Mudanças no Prouni ampliam desigualdades no acesso a universidades, avaliam especialistas

Pesquisadores ouvidos pelo O POVO consideram que as mudanças no critério de seleção para a concessão das bolsas devem dificultar ainda mais o acesso de estudantes de baixa renda a instituições do ensino superior

Considerado um dos principais instrumentos de acesso ao ensino superior no Brasil, o Programa Universidade Para Todos (Prouni), teve suas regras alteradas pelo Governo Federal, por meio de uma Medida Provisória (MP) publicada na última terça-feira, 7. Desde a sua criação, em 2005, o Prouni concede bolsas parciais e integrais a alunos de escolas públicas em instituições de ensino superior particulares duas vezes ao ano. Com a mudança, o benefício também passa a ser disponibilizado aos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas particulares. Para especialistas ouvidos pelo O POVO, as novas regras desvirtuam a essência do programa e devem ampliar a desigualdade educacional no País, já agravada por conta da Pandemia de Covid-19.

Na avaliação de Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as alterações criam concorrência direta e desigual entre alunos das redes pública e privada.

“Se o governo passa a admitir estudantes que antes não se enquadravam no programa, a dificuldade vai aumentar para os que vêm da escola pública. O impacto disso pode ser muito negativo para os alunos de baixa renda, principalmente se levarmos em consideração que na pandemia as escolas privadas passaram muito menos tempo fechadas do que as públicas. Além do mais, tinham uma infraestrutura tecnológica muito melhor para oferecer aulas de alto nível”, observa.

Costin ainda critica o fato de as mudanças terem sido introduzidas por meio de uma MP, instrumento com força de Lei de prerrogativa exclusiva do presidente da República, que deve ser usado apenas em situações emergenciais. Para ela, a medida pode estar relacionada a objetivos econômicos de grandes grupos educacionais do setor privado. “Foi uma certa pressão das instituições privadas, porque elas viram o baixo número de inscritos no Enem e tiveram medo de ficar com vagas ociosas. Mas isso não deveria ser tratado dessa forma, sem debate com a sociedade. A grande emergência da educação, neste momento, é resgatar o aprendizado que foi perdido na pandemia”, avalia a especialista.

Na mesma linha, o doutor em educação Nelson Cardoso Amaral, membro da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), considera que a mudança repentina no principal critério de seleção do Prouni pode estar ligada à relação do Governo Federal com o lobby das grandes universidades privadas do País. “Muitos desses grupos educacionais também são proprietários de escolas de ensino médio. E com essa mudança, os alunos vão ter condições de estudar a educação básica nessas instituições, pagando, e depois vão ganhar bolsas do Prouni para estudar o ensino superior gratuitamente. Isso significa mais renúncia fiscal para esses empresários”, opina.

Segundo Cardoso, a alteração nas regras para a concessão das bolsas representa uma inversão das prioridades que devem ser consideradas pelo Governo nos casos de anistia a impostos federais. “Os tributos que esses empresários deixam de pagar ao conceder as bolas são dos cofres da União. É um dinheiro que tem que atender exatamente aqueles que precisam mais, que obviamente, no caso do Prouni, não são aquelas que estudaram em escolas privadas, pagando”, observa o pesquisador.

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Impactos no Ceará

Para o secretário de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará, Inácio Arruda, as modificações no Prouni vão na contramão das políticas públicas implantadas nos últimos anos no Ceará que, segundo ele, ampliaram a inclusão e incentivaram a permanência de jovens vulneráveis no ensino superior.

“Há uma tentativa de desmontar um programa bem sucedido e de grande êxito. Para nós, no Ceará, é gravíssimo, porque nós estamos fazendo um esforço na direção oposta. Criamos o Programa de Permanência Universitária nas Universidades do Estado, garantindo bolsas para alunos pobres continuarem no ensino superior, e também implementamos o Avance, que dá um suporte financeiro adicional àqueles estudantes de baixa renda que são da escola pública e ingressam nas universidades. Então, uma mudança como essa [no Prouni], é como se fosse um chute na nossa canela”, afirma.

Outro problema, diz o Secretário, é que as modificações ocorreram “a toque de caixa”, sem qualquer debate com o Congresso, sociedade civil e entidades ligadas ao setor educacional. “Foi muito esquisito fazerem isso via Medida Provisória. O parlamento precisa enfrentar essa matéria com o máximo de firmeza quando ela entrar na pauta da Câmara, acrescentou Arruda.



Embora a MP tenha efeito imediato, pode perder sua validade caso não seja aprovada pela Câmara dos Deputados e Senado Federal em até 120 dias. A expectativa é que a medida sofra resistência da bancada da Educação na Câmara, que tem o deputado cearense Idilvan Alencar (PDT) como um de seus representantes. Nas redes sociais, o parlamentar disse que o Governo Federal quer "destruir tudo que funciona na Educação" e que as alterações resultam na imediata exclusão dos estudantes de escolas públicas no caminho até as universidades.

Já a Secretaria Geral da Presidência justificou, ao publicar a MP, que o principal objetivo da medida é estender a abrangência das oportunidades a estudantes da rede privada, “diminuindo a ociosidade na ocupação de vagas antes disponibilizadas”. A pasta, no entanto, não apresentou os números que demonstrariam o possível quadro de vagas não preenchidas.

Em 2021, o Prouni disponibilizou mais de 7,4 mil vagas nas instituições de ensino superior do Ceará que aderiram ao programa. Foram 4 mil bolsas na primeira seleção, em janeiro, e 3,3 mil na edição do segundo semestre, em julho. O POVO perguntou ao Ministério da Educação (MEC) sobre o índice de ociosidade no Estado, mas não havia recebido resposta até o fechamento desta matéria.

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