Participamos do

Cartilha orienta sobre prevenção à Covid-19 para população em situação de rua

Organizações sociais apontam importância do conteúdo, mas também ressaltam as dificuldades de aplicar algumas orientações e a necessidade de programas de apoio mais incisivos

A Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) desenvolveu uma cartilha que orienta sobre as medidas de prevenção à Covid-19 para a população em situação de rua. A população configura uma das mais vulneráveis à infecção pelo coronavírus, principalmente pelo pouco acesso à água potável e assistência médica.

A cartilha será repassada para 20 entidades do Ceará que trabalham com pessoas em situação de rua. Nela, a Sesa descreve como se contrai a Covid-19 e reforça as medidas sanitárias, como lavar as mãos com água e sabão e usar máscaras de proteção. Ainda, recomenda evitar o compartilhamento de utensílios: “latinhas, canudos, cachimbos, cigarros e similares, copos, garrafas e talheres”.

Apesar de ser apontada como uma boa iniciativa por organizações sociais, a cartilha também apresenta orientações que podem ser difíceis de se seguir na prática. Uma delas é a lavagem das mãos ou uso de álcool em gel, já que o acesso a esta população é custoso. Além disso, poucos possuem mais de uma máscara - geralmente doadas por coletivos - para trocar de duas em duas horas ou sempre que estiverem úmidas, como indica o documento.

Seja assinante O POVO+

Tenha acesso a todos os conteúdos exclusivos, colunistas, acessos ilimitados e descontos em lojas, farmácias e muito mais.

Assine

“Acho que a cartilha pode ser útil. Eles são muito carentes de afeto e de atenção. Saber que existe uma política pública, mesmo que seja uma cartilha simples, já os faz se sentir alguém. Mas reforço que o papel sozinho não resolve nada. Seria muito importante ter apoio de agentes comunitários, visitas, entrevistas… É uma população muito esquecida”, opina Mariana Marques, coordenadora geral do projeto Auê do Amor.

O Auê do Amor surgiu durante a pandemia de Covid-19 em Fortaleza e já distribuiu mais de 10.600 máscaras, mais de 3.700 kits de higiene e mais de 156.700 refeições. O alcance é de pelo menos 45 comunidades. Segundo Mariana, em nenhuma das ações do coletivo foram vistos representantes do governo.

 


“Entendo que toda a máquina da saúde estava focada no atendimento emergencial, nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e nos hospitais. Tem sido um trabalho muito efetivo e importante, mas acho que é preciso pensar nessa outra parte, a da prevenção”, reforça. Além disso, ela reflete sobre o desconhecimento dos moradores de rua em relação aos próprios direitos.

Mariana fala sobre o caso de um homem que estava com o braço fraturado e de uma mulher com o útero exposto: “Os dois tiveram medo que chamássemos o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ambos disseram: ‘Não vão me atender porque não tenho documento’. E não tem isso, o Samu atende mesmo quem não tenha documento”, relembra.

LEIA TAMBÉM | Prefeitura abre dois novos abrigos temporários para acolher população de rua durante a quarentena

Acesso à água

Lavar as mãos é a instrução básica para se proteger da Covid-19, o que não significa que seja simples. O Projeto Shalom Amigo dos Pobres tenta reduzir os danos ao oferecer locais de banho, higienização das mãos, roupas limpas e refeições para pessoas em situação de rua. Acompanhe o projeto pelo Instagram @shalomamigodospobres

Ao mesmo tempo, os voluntários aproveitam para conversar com os irmãos sobre o contexto da sociedade e explicar a importância do uso das máscaras, do banho e de se usar roupas limpas. “Esse trabalho de conscientização é unido ao serviço que começamos a oferecer o banho. Abrimos, durante a pandemia quatro casas, onde dispomos o serviço do banho, damos a eles uma roupa limpa e distribuímos as máscaras”, explica Jeovana Freitas, coordenadora geral do Projeto Amigo dos Pobres. Na primeira fase do projeto, foram realizados 1.332 serviços de higienização.

A dificuldade para higienização pela população já era observada pelo coletivo Florescer desde 2019. Focado na pobreza menstrual - quando as pessoas não têm acesso a falta de acesso a água e de produtos para higiene menstrual -, o projeto está com campanha aberta para doações de kits de higiene com álcool em gel e máscaras.

LEIA TAMBÉM | Volta do comércio no Centro traz novas vulnerabilidades à população de rua

Retomada econômica: "As pessoas precisam entender que a pandemia não terminou", alerta especialista


A idealizadora do Florescer, Ágata Cabral, afirma a importância da cartilha da Sesa, mas reforça a necessidade de uma atenção continuada. “Tem que ser um lembrete diário. Até para quem não está em situação de rua é difícil aprender, as pessoas não seguem. E imagina para eles agora que o Centro abriu. Para eles parece estar tudo bem, mas não está”, diz.

Aumento populacional

Enquanto boa parte da população fortalezense trancava-se entre quatro paredes para cumprir as medidas de isolamento social, outra parcela viveu o despejo. De acordo com as organizações sociais entrevistadas pelo O POVO, o número de pessoas em situação de rua aumentou durante a pandemia, já que muitas famílias foram despejadas após perder a forma de renda.

“O número de pessoas de rua cresceu bastante. Se algum tempo atrás eram 1.700, só na Parangaba atendemos 800 pessoas durante a pandemia. Existe uma parte que é a mesma, mas nós recebemos novas pessoas todos os dias”, observa Jeovana. A mesma constatação é feita por Mariana.

O único censo sobre essa população foi realizado em 2014, contabilizando 1.718 pessoas vivendo em situação de rua na Capital. Uma pesquisa da Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), de 2017, mostra que há 247 homens e mulheres morando na Praça do Ferreira. Um novo censo estava previsto para ser entregue em agosto, mas foi suspenso temporariamente devido à pandemia.

A reportagem do O POVO entrou em contato com a SDHDS questionando a previsão de dados atualizados em relação à população em situação de rua e quais ações voltadas para essa população têm sido desenvolvidas. A pasta não respondeu até a publicação desta matéria. No dia 11 de julho, para outra matéria do jornal, a secretaria respondeu, em nota, os projetos desenvolvidos pela SDHDS durante a pandemia. Leia na íntegra:

"A Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, realizou diversas ações para população de rua em combate ao coronavírus. Foram abertos três abrigos temporários, com 170 vagas a mais do que as existentes na rede de assistência. Descentralizou o serviço do Refeitório Social, passando a entregar 1.450 quentinhas diárias. Em parceria com a Secretaria da Saúde criou o consultório na rua, onde equipes puderam alcançar a população para disponibilização de vacinas, orientação das medidas sanitárias e outros encaminhamentos de saúde, nessas ações foram distribuídas 3.500 máscaras. Para higiene pessoal foram inaugurados dois espaços de Higiene Cidadã, que realiza 200 atendimentos por dia."

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Tags

Os cookies nos ajudam a administrar este site. Ao usar nosso site, você concorda com nosso uso de cookies. Política de privacidade

Aceitar