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Posse dos eleitos no Brasil sempre foi no dia 1º de janeiro?

Para parlamentares e líderes estrangeiros, escolher o primeiro dia do ano para realizar uma cerimônia solene de início de governo soa inconveniente - e há propostas para mudar a data

A cada dois anos no Brasil, o dia 1º de janeiro marca não apenas o feriado de Confraternização Universal e a chegada do Ano-Novo, mas também a posse de prefeitos, vereadores, governadores e presidente. Nesta sexta-feira, por exemplo, José Sarto (PDT) assume a Prefeitura de Fortaleza, assim como outros 176 gestores eleitos nos municípios cearenses.

Em muitos países, a escolha do primeiro dia do ano para inauguração de uma nova gestão, com toda a sua pompa solene, pode soar estranho e mesmo inconveniente, tendo em vista o caráter festivo da data para a população. Contudo, a prática é relativamente recente, pois nem sempre o Brasil empossou seus eleitos no 1º de janeiro.

República Velha

O País se tornou uma república em 15 de novembro de 1889, quando um golpe militar depôs o imperador Dom Pedro II. Nesta data, o marechal Deodoro da Fonseca assumiu o comando do país. Nos anos subsequentes, período conhecido como República Velha, o 15 de novembro, ainda hoje feriado, era considerada a data republicana mais importante do calendário nacional. Assim, os presidentes eram empossados e iniciavam seus mandatos sempre neste dia do penúltimo mês do ano.

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Era Vargas

O 15 de novembro seguiu como data oficial de posse até 1930. Naquele ano, em plena crise econômica da Grande Depressão, os estados de Pernambuco, Paraíba, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul formaram uma aliança - chamada Aliança Liberal - para enfrentar o domínio paulista na política nacional. Eles lançaram Getúlio Vargas para enfrentar o candidato de São Paulo, Júlio Prestes, que ainda assim foi eleito. No entanto, após o assassinato do candidato a vice de Vargas, a Aliança Liberal, com apoio dos militares, depôs o então presidente Washington Luís e impediu a posse de Prestes. Vargas chegou ao poder em 24 de outubro e ficaria entrincheirado ali até 1945. Não houve cerimônia de posse no 15 de novembro - nem em outro momento.

O fim do Estado Novo e a ditadura militar

Jânio Quadros foi o último presidente a tomar posse em um 31 de janeiro, como estabelecido pelo Constituição de 1946
Jânio Quadros foi o último presidente a tomar posse em um 31 de janeiro, como estabelecido pelo Constituição de 1946 (Foto: Arquivo Nacional)

Após o fim do Estado Novo comandado por Vargas, a Constituição de 1946 estabeleceu um mandato de cinco anos para presidente, com eleição no dia 3 de outubro e posse no dia 31 de janeiro. Assim foi até a eleição de Jânio Quadros em 1961, o último a assumir em um dia 31. Após os acontecimentos que levaram seu vice, João Goulart, ao poder, o golpe militar de 1964 fez com que Humberto Castelo Branco usurpasse a cadeira presidencial e fosse oficializado líder do país em um 15 de abril.

A Constituição de 1967 outorgada por Castelo Branco estabeleceu, por sua vez, o 15 de março como data oficial de posse. E assim foi até o fim do período ditatorial.

Nova República

A Constituição de 1988 estabeleceu o dia 1º de janeiro como a data de posse do presidente e do vice-presidente da República, assim como a dos governadores e seus vices, já que são todos eleitos no mesmo ano. Nos municípios, embora as eleições ocorram em anos distintos das esferas estaduais e federal, o 1º de janeiro também ficou como dia da posse dos gestores eleitos. Foi a primeira vez que a posse dos três cargos do Poder Executivo brasileiro - presidente, governador e prefeito - acabaram no mesmo dia oficial, embora em anos distintos.

Ainda assim, o primeiro presidente pós-ditadura eleito pelo voto popular, Fernando Collor, somente tomou posse no 15 de março, por previsão da legislação que regeu a transição do governo de José Sarney - eleito indiretamente na chapa com Tancredo Neves - para Collor. A Constituição havia previsto um mandato de cinco anos na Presidência sem possibilidade de reeleição. No entanto, em 1994, uma emenda constitucional reduziu o mandato presidencial para 4 anos, ainda sem possibilidade de reeleição.

Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro presidente brasileiro a tomar posse em um 1º de janeiro, o 1º de janeiro de 1995 - e desde então, todos os eleitos assim o têm feito. Em 1997, FHC patrocinou a emenda constitucional que permitia a reeleição em mais um mandato de 4 anos por períodos subsequentes, o que também beneficiou todos os presidentes eleitos desde então.

Governadores e prefeitos sempre seguiram a data da posse presidencial?

Não. No caso do Ceará e de Fortaleza, por exemplo, pouquíssimas vezes antes da Constituição de 1988 a data da posse de prefeitos e governadores coincidiu com a data presidencial.

O primeiro governador a tomar posse em um 1º de janeiro foi Tasso Jereissati, em sua segunda passagem pelo governo, em 1995, isto é, já em concordância com a nova regra estabelecida na Constituição. Já em Fortaleza, desde a eleição de Maria Luíza Fontenele, em 1986, os prefeitos da Capital cearense tomam posse no primeiro dia do ano.

Movimento para mudar a data

Na posse de Bolsonaro, apenas 12 líderes estrangeiros compareceram. Entre os governadores, houve boicote, mas muitos simplesmente não conseguiram ir pelo tempo
Na posse de Bolsonaro, apenas 12 líderes estrangeiros compareceram. Entre os governadores, houve boicote, mas muitos simplesmente não conseguiram ir pelo tempo (Foto: Carolina Antunes/PR)

Há vários projetos de lei que pedem a alteração da data da posse presidencial. O 1º de janeiro é considerado por muitos uma data inconveniente. Além da supracitada questão festiva da virada de ano, há dois aspectos de caráter prático que pesam a mudança. Primeiro, a posse dos governadores. É costumeiro que os líderes dos estados da Federação compareçam ao empossamento daquele responsável por gerir a União, isto é, o presidente. Contudo, a data da posse nos governos estaduais é a mesma da Presidência da República.

Assim, muitos governadores precisam realizar cerimônias pela manhã, cedo, para conseguir chegar a tempo, de avião, a Brasília. Também por isso, os presidentes precisam marcar a cerimônia para a tarde. Todavia, nem mesmo este delicado arranjo de horários é garantia de encontro de agendas, além de deixar pouca margem para imprevistos. Em 2019, por exemplo, o governador recém-empossado de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo-MG), não conseguiu ir à Brasília assistir a cerimônia de Jair Bolsonaro - embora seu estado esteja ao lado do Distrito Federal.

Se fica difícil para governadores daqui, para dignitários estrangeiros é ainda mais complicado. A recepção de chefes de Estado e de governo de outros países é simbólica em qualquer posse no mundo - faz parte de um movimento de reconhecimento internacional do governo que se inicia. Contudo, muitos chefes estrangeiros acabam por não comparecer à cerimônia brasileira devido à data.

No 1º de janeiro, geralmente, muitos líderes têm agendas próprias em suas nações, ou mesmo agendas familiares das quais teriam de abdicar, com pelo menos um dia de antecedência, para chegar ao Brasil. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, na posse de Bolsonaro, apenas 12 chefes de Estado compareceram. Na posse de Dilma, em 2011, foram 21. A de Lula, em 2003, contou com 10, e em 2007, nenhum.

Entre as propostas de mudança de data de empossamento, por exemplo, figuram uma do ex-presidente e ex-senador José Sarney (PMDB-AP), que sugeriu o 15 de janeiro para posse presidencial, 10 de janeiro para posse dos governadores e 5 de janeiro para posse dos prefeitos. Já outra proposta, do senador Marco Maciel (DEM-PE), propõe 3 de janeiro como uma nova data para as cerimônias.

Na Câmara dos Deputados, o número de sugestões de novas datas é ainda maior. O deputado federal Flaviano Melo (PMDB-AC) sugeriu o dia 2 de janeiro, mas há outras proposições para o dia 4, o dia 6 e uma que estabelece a posse no primeiro dia útil de janeiro. Se esta última proposta estivesse em vigor, por exemplo, os prefeitos eleitos em 2020 apenas tomariam posse no 4 de janeiro de 2021, uma segunda-feira, já que o dia 1º é feriado e os dias 2 e 3 são, respectivamente, um sábado e domingo.

Há, inclusive, uma proposta apresentada pelo então deputado federal Bismarck Maia, hoje prefeito do município de Aracati, que propunha o retorno da data de posse para o 15 de novembro, dia da Proclamação da República, como ocorreu no período da República Velha. Contudo, nenhuma das sugestões, até o momento, chegou a votação no plenário de nenhuma das casas do Congresso Nacional.

Inclusive, a relação presidencial com o Congresso é um dos motivos apontados para a mudança de data. Tanto o Senado quanto a Câmara dos Deputados somente tomam posse no dia 1º de fevereiro. A Mesa Diretora das duas Casas, que dá o tom de como vai andar a pauta legislativa, também apenas é eleita neste dia. Ou seja, o Congresso somente começa a funcionar um mês após a posse do presidente.

Como há inúmeras medidas que o governo só pode tomar com aprovação do Congresso, o primeiro mês do ano é um período de marcha lenta do Poder Executivo nacional, que somente pode atuar por meio de determinados instrumentos legais que ainda correm o risco de serem derrubados com o início da legislatura. Assim, uma mudança na data de posse do presidente ou mesmo na posse do Congresso Nacional, colocaria dois dos Três Poderes da República, se não em maior sintonia, pelo menos na mesma página.

Posse em outros países

Outros países presidencialistas da América passam longe do dia 1º de janeiro como data de posse. Nos Estados Unidos, o novo inquilino da Casa Branca toma posse no dia 20 de janeiro. No México, a cerimônia ocorre no dia 1º de dezembro; enquanto no Chile, no dia 11 de março. Na Argentina, o presidente eleito assume a Casa Rosada no dia 10 de dezembro; no Uruguai, dia 1º de março; na Colômbia, 7 de agosto.

Nos Estados Unidos, o presidente eleito toma posse no dia 20 de janeiro, depois do Congresso
Nos Estados Unidos, o presidente eleito toma posse no dia 20 de janeiro, depois do Congresso (Foto: Reprodução/White House)

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