Justiça anula processo para demarcação de área quilombola em Aracati; órgãos recorrem

O Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), vinculado à Assembleia Legislativa do Ceará, disse que a falta de participação da comunidade quilombola viola norma da Organização Internacional do Trabalho

A Justiça Federal declarou nulidade de um processo administrativo que visa à demarcação como terra quilombola do Córrego de Ubaranas, no município de Aracati, localizado a 147 quilômetros de Fortaleza. A decisão foi assinada pelo juiz Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro, titular da 15ª Vara Federal, em março deste ano. “O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) traz elementos que indicam, na realidade, a absoluta não caracterização da referida comunidade como remanescente de quilombo”, aponta Bernardo.

O Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), órgão da Assembleia Legislativa do Ceará, questiona a decisão judicial e alega que há pontos preocupantes nos trâmites judiciais. O órgão argumenta que a falta de participação da comunidade quilombola viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outros tratados que dispõem sobre os direitos de povos indígenas e tradicionais.

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Conforme aponta Lourdes Vieira, advogada do EFTA, a comunidade quilombola do Córrego de Ubaranas já é reconhecida estadual e nacionalmente "há muitos anos". A comunidade foi certificada pela Fundação Palmares pela portaria nº 135 de 27 de outubro de 2010. Já as terras, em área de 1.626 hectares, foram reconhecidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na portaria nº 862, de 22 de maio de 2018. 

"Na região, existem fazendeiros que não concordam que a terra seja reivindicada. Em 2017, entraram com ação contra o Incra visando a nulidade. Só que os quilombolas nunca foram chamados a participar", continua. Em 2021, um ex-funcionário do Incra foi chamado a testemunhar e informou a comunidade sobre o processo. Foi então que os quilombolas e a Fundação Cultural Palmares reivindicaram ser parte no processo.

Segundo Vieira, os pedidos foram ignorados e, em março deste ano, a Justiça acatou o pedido dos fazendeiros. Entre os argumentos para a sentença, Vasconcelos Carneiro considerou a “fragilidade” de evidências para constatação da tradição quilombola na região, já que se baseiam na memória coletiva dos atuais habitantes.

O magistrado alega que a historiografia clássica aponta que nunca houve uma quantidade expressiva de negros escravizados no Ceará como existia em estados vizinhos, onde o cultivo da cana-de-açúcar se dava de forma mais intensa. “A pecuária, principal atividade econômica da época em terras alencarinas, sempre se valeu preponderantemente da mão-de-obra livre e assalariada, ainda que sujeita a evidente exploração por parte dos proprietários das terras”, argumenta no documento.

"Isso é muito ruim, porque gera precedentes para outras comunidades quilombolas no Brasil todo. Estamos em um contexto de negação de identidades das comunidades tradicionais", enfatiza Lourdes Vieira.

O Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e o Incra apelaram ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região contra a anulação da demarcação da área. Em nota, a DPU disse que solicita que seja anulado o processo judicial desde o início, em razão da ausência de citação da Associação dos Agricultores e Agricultoras do Córrego de Ubaranas da União Federal. "Acreditamos que essa violação será reparada, porque viola também uma série de legislação quilombola já vigente no Brasil", conclui a advogada do EFTA.

Luiz Fernando Castro de Paula, superintendente regional do Incra/CE, disse em nota que o processo administrativo encontra-se em fase de elaboração de parecer de mérito acerca do território quilombola. "O parecer de mérito contempla várias informações (se existe sobreposição do imóvel, se há conflitos na área, valores estimados para desapropriação dos imóveis, respostas às consultas realizadas a outros órgãos, entre outros)", afirma. (Colaborou Marcela Tosi)

 

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