ernani de Freitas, a dívida supera R$ 2 milhões. “Não vamos deixar o paciente chegar na porta e morrer”, diz.

 

Os gestores explicam que querem o pagamento das dívidas para dar continuidade aos tratamentos já iniciados e poder atender a população. "Hoje, se tornou uma utopia falar do reajuste da tabela do SUS, seria um sonho...Mas o que a gente pede, basicamente, é o pagamento da tabela do SUS dos procedimentos já realizados e acumulados, e o aumento do teto financeiro", disse Egberto. 

 

O Hospital e Maternidade Santo Antônio que atende cirurgias gerais, clínica neurológica e UTI, é o único que resistiu à crise e, mesmo com dívidas em torno de R$250 mil e um teto de R$150 mil, segundo o gestor, ainda faz todos os atendimentos.

 

OUTRO LADO

 

O Ministério da Saúde se pronunciou por meio de nota. O POVO Online reproduz trechos. "É importante esclarecer que a tabela SUS não representa a única forma de custeio dos serviços hospitalares da rede pública. Os valores fora da tabela já respondem por cerca de 40% dos R$ 14,8 bilhões federais destinados aos Hospitais Filantrópicos, Santas Casas e demais instituições que atendem pelo SUS de todo o Brasil. Considerando o orçamento hospitalar via Teto MAC (média e alta complexidade), recurso enviado mensalmente pelo Ministério da Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais de Saúde - a quem compete gerenciar e distribuir a verba para a região -, o crescimento do total em incentivos, além da tabela, foi de 210%, entre 2010 e 2015".

 

Continua. "Para o município de Barbalha, o Ministério repassou R$ 57,1 milhões para ações de média e alta complexidade em 2016, recurso crescente em relação a 2014, que foi de R$ 52,3 milhões. É importante ressaltar que a responsabilidade pela gestão dos recursos é do gestor municipal. Dos recursos repassados ao município de Barbalha, foi destinado ao Hospital Maternidade São Vicente de Paulo o valor de R$ 4,23 milhões/ano para rede de Urgência e Emergência em 30/12/2016. Já ao Hospital Maternidade Santo Antônio recebeu o valor R$ 3,03 milhões/ano em 30/12/2016 e o Hospital do Coração de Cariri recebeu R$ 893.878/ano, pela terapia nutricional enteral e parenteral e pela unidade de terapia intensiva coronariana.

 

O repasse do hospital é feito pelo gestor local, não há repasse direto do Ministério da Saúde para o hospital. Os recursos do TETO MAC são repassados do Ministério da Saúde via Fundo a Fundo para o município e o gestor decide qual a quantia vai pra cada hospital. Também é importante esclarecer que a Constituição determina que a gestão do SUS é compartilhada entre o Governo Federal, estados e municípios. Os estados e o DF devem investir o mínimo de 12% de sua receita, enquanto os municípios devem aplicar pelo menos 15%. Em relação à União, a regra atual (EC 86) determina a execução mínima de 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) em 2016, chegando, de forma escalonada, a 15% em 2020", finda.

 

O POVO Online não conseguiu falar com a Secretaria da Saúde Municipal de Barbalha, até o fechamento desta matéria. Porém, segundo os gestores das unidades de saúde, houve uma reunião com prefeito do município, na última sexta-feira, 10. O diálogo acordou uma audiência em Brasília, na próxima terça-feira, 21, com gestores e, possivelmente, com o Ministro da Saúde, Ricardo Barros, ainda de acordo com o secretário-executivo do Hospital São Vicente, Antônio Ernani de Freitas.

 

Também em nota, a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) frisou que "repassa anualmente R$ 135 milhões a 36 Hospitais Polos para reforçar o atendimento à saúde da população na própria região. Os 36 HPs são hospitais públicos das prefeituras ou filantrópicos que recebem recursos financeiros do Estado para atender além da população do município onde está localizado. Como Hospitais Polos, fazem atendimento regional.

O Hospital Polo São Vicente de Paulo, Hospital e Maternidade Santo Antônio e Hospital do Coração do Cariri são filantrópicos. O Governo do Ceará repassa o valor de R$ 660 mil por mês para o São Vicente de Paulo, o equivalente a R$ 7.920.000 em 2016, para dar suporte ao atendimento em sete clínicas. O Estado repassa para o Hospital e Maternidade Santo Antônio R$ 270 mil mensalmente, que dá assistência a três clínicas. No ano passado, o valor total foi de R$ 3.240.000 para esse hospital. A mesma quantia foi repassada para o Hospital do Coração do Cariri, que também assiste ao mesmo número de clínicas, 3.".

 

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