Benemaria Barbosa: a história da motorista cearense que viralizou por um gesto de gentileza

Filha, irmã, esposa e mãe de motorista, Benemaria tem a força de uma mulher que enfrenta os preconceitos para dirigir a vida com um jeito próprio. Ela viralizou após parar o ônibus, descer e ajudar uma mulher a atravessar a rua

Era um dia de trabalho comum. Benemaria Barbosa, 46, conhecida pela gentileza e pelo riso fácil, resolveu estacionar o ônibus que dirigia para atravessar uma passageira deficiente visual na avenida Godofredo Maciel, em Fortaleza. A motorista fez a ação e retornou ao volante, sem imaginar que estava sendo filmada. O vídeo, feito por outra passageira, viralizou nas redes sociais e a cearense virou sinônimo de exemplo.

Caçula de quatro irmãos, duas mulheres e dois homens, Benemaria nasceu em São Benedito, região da Serra da Ibiapaba. Da infância no local não tem muitas recordações, já que aos cinco anos foi morar com a família em Fortaleza. Com a mudança, o pai da cearense, que trabalhava dirigindo caminhão, foi atuar como motorista de uma linha de ônibus urbana- sem imaginar que a filha seguiria seus passos no futuro. 

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Barbosa cresceu e trabalhou com vendas, chegou a ser promotora, balconista, mas a vontade de atuar por trás da direção de um veículo não tardou. Naquela época, além do pai, o seu irmão e seu marido também atuavam na área. Segundo ela conta, quando decidiu ingressar na profissão, a sua família ficou preocupada, principalmente por saber dos perigos da vida de estrada. Entretanto, apoiaram o trajeto da caçula.

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Doze anos se passaram desde então e já no início da carreira percebeu outro desafio na profissão, além dos perigos de assaltos ou acidentes: o preconceito. Isso porque ela ocupa um cargo que ainda é quase que majoritariamente destinado a homens. Ela conta que não demorou muito para receber "piadinhas" machistas e olhares atravessados, mágoas das quais ainda lembra.

Embora tenha passado por esses episódios, a cearense tem os passageiros como família e alega que há muito mais pessoas lhe fazendo o bem do que o oposto. O cenário não poderia ser diferente, já que Benemaria aprendeu a destreza de manter os olhos na estrada mas também estar atenta a quem sobe a bordo. Sua vivência como motorista é feita de pequenos atos de gentileza e atenção ao próximo.

O gesto que viralizou aconteceu por volta de 16 horas na avenida Godofredo Maciel
O gesto que viralizou aconteceu por volta de 16 horas na avenida Godofredo Maciel (Foto: Reprodução)

E seus gestos são reconhecidos e retribuídos pelos "familiares do dia a dia". Exemplo disso foi o aniversário surpresa que ganhou dos passageiros em 2017, quando dirigia a linha Aguanambi II, da Empresa Maraponga, e se deparou com uma festa dentro do veículo. Agora, atuando na linha 347 – José Walter/Parangaba/Avenida L, a mulher viralizou ao agir da forma gentil como conduz a profissão.

Depois da repercussão do vídeo publicado no perfil Fortaleza Ordinária, que já tem mais de 40 mil curtidas, Benemaria recebeu áudios de amigos, familiares e colegas de trabalho a parabenizando pelo "ato de humanidade". No entanto, muitas pessoas não se surpreenderam com a atitude. "Eu sei que isso é da sua índole, você nem sabia que estava sendo filmada", foi o que disse seu cunhado em mensagem à ela.

O POVO conversou com a cearense para conhecer mais sobre a mulher que é filha, esposa, irmã e agora também mãe de motorista (seu filho atua provisoriamente na profissão), mas que dirige o próprio destino e combate o preconceito se destacando com atos de gentileza ao próximo.

1: Como surgiu a iniciativa de descer do veículo para atravessar a passageira? Você e a passageira conversaram antes de ela desembarcar?

Quando ela subiu eu mandei logo ela sentar pertinho de mim, na cadeira pequena próxima à porta. Ela começou a conversar comigo e foi dizendo que não morava aqui, que era de Sobral e que achava que ia ter dificuldades de achar o mercantil. Aí ela disse "não, mas eu não me maldigo porque o importante é eu estar viva". Quando ela disse isso mexeu comigo no fundo do coração. Ela disse que só em estar viva já era uma felicidade e aquilo mexeu comigo. Ai eu parei antes do sinal, liguei o pisca alerta, desci com ela e fiz a travessia até o mercantil. Me coloquei no lugar dela, poderia ser eu ali.

2: Durante seu tempo de profissão, já tinha feito esse tipo de gesto outras vezes?

De atravessar o pedestre deficiente visual nunca tinha acontecido comigo, mas como eu trabalho também na linha da rodoviária João Tomé, no bairro de Fátima, tem muitas pessoas que não sabem onde é o guichê da rodoviária, ou então não sabe o endereço direito e eu paro bem em frente para poder descer. Já fiz várias coisas assim parecidas só que nunca foi filmada. Nem eu sabia que estava sendo filmada (risos), foi uma surpresa pra mim.

3: Que outras atitudes de gentileza você realiza no dia a dia, como motorista?

Na linha que eu trabalho faz tempo, na linha antiga, eu levo muitas pessoas de idade e as minhas ações de gentileza com eles são enormes porque sei que não têm mais a agilidade, o reflexo de subir, de descer. Eles esperam por mim. Deixam de ir no ônibus da frente, no de trás, só vão se for comigo. Todo dia, isso já é uma rotina, as pessoas da terceira idade quererem pegar ônibus comigo.

4: Como costuma ser sua relação com os passageiros?

É de família. Independente daquele que me estresse, é de família mesmo. Pra mim, gentileza gera gentileza e sempre foi assim, desde o tempo que eu comecei. A gente já teve constrangimento com pessoas que não entendem, preconceito também, mas isso ai foi empecilho nenhum na minha profissão. A minha relação com os passageiros é excelente!

5: Você falou que passou por alguns preconceitos. Qual situação mais te marcou?

Eu tive três situações que magoaram, mas sempre teve uma que dói mais, né? Uma foi a que o rapaz viu que era uma mulher dirigindo e não subiu no ônibus, disse que tinha medo por ser uma mulher dirigindo e que ia esperar um outro ônibus. Outro foi que disse que não era pra eu estar ali, era pra eu tá na cozinha, no pé de fogão, porque ali não era pra mim não. E sempre quem diz isso é um homem. Mas teve um que me chocou mais, uma passageira mulher, subiu descontando toda raiva em mim, me chamou de sapatão. Eu não sou preconceituosa, Deus me livre, mas veio dizendo várias coisas comigo. E como você sabe que passageiro sempre tem razão, eu fiquei calada.

6: Mesmo passando por essas situações machistas, você se destacou com um ato de gentileza. Como você enxerga a importância de ser gentil com os outros?

Isso é da minha índole, eu sou assim. Também eu tenho mais passageiros gentis do que esses outros que me maltratam. É da minha índole isso.

7: Qual foi sua reação ao ver que o gesto viralizou? Porque acha que teve tanta repercussão?

Foi de muita emoção, eu chorei, não vou mentir (risos). Minha família, no meu grupo, meus colegas minhas amigas que não é nem da empresa, de outros lugares, me parabenizando, muitos disseram que isso não era surpresa porque já me conhecem já sabem quem eu sou, quais são as minhas atitudes, e eu fiquei muito feliz. Mas eu nunca pensei que fosse tanta gente assim me parabenizando, que fosse passar em tantas redes sociais, nas emissoras de televisão também, mas eu fiquei muito feliz, muito feliz mesmo.

8: Você espera que sua atitude inspire outras pessoas? Seja um exemplo?

Eu gostaria muito que a minha atitude inspirasse outras pessoas a fazerem o bem, a pensarem no próximo, mas a realidade é outra. Mas eu gostaria muito que as pessoas tivessem um pouco de humanidade né? 

9: Que mensagem você gostaria de deixar para mulheres que assim como você ocupam ou desejam ocupar cargos que ainda são destinados majoritariamente a homens?

Que não desistam de seus objetivos independente da profissão, porque tem preconceito sim mas pode ser acabado esse preconceito. Aquelas que estão ocupando cargos que os homens acham que é só deles continuem ocupando e sigam mais ainda pra frente. Aquelas que não ocupam e têm vontade mas não têm coragem, não desistam, vá em frente.

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