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Tiktoker de 19 anos assumir namoro com menina de 13 anos pode ser crime; entenda

Vídeo em que Pietro Riguengo, 19, assume relacionamento com uma suposta namorada de 13 anos repercutiu nas redes sociais desde a última segunda-feira, 26. O crime não é de fato o namoro entre os dois, mas o que acontece no relacionamento. O POVO conversou com especialistas que explicam sobre a situação jurídica e psicológica do fato

O tiktoker Pietro Riguengo, 19, vem sendo assunto nas redes sociais desde a última segunda-feira, 26, após repercussão de um anúncio com sua suposta namorada de 13 anos. O vídeo já tem mais de 7 milhões de acessos no Twitter, no qual ambos assumem o relacionamento e deixam pontuado o consenso dos familiares e entre eles sobre a relação. Mesmo o namoro sendo comunicado posteriomente como uma “trolagem” (brincadeira) pelos dois, o vídeo mobilizou diversos comentários na internet: em grande parte negativos tanto pela conduta do homem quanto comentários críticos à garota. Mas o relacionamento dos dois pode existir?

A resposta simples e direta é não. As vontades dos familiares e da pré-adolescente e do adulto sequer são suficientes para viabilizar o relacionamento entre eles. Isso porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define que crianças com menos de 14 anos tem sua violência presumida: ou seja, independentemente do consenso dela ou dos responsáveis, ela sempre será a vítima na situação.

 

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“Essa é a primeira e última vez que vamos falar disso”, começou Pietro em vídeo. Em seguida, os dois confirmaram o namoro e afirmaram estar bastante felizes. “Nossos pais sabem e autorizam, eu quero e autorizo o namoro”, pontuou a garota. “Eu estou 100% ciente do tempo da [nome da menina]”, reafirmou Pietro, no que a menina de 13 anos completou: “Fiquem tranquilos que a diferença de idade para a gente não é nada comparado ao amor que a gente tem um pelo outro”. Ambos seguem com um canal no Youtube com mais de 137 mil inscritos e tinham um perfil compartilhado na plataforma TikTok com mais de 1,5 milhão de seguidores - no qual essa foi banida após repercussão negativa do namoro.

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Fora da legislação prática, a psicóloga infantil Brenda Magalhães evidencia os motivos justificáveis para que o relacionamento entre os dois não exista: a própria sexualidade de Pietro e da pré-adolescente são divergentes. "O que ela está experenciando na vida nesse momento? Pode existir uma disparidade e desequilíbrio muito grande entre eles". Ela alerta para a possível presença de relacionamentos abusivos: em relações heterossexuais, é comum existir uma relação de poder do homem sobre o corpo da mulher.

O ponto é fortificado com a cultura da adultização das mulheres. Sabe quando falam que ‘ela’ é diferente de outras garotas de sua idade? Então. “Há muitos homens que se utilizam disso para criar uma rivalidade entre elas e nutrir a sensação de que ela é especial e escolhida”, explica Brenda. Ao invés do homem ter um relacionamento com uma pessoa da mesma idade do que ele, o adulto vai e escolhe uma menina mais jovem sob argumento de que mulheres amadurecem mais cedo do que homens. “Mas isso é uma falácia”.

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É importante ressaltar a diferença entre as experiências já vividas pelo homem e que poderão ser vividas pela menina. "Aos 12, 13 anos, muitas pessoas sequer tiveram o primeiro beijo. Isso pode gerar uma sensação de controle, de que ela precisa estar sempre ao alcance dele, sendo que a descoberta dela deve ser respeitada", conversa Brenda.

Segundo informações da Revista Quem, a mãe da garota se pronunciou após a repercussão do relacionamento. "[Nome da garota] e Pi são figuras públicas. Já estávamos preparados para esse ataque, mas para quem gosta da gente, fiquem tranquilos. Eles estão muito bem e mais felizes que nunca", escreveu ela. Procurada pelo site, a família da menina não retornou o contato.

Como o consenso dos pais sequer vale por lei, na visão da psicóloga ainda permeia uma cultura do desconhecimento entre os responsáveis. "Talvez no passado isso fosse aceitável, mas isso destaca até mesmo uma falta de educação sexual na vida das crianças, de como isso é tabu. É interessante ela ter tido essa abertura com os pais de conversar sobre. Mas o fato deles terem aceitado é preocupante, porque eles deveriam estar preocupados com a filha".

O que de fato diz a legislação

Não há regras legislativas para um namoro, mas no caso específico de Pietro e da menina de 13 anos o crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do ECA, poderia ser aplicado conforme descrito: “Ter conjunção carnal e outro ato libidinoso com conotação erótica”. Ou seja, o crime não seria o namoro dos dois, mas o que é feito durante o relacionamento. "Você imagina que em um namoro é comum as duas situações. Claro que a análise do caso deve ocorrer", pontua o advogado e membro da Comissão Especial de Direitos da Criança e Adolescente da OAB Ceará, Márcio Alan.

 

Essa análise é realizada através de um inquérito ou investigação legal onde a conduta dos pais e de Pietro pode ser analisada. “Não podemos tirar a responsabilidade do adulto. Eles dois estão em situações diferentes: ele é adulto e ela é uma adolescente recém-saída da infância. Ela acabou de deixar de ser criança e ele já é um adulto. De um ponto de vista, ele tem uma responsabilidade imensa”, ressalta Alan.

As plataformas podem ser responsabilizadas?

Após os comentários críticos em redes sociais como o Twitter, Instagram e no próprio TikTok, a pré-adolescente postou um vídeo com Pietro comunicando a realidade sobre o relacionamento. Segundo eles, tudo não passou de uma brincadeira. “Gente como vocês acreditaram nisso? Era uma trolagem. Todo mundo que acompanha nosso canal sabe que a gente tem uma relação de irmão, a gente se respeita muito”, comentou Pietro. “E os famosos que falaram da gente, vocês estão certos. Mas a gente não tava namorando mesmo. Era só zueira”, conversou a garota.

Ambos estão em diversas plataformas online como o Youtube e o TikTok. A exemplo da rede social viral, em seu Termo de Serviço afirma que “Os Serviços e a Plataforma destinam-se apenas a pessoas com 13 anos de idade ou mais”. No Youtube Brasil, a restrição de idade é a mesma. Após o anúncio dos dois, a conta no TikTok com mais de 1,5 milhão de seguidores foi banida. Mas no Youtube e em outras redes sociais como o Instagram, segue ativa.

A psicóloga sinaliza para a probabilidade de ambos não estarem esperando tamanha reação negativa do caso e por isso o "fim" do relacionamento, seja ele realmente falso ou não. “Acredito que por conta da repercussão, a situação foi desmentida. Até mesmo porque as críticas estão sendo direcionadas a ela", cita. “Mas os pais e o adulto devem ser os principais responsabilizados”.

Brenda conversa que a influência externa em casa e na internet pode influenciar na nossa vivência diária. No caso das redes sociais, proibir não é a solução: afinal, as crianças podem arrumar outras formas de assistir o conteúdo. “Há muita naturalização da internet, mas os pais tem esse papel de educação sexual e de diálogo.”

 

Para Ana Cristina Teixeira Barreto, titular do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública da Infância e Juventude (Nadij) da Defensoria Pública do Estado do Ceará, as plataformas podem ser responsabilizadas pelo caso. "Esse tipo de plataforma tem um poder benéfico ou maléfico de influenciar. Em uma situação de romantização do caso, onde os pais concordam com o relacionamento, devemos parar para pensar… é assim na realidade a nossa volta?”, questiona.

A defensora relembra a diferença entre o relacionamento midiático e o relacionamento em classes menos favorecidas da sociedade, como a periferia. “É muito comum a gravidez na adolescência, o abandono do namorado ou dos estudos. É tudo muito antecipado e atrapalha o desenvolvimento físico e mental que aquela adolescente deveria ter."

Para relatar os casos de estupro de vulnerável, Ana Cristina relata que qualquer pessoa pode denunciar o fato através do Disque 100 ou através do Conselho Tutelar da região, pois não se trata de uma relação privada mas sim de conhecimento público. A denúncia então é encaminhada para o Ministério Público e posteriomente para a Delegacia de Combate a Exploração da Criança e Adolescente (Dececa).

 

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Cabe ainda conversar com as crianças e com os adolescentes sobre o uso na internet. Não chegar julgando é o primeiro ponto, pois isso pode afastar a criança e não gera confiança para conversas posteriores. "É entender por onde esse homem alcançou ela, se foi realmente através da internet", cita Brenda.

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