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Unilab estuda expansão de políticas afirmativas para povos tradicionais e outros grupos, incluindo ciganos e egressos de medidas socioeducativas

Universidade cearense aprovou, em portaria, a institucionalização de Grupo de Trabalho para formalizar proposta de novas políticas afirmativas, em até 60 dias
22:36 | Out. 27, 2020
Autor Davi César
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Tipo Notícia

O sonho de ingressar no ensino superior estará mais acessível para uma série de grupos minoritários, que devem ser contemplados em novas ações afirmativas da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). A instituição emitiu, em 20 de outubro, portaria que aprova a formalização de um Grupo de Estudo (GT) com o objetivo de elaborar novas diretrizes para políticas afirmativas, incluindo grupos como ciganos, pessoas trans, refugiados e cerca de 30 Povos e Comunidades Tradicionais (PCT). O prazo de apresentação das propostas para a consolidação das novas ações afirmativas na Universidade é de 60 dias.

A iniciativa é pioneira em instituições federais de ensino superior e simboliza um marco na luta de dezenas de segmentos da sociedade. O Grupo de Trabalho de Ações Afirmativas da Unilab está em atividade desde agosto e, agora, com a institucionalização aprovada em portaria, concentra esforços em fomentar diretrizes, critérios de seleção para cotas, vagas e permanência dos estudantes beneficiados. A perspectiva é de que as novas políticas, que em primeiro momento beneficiarão somente as unidades cearenses, possam contemplar também a Unilab com sede na Bahia.

De acordo com a Lei Federal nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, 50% das vagas nas instituições federais de ensino superior pertencem a estudantes de escolas públicas, negros, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. Além de garantir a continuidade das ações afirmativas para os grupos já contemplados, o GT da Unilab tem como principal objetivo a expansão dessas políticas para outros grupos minoritários. Para isso, 30 membros da Universidade, entre professores e estudantes das unidades do Ceará e da Bahia, se reúnem semanalmente para debater novas formas de inclusão.

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"A importância é que, primeiro, é um clamor de vários povos há muito tempo. De ribeirinhos, filhos de agricultores da região do Maciço do Baturité, ciganos. Então, o desafio é amplo. É uma iniciativa muito abrangente e a gente espera sensibilizar o Brasil inteiro para repensar essa questão”, afirma Roque do Nascimento Albuquerque, reitor da Unilab. Para o gestor, a principal meta, além da inclusão, é evitar a evasão dos alunos que futuramente poderão ser beneficiados e incentivar a capacitação desses povos.

“É um marco. É algo sob estudo. Nós vamos refletir isso e passar pelo conselho superior quando tivermos um produto, e apresentaremos à comunidade como um todo", complementa o reitor. O estudo em execução pelo GT visa consolidar medidas inclusivas para os seguintes grupos:

- Indígenas
- Quilombolas
- Ciganos(as)
- Outros povos de comunidades tradicionais (seringueiros(as), castanheiros(as), quebradeiras de coco-de-babaçu, comunidades de fundo de pasto, faxinalenses, pescadores(as) artesanais, marisqueiras, ribeirinhos(as), varjeiros(as), caiçaras, praieiros(as), sertanejos(as), jangadeiros(as), açorianos(as), campeiros(as), varzanteiros(as), pantaneiros(as), cangueiros(as), entre outros)
- Refugiados(as)
- Jovens egressos(as) do cumprimento de medidas socioeducativas e/ou medidas protetivas
- Pessoas trans
- LGTQIA+
- Pessoas com deficiências.


“A Unilab trouxe uma extensão ao povo cigano”

Um dos povos que celebram a medida é o povo cigano. Com cerca de 20 mil ciganos no estado do Ceará, divididos em 60 municípios, conforme estimativa do Instituto Cigano do Brasil (ICB), o grupo não possuía, até então, qualquer política de assistência que garantisse acesso a uma instituição federal de ensino. As exceções no Brasil são as universidades estaduais de Feira de Santana/BA (UEFS) e de Minas Gerais (UEMG), que passaram a contar com cotas para ciganos em 2019 e 2020, respectivamente.

"É um grande avanço para o povo cigano. Uma vez que observamos que já existem cotas para negros, quilombolas e indígenas, e a Universidade também teve a sensibilidade de encaminhar a inserção dos ciganos. A Unilab trouxe uma extensão ao povo cigano”, afirmou Rogério Ribeiro, presidente do Instituto Cigano do Brasil (ICB).

 

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Segundo Rogério, a demanda é uma das principais na luta histórica do povo cigano residente no Estado, por ampliação de direitos sociais. No Ceará, conforme o ICB, Fortaleza é a cidade que possui maior número de ciganos, com cerca de 200 famílias. Seguida por Sobral, com 108 famílias registradas pelo Instituto.

"O fato de existir uma política afirmativa que vai garantir cota ao povo cigano na universidade pública, vai estimular o povo cigano ao estudo. O povo cigano, por conta da diáspora e das perseguições, teve dificuldades de estudo. Por conta disso, nós temos hoje muitos ciganos analfabetos e que não concluíram o ensino médio”, relata Flor Fontenele, estudante cigana na Unilab e membro do GT de Ações Afirmativas.

Dívida Histórica

A cigana com raízes do grupo Rom, Kalderash, Flor Fontenele possui tarefa dupla. Além de representar as próprias ancestralidades, também luta pela inclusão dos jovens egressos de medidas socioeducativas, que foram privados de liberdade e tiveram o acesso ao ensino superior dificultado. Flor atualmente cursa bacharelado em Humanidades e possui 30 anos de experiência em entidades do terceiro setor e de direitos humanos. A estudante da Unilab afirma que o principal êxito na proposta do GT é a ampliação de direitos para todas as comunidades e povos tradicionais.

Avanço reforçado por Manoel Torquato, coordenador da Rede Nacional Criança Não é de Rua e coordenador de Projetos da Associação Beneficente O Pequeno Nazareno. "Essa dívida ainda não paga, aos poucos, com gestos como esses, da Unilab, vai sendo reconhecida. Quando a universidade permite ou cria um sistema de cotas que admite que determinados públicos concorram apenas entre si, essa medida minimiza os efeitos dessa conjuntura perversa de desigualdade e de racismo estrutural, e permite a ascensão desse público, considerando essas desigualdades".

Após a apresentação das propostas de políticas afirmativas, estimada para dezembro deste ano, a tendência é que a Unilab consolide as proposições em ações concretas. Vitória também para o reitor da universidade, Roque do Nascimento Albuquerque, cigano de etnia Calon, que celebra a importância da representatividade em cargos como o que ele ocupa.

“Para mim, eu acredito que é possível que, se você gritar, te escutem. Mas é muito mais provável que vão te ouvir se você conseguir pisar e marcar seu território e, ali, você vai ter uma voz. Falar em nome do meu povo é uma grande satisfação. Mas, eu não quero me prender em si, quero falar por outros também, porque estou sensível à realidade que nosso país enfrenta”, finaliza Roque.

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