Em 2025, uma menina com menos de 14 anos deu à luz a cada dia no Ceará
Os partos de meninas menores de 14 anos no Ceará caíram 32% nos últimos anos, mas ainda são grave problema social e de saúde pública
06:00 | Nov. 04, 2025
As gestações na infância ou adolescência têm diminuído gradualmente nos últimos anos. Conforme dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), os partos de mães menores de 14 anos no Ceará caíram 32% em cinco anos, saindo de 979 em 2020 para 662 em 2024.
Apesar da redução, os números continuam alarmantes. Entre janeiro e setembro de 2025, o Estado registrou 370 partos de menores de 14 anos, o que equivale a uma menina dando à luz por dia no Ceará. Mesmo com a tendência de queda, especialistas destacam que a gravidez infantil ainda é um grave problema social e de saúde pública.
LEIA TAMBÉM | Três Graças aborda gravidez na adolescência e remédio falsificado
Nascimentos a partir de mães crianças e adolescentes no Ceará
2025: 370 partos (0-14 anos)e 7.396 partos (15-19 anos)*até setembro
2024: 662 partos (0-14 anos) e 11.570 partos (15-19 anos)
2023: 679 partos (0-14 anos) e 12.705 partos (15-19 anos)
2022: 762 partos (0-14 anos) e 13.428 partos (15-19 anos)
2021: 960 partos (0-14 anos) e 15.628 partos (15-19 anos)
2020: 979 partos (0-14 anos) e 16.546 partos (15-19 anos)
Somente em Fortaleza, os partos de mães menores de 14 anos caíram de 206 em 2020 para 139 partos em 2024, uma redução de 32,5%. Até setembro deste ano, já foram registrados 73 partos nessa faixa etária.
Segundo a ginecologista Zenilda Vieira Bruno, chefe da Divisão Médica da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), da Universidade Federal do Ceará (UFC), ao contrário da maioria das gestações na faixa etária entre 20 e 35 anos, a gravidez precoce traz riscos graves tanto à saúde física quanto emocional das meninas.
“Quanto mais jovem a adolescente, maior o risco de hipertensão, pré-eclâmpsia, hemorragia, infecção e até de morte durante o parto. Os riscos emocionais são ainda maiores, porque essas meninas, em geral, não têm apoio familiar”, alerta.
A Meac é referência no atendimento a casos de gravidez na adolescência no Ceará. De acordo com a diretora da unidade, em 2024, a unidade registrou 552 partos de meninas entre 10 e 19 anos, das quais dez tinham menos de 14 anos.
Nascimentos a partir de mães crianças e adolescentes em Fortaleza
2025: 73 partos (0-14 anos) 1.703 partos (15-19 anos) *até setembro
2024: 139 partos (0-14 anos) 2.582 partos (15-19 anos)
2023: 155 partos (0-14 anos) 2.877 partos (15-19 anos)
2022: 155 partos (0-14 anos) 2.978 partos (15-19 anos)
2021: 183 partos (0-14 anos) 3.400 partos (15-19 anos)
Fonte: Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC)
Maioria das mães adolescentes possui baixa escolaridade
No geral, essas meninas-mães deixam de viver a essência da adolescência muito cedo. De acordo com a Meac, a maioria das pacientes mais jovens acolhidas na Unidade têm baixa escolaridade, e muitas abandonam a escola após engravidar.
A. L., 16, faz parte dessa estatística, mas sonha em mudar o próprio destino. Grávida de sete meses, a adolescente conta que julgamentos a fizeram desistir temporariamente dos estudos. “Muita gente começou a criticar. Aí fiquei com vergonha e parei de estudar”, diz.
A jovem descobriu a gestação aos quatro meses e conta que, no início, o medo e a incerteza tomaram conta. “Eu não aceitava. Pensei: ‘Como é que eu vou me sustentar? Mas agora, que já tô na reta final, já aceitei”, diz. Mesmo afastada da escola, ela fala com esperança sobre o futuro. “Quero voltar a estudar depois que a bebê nascer”, afirma.
A mãe da jovem, Ana Flávia, 37, recorda que a filha demonstrou receio em contar a notícia, temendo sua reação. “Eu logo imaginei uma gravidez. Aí falei: ‘Jamais! Eu vou te apoiar’ e estou apoiando até hoje”. Apesar do susto, a avó diz ter ficado feliz com a chegada da primeira neta.
Zenilda Bruno explica que muitos adolescentes ainda recorrem a métodos contraceptivos considerados falhos, como o coito interrompido ou a tabelinha. Ela ressalta que o uso da camisinha deve ser constante, mas preferencialmente combinado a outro método contraceptivo.
“A camisinha é essencial para prevenir doenças sexualmente transmissíveis, mas tem um índice elevado de falha na prevenção da gravidez, principalmente entre adolescentes, que podem errar no momento de colocá-la ou usá-la de forma incorreta”, explica.
“Foi um choque. Eu não esperava, mas também não me prevenia”, diz A.C.G., 17. Internada na Maternidade Escola, a jovem se recupera do parto cesáreo de seu primeiro filho. Embora uma gestação dure, em média, 40 semanas, o bebê nasceu antes do previsto, com 35 semanas, em decorrência de um quadro de hipertensão gestacional.
Separada do pai do bebê, a jovem relata ter enfrentado momentos de angústia tanto ao descobrir a gravidez quanto durante a gestação. Hoje, com o filho nos braços, A.C. diz estar mais tranquila. “Meu filho é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. Ele é lindo, perfeito. Quero melhorar de vida pra poder dar um bom futuro pra ele.”
Leia mais
A médica da Meac defende o uso de métodos contraceptivos mais duradouros, como o DIU, os anticoncepcionais orais ou o implante contraceptivo, conhecido como Implanon.
Em julho, o Ministério da Saúde anunciou que o Implanon será oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O método tem duração de até três anos e é considerado um dos mais eficazes. Até 2026, serão distribuídos 1,8 milhão de dispositivos, sendo 500 mil ainda em 2025, com investimento estimado em R$ 245 milhões.
Zenilda Bruno destaca que a ideia é disponibilizar métodos contraceptivos mais duradouros ainda na maternidade, antes da alta hospitalar, como forma de evitar novas gestações precoces. “Cerca de 30% das adolescentes têm um segundo filho ainda na adolescência. Se conseguirmos oferecer implantes ou DIUs em todas as maternidades, poderemos reduzir significativamente essas gravidezes”, completa.
A queda nos índices de natalidade precoce também se reflete em nível nacional. Entre meninas de até 14 anos, os partos reduziram de 17.5 mil em 2020 para 11.9 mil em 2024, uma diminuição de cerca de 31,8%. Já entre adolescentes de 15 a 19 anos, os registros caíram de 364 mil para 260 mil, o que representa uma redução de 28,5%.
Gestantes com menos de 14 anos são vítimas de estupro
De acordo com o Código Penal, qualquer relação sexual com pessoas menores de 14 anos é considerada crime de estupro de vulnerável, independentemente do consentimento. Assim, toda gravidez de menina nessa faixa etária é consequência de um ato considerado criminoso.
Diante dos mais de 600 registros no Ceará, Renato Pedrosa, presidente do Instituto Terre des Hommes (TdH) Brasil — organização que atua na defesa dos direitos de crianças e adolescentes — o cenário pode ser ainda mais grave do que os dados oficiais indicam.
“Uma hipótese plausível é a existência de subnotificação, pois, na ausência de um plano ou de um sistema de prevenção e enfrentamento da violência sexual com articulação entre os sistemas de saúde, educação, assistência social e justiça, torna-se difícil afirmar a efetiva melhoria das políticas públicas”, destaca.
O presidente do TdH Brasil chama atenção para outro problema social. “Há relatos nas comunidades e escolas que atuamos o medo de notificar, além da estigmatização das vítimas e seus familiares”, destaca.
Toda gravidez de meninas de até 14 anos deve ser obrigatoriamente informado ao Conselho Tutelar. “Mesmo que as relações sejam ‘consensuais’, com alguém da mesma idade e com conhecimento dos pais, o profissional de saúde tem o dever legal de registrar a informação no prontuário e realizar a notificação”, indica Zenilda Bruno, da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC/UFC).
LEIA TAMBÉM | Gravidez na adolescência deve ser debatida nas igrejas, diz ministro
Mesmo desacompanhadas, adolescentes podem receber atendimento nos postos de saúde. Gestantes com menos de 14 anos têm direito à interrupção legal da gravidez, sem apresentação de boletim de ocorrência. Elas ainda podem seguir com a gravidez, podendo optar em entregar o bebê para adoção ou criá-lo.
Iniciativas do Poder Público
A Prefeitura de Fortaleza informou que a Secretaria Municipal de Educação (SME) mantém em todas as escolas as Comissões de Proteção e Prevenção à Violência Contra Crianças e Adolescentes (CPPE), responsáveis por desenvolver planos preventivos e notificar casos ao Conselho Tutelar. Em 2025, a SME aderiu ao Programa Previne – Violência nas Escolas, NÃO!, em parceria com o Ministério Público.
Pelo Governo do Estado, que coordena as escola de ensino médio no Ceará, a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) declarou que promove, durante a Semana Nacional de Prevenção à Gravidez na Adolescência, em fevereiro, ações educativas voltadas à formação integral dos estudantes e à prevenção da gravidez precoce.
As escolas ainda desenvolvem atividades de acolhimento e acompanhamento de alunas gestantes, com atendimento domiciliar e apoio no retorno às aulas. Além disso, a Busca Ativa Escolar atua na reintegração de estudantes, prevenindo o abandono escolar.
Onde buscar atendimento e orientação
Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS) em todo Ceará - Testes rápidos e pré-natal completo. Encaminhamento em casos de risco.
Maternidade Escola Assis Chateaubriand - Atendimento obstétrico, emergência 24h, Casa da Gestante, Bebê e Puérpera (acomodação para gestantes de risco)
Endereço: R. Coronel Nunes de Melo, S/N - Rodolfo Teófilo, Fortaleza
Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC) - Atendimento obstétrico, emergência 24h, Casa da Gestante
Endereço: Av. Imperador, 545 – Centro, Fortaleza – CE
Casa da Criança e do Adolescente - Acolhimento para adolescentes grávidas em situação de vulnerabilidade
Endereço: R. Cap. Melo, 3883 - São João do Tauape, Fortaleza