Em quatro anos, Kathlen é 15ª grávida baleada no Rio; todas estavam na periferia

Das 15 mulheres, oito morreram e sete ficaram feridas. Os dados são do Instituto Fogo Cruzado

Um total de 15 grávidas foram baleadas na região metropolitana do Rio de Janeiro entre 1º de junho de 2017 e a última terça-feira, 8 de junho. Nesse intervalo de quatro anos, oito dessas mulheres morreram e sete ficaram feridas. Os números são do Instituto Fogo Cruzado, laboratório que foca em registros sobre violência armada. A designer de interiores Kathlen Romeu, de 24 anos e grávida de 14 semanas, morreu ao ser atingida por um tiro de fuzil no Complexo do Lins, zona norte do Rio. Na versão da polícia, os disparos aconteceram em resposta a tiros de criminosos. Os dados são do portal Uol.

Todos os casos registrados no levantamento ocorreram em áreas periféricas da região metropolitana do Rio - Baixada Fluminense, São Gonçalo e zonas norte e oeste da capital.

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O Instituto Fogo Cruzado compilou, ainda, que dez bebês também foram baleados no mesmo período e somente um sobreviveu. “Nós, como sociedade, precisamos cobrar das autoridades uma política de segurança pública que seja baseada na preservação da vida”, informou ao portal a diretora-executiva do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Olliveira.

Ainda de acordo com a reportagem, existe o registro de um homicídio e um caso de tortura em mulheres grávidas, além de um episódio em que a razão do ferimento por arma de fogo não foi identificada. Em três dos 15 episódios descritos, as gestantes foram vítimas de disparos durante assaltos e tentativas de roubo. Três delas foram executadas.

Seis dos episódios são classificados pela plataforma como "balas perdidas". Ou seja, situações em que a vítima foi atingida durante trocas de tiros, de acordo com o relato de reportagens (que são a base do levantamento). Este foi o caso de Kathlen de Oliveira Romeu, 24.

Kathlen se mudou para ter mais segurança 

 

Morta onde cresceu, ela trabalhava como vendedora da loja da Farm de Ipanema há seis anos e planejava batizar a criança que esperava de Zayo ou Maya. Os nomes significam na simbologia hebraica, respectivamente, terra prometida e pureza da água ou amor materno. Nascida e criada no Complexo do Lins, ela já não morava na comunidade havia um mês e meio. Mudou-se após descobrir a gestação para viver em um local mais seguro.

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Na tarde da última terça, Kathlen foi à favela visitar a família. Ela caminhava com a avó quando foi baleada. “Quando começou o barulho do tiro, minha neta caiu no chão. Achei que ela tinha se jogado, me joguei em cima dela, e vi um buraco [no corpo dela]. Não sei como não estou baleada. Levantei e falei: 'Gente, para de dar tiro, socorre minha neta'”, relembra Sayonara Fátima Queiroz de Oliveira, avó da jovem.

Ela afirmou ao UOL que os agentes não prestaram o devido socorro à vítima. "Eles socorreram, porque eu gritei. Não queriam nem que eu fosse no carro com ela. Eu disse: 'Me leva, nem que seja na caçamba'." Jaqueline de Oliveira Lopes, mãe de Kathlen, questiona a versão policial de que houve troca de tiros. "A polícia estava dentro de uma casa, viu os bandidos e atirou", diz.

Segundo ela, a bala que matou sua filha foi disparada por um policial militar. "Se a minha filha fosse morta por bandido, eu não falaria nada com vocês, porque eu moro em um lugar que eu não poderia falar. Ficaria na minha. Mas não foi. A polícia matou a minha filha", afirmou ela na entrevista.

Em nota enviada ao UOL, a Polícia Militar do Rio de Janeiro informa que não realizava operações na comunidade "no momento do incidente", mas que agentes da Unidade de Polícia Pacificadora do Lins "foram atacados a tiros por criminosos na localidade conhecida como 'Beco da 14'".

"Após cessarem os disparos, os militares encontraram uma mulher ferida e a socorreram ao Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, onde —infelizmente— a vítima não resistiu", informa o texto da Polícia. A família não crê na versão. A PM informou que "a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) instaurou um procedimento para averiguar as circunstâncias do fato", que também é objeto de uma investigação por parte da Delegacia de Homicídios da capital.

"A morte da Kathlen, aos 24 anos, grávida de seu primeiro ou sua primeira filha, nos mostra que a política de segurança pública vigente no Rio de Janeiro é ineficaz e desastrosa. Quando foi que a gente naturalizou este tipo de coisa? O caso da Kathlen não foi isolado", afirma a diretora-executiva do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Olliveira.

Uma história que se repete

 

Características do caso de Kathlen se repetem em outros episódios de grávidas baleadas. Um exemplo é a situação envolvendo Karolayne Nunes de Almeida Alves, 19, que também foi atingida durante uma troca de tiros em uma comunidade, em 2 de dezembro de 2017.

Karolayne passava de carro com o marido pela Birosca na Fazendinha, uma das favelas que compõem o Complexo do Alemão. Um homem armado passou de moto pelo veículo do casal e atirou para o alto. Em seguida, PMs que estavam na região fizeram disparos na direção do motociclista e terminaram atingindo a jovem, que estava grávida de cinco meses. Levada para o Hospital Miguel Couto, Karolayne perdeu o bebê logo após ser baleada e ficou mais de um mês internada em estado grave até morrer, em 9 de janeiro de 2018.

Outro caso do tipo narrado pela reportagem da Uoal envolveu Verônica Sabrina Sousa Silva, 27. Repositora de supermercado, ela voltava de carro com o companheiro, José Carlos da Rocha, da casa da mãe, que morava no bairro Parque Duque, em Duque de Caxias, quando foi vítima de uma tentativa de assalto na avenida Pelotas, no bairro Sarapuí, por volta das 19h30 do dia 30 de dezembro de 2018.

Rocha era agente penitenciário, reagiu à abordagem e levou cinco tiros no peito. Verônica estava grávida de seis meses de Davi, que seria seu primeiro filho, e foi atingida na cabeça. O casal planejava passar o Réveillon em Copacabana e morava a menos de 15 minutos do local do crime, em Campos Elíseos, também em Caxias.

Verônica e Rocha foram levados para o Hospital Adão Pereira Nunes. Ela morreu logo após o parto de emergência. Ele também não resistiu aos disparos. Após quatro dias internado em estado grave, o bebê faleceu em 3 de janeiro de 2019. "De quem está à margem da lei, a gente já não espera absolutamente nada. Mas a gente espera e precisa de respostas dos responsáveis pela condução da política de segurança pública vigente no Rio de Janeiro", afirma Cecília.

"A gente precisa que o sistema de Justiça funcione para as vítimas da violência armada no Rio de Janeiro. Precisamos de mais respostas e as que estão sobre a mesa neste momento não respondem à dor das famílias vítimas da violência armada no Rio de Janeiro", diz ela. (com informações do Portal Uol)

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